Paraty - O jornalista britânico Ioan Grillo, que vive há 15 anos no México e cobre o tráfico de drogas e o crime organizado para diversas publicações, tem algumas ideias sobre como amenizar, já que resolver é praticamente impossível, a questão das drogas. Primeiro, ele pensa, é preciso legalizar a maconha.
Depois, olhar com mais cuidado para a cocaína e discutir, também, a discriminação de seu uso. Duas iniciativas que já começariam a desestabilizar os cartéis. O terceiro passo seria oferecer tratamento adequado a todos os usuários.
Escalado de última hora para a Festa Literária Internacional de Paraty, ele e o também jornalista Diego Enrique Osorno, que chega nesta sexta, 3, à cidade, debatem essas e outras questões no sábado, 4, à noite, na mesa que contaria com o italiano Roberto Saviano, autor de Zero Zero Zero, sobre o tráfico internacional de cocaína.
Os dois convidados têm livros sobre o tema, mas nunca foram publicados no Brasil. Grillo prepara o lançamento de seu segundo título, que terá uma relação próxima com o País.
Em Gangster Warlords: Drug Dollars, Killing Fields and the New Politics of Latin America, previsto para janeiro, ele analisa as facções criminosas Los Caballeros Templarios (México), Shower Posse (Jamaica), Mara Salvatrucha (Honduras) e Comando Vermelho (Brasil). Por causa desse livro, já veio outras três vezes ao País - e encontrou "dos donos das favelas aos soldados do tráfico".
Em entrevista no final da tarde dessa quinta, 2, em Paraty, ele falou sobre o Comando Vermelho, sua "retórica de classe", ou seja, "o discurso de que 'lutamos pelos pobres e contra os ricos'" e sua fundação, na ditadura militar, e falou também sobre o PCC . "O PCC é uma organização muito perigosa e tem quase o monopólio do crime.
Eles estão controlando mais a periferia, os presídios e o tráfico de drogas, mas e se no futuro eles começarem a extorquir, a sequestrar, como facções fizeram no México? O Brasil vive uma situação precária e difícil", diz.
Ele, no entanto, é positivo com relação a um ponto: nossos traficantes são menos sociopatas do que os mexicanos. Mas há algo muito preocupante, Grillo completa, na acomodação do brasileiro. "O Brasil aprendeu a viver com o crime organizado, aprendeu a viver com o índice de 50 mil homicídios por ano. É um jeito muito perigoso de se viver, é uma situação muito instável."
Fascinado pela América Latina, ele se mudou para o México um pouco antes dos 30. Não pensava em escrever sobre esses temas, mas, chegando lá, soube que não teria como escapar. "Era tudo um grande mistério. Quem eram esses traficantes? Como eles estavam ganhando US$ 30 bilhões por ano? Não os vemos, são como uma força invisível. Quis entender isso e também a relação entre países que consomem, como o meu, e os que produzem", explica. E a escalada da violência o assustou. "Em sete anos, 80 mil pessoas foram mortas pelos cartéis ou polícia. Famílias foram destruídas, inocentes morreram. Não foi uma violência local, como acho que tem no Brasil, mas pública, atingiu a classe média. Por isso chocou tanto o México. No Brasil, vejo uma violência menos impactante porque ela está mais dentro das favelas."
As histórias sobre as quais escreve o afetam, como afetariam qualquer um, diz o jornalista de 42 anos.
"Como um repórter no campo, é preciso criar um distanciamento emocional para poder fazer o trabalho. Você é como um observador, então as histórias não têm o impacto que teriam se você fosse parte dela." Mesmo assim, lembra com pesar da cobertura que fez do terremoto do Haiti - ele escreve sobre outros temas, também -, onde viu pessoas enterrarem a família inteira. "Mas as histórias mais tristes são as das mães que perderam suas crianças por causa do tráfico", comenta.
Ele finaliza dizendo que acredita que mudanças radicais em comunidades pobres podem salvar vidas e tirar as pessoas do crime. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
São Paulo – Qual a forma mais eficaz de resolver o problema das
drogas no país? Essa é uma daquelas típicas perguntas que sempre voltam ao centro das discussões e que tendem a gerar controvérsias. Para Ilona Szabó, fundadora do Instituto Igarapé, especializado em em
segurança pública , a melhor resposta para a questão é a reformulação das atuais políticas públicas que tratam do problema. "Nossas políticas causam mais danos à sociedade do que o uso de drogas em si", diz Ilona. "O país enfrenta um grave problema de consumo abusivo, mas já temos provas suficientes de que a repressão e a marginalização dos usuários não é a melhor forma de solucioná-lo", afirma. O Instituto Igarapé listou dez razões para que essa mudança seja feita. A maior parte delas é relacionada à descriminalização do uso de substâncias ilícitas, como a
maconha,e à mudança na forma como o uso de drogas é encarado. "É muito mais uma questão de saúde pública do que de segurança”, diz Ilona. O tema voltou a ser debatido há duas semanas, depois que o ministro Gilmar Mendes (STF) liberou para julgamento o recurso que pede a descriminalização do porte para consumo pessoal de drogas. O mais provável é que a pauta seja discutida no Supremo no segundo semestre. Veja nas fotos acima por que devemos fazer uma mudança, e logo, segundo o instituto.
2. 2 - A Lei Antidrogas permite distorções 2 /10(Gilles Mingasson/Getty Images)
Para a instituição, a Lei 11.343/2006 isentou usuários da pena de privação de liberdade, mas não criou critérios objetivos para distingui-los de traficantes, o que gera uma distorção. “No Brasil, prendemos em flagrante usuários com pequenas quantidades, sem que haja investigação. Todo o foco da repressão ao tráfico deveria ser no crime violento", diz Ilona.
3. 3 - O sistema carcerário está superlotado 3 /10(Luiz Silveira/Agência CN/Divulgação)
Segundo o Instituto Igarapé, o número de presos por crimes envolvendo drogas subiu de 60 mil para 150 mil desde que foi adotada a nova lei de drogas em 2006. Isso "não refletiu nem na maior produção de sensação de segurança na sociedade nem na diminuição do consumo de drogas no país", diz a entidade. Os especialistas citam pesquisas que mostram que 70% das pessoas presas sob a nova lei portavam pequenas quantidades, estavam desarmadas e não apresentavam indícios de relação com o crime organizado. Para eles, a adoção de penas alternativas ao encarceramento pode ajudar a reabalitar essas pessoas.
4. 4 - Tratar dependentes é mais barato do que puni-los 4 /10(Pablo Porciuncula/AFP)
Os pesquisadores defendem que apenas 12% dos usuários de drogas desenvolve algum tipo de quadro de dependência, e que para eles a melhor saída não é a prisão. "Quando a abordagem criminal dá lugar aos programas de tratamento, os custos dos sistemas penitenciário e de justiça criminal são reduzidos", diz documento divulgado pelo órgão. Em relação ao restante dos usuários, que não desenvolvem uso problemático de drogas, os especialistas do Igarapé acreditam que eles também não precisam ser encarcerados. A prisão desses usuários elevaria os custos aos cofres públicos, argumentam.
5. 5 - A descriminalização poderá reduzir danos 5 /10(Thinkstock)
Atualmente, o tráfico e os sistemas de corrupção detêm o poder sobre o comércio das drogas. Os pesquisadores acreditam que afastar usuários de maconha, por exemplo, do contato direto com traficantes deve diminuir o risco de uso de outras drogas e de envolvimento com atividades ilícitas. Outro argumento é que, nos casos de dependentes químicos, a criminalização afasta os usuários dos tratamentos de saúde já que, muitas vezes, eles são estigmatizados.
6. 6 - É possível enfraquecer o crime organizado 6 /10(Getty Images)
A maconha é a substância ilegal mais consumida no país. Para os pesquisadores, regular o cultivo de plantas para consumo próprio significa afastar usuários do contato com traficantes. O ideal, segundo eles, seria estabelecer o número de plantas que podem ser cultivadas pelos usuários, individualmente ou em cooperativas reguladas e fiscalizadas.
7. 7 - Punição e medo não evitam o uso entre adolescentes 7 /10(Miguel Medina/AFP)
A instituição critica as campanhas sobre drogas que "tradicionalmente privilegiam o tom ameaçador e sensacionalista em detrimento da divulgação de informações claras e objetivas sobre as substâncias psicotrópicas, seu uso e suas consequências, o que pode prevenir o uso e os danos relacionados a ele". Eles citam o caso de Portugal, que descriminalizou o uso de todas as drogas em 2001 e investiu em educação os recursos antes direcionados à prisão de usuários.
8. 8 - A cannabis medicinal é tratamento para doenças 8 /10(David McNew/Getty Images)
Pesquisas científicas apontam que a cannabis é eficaz no tratamento de doenças como esclerose múltipla, epilepsia e glaucoma, além de aliviar sintomas da Aids, de Alzheimer e do tratamento contra vários cânceres. Os pesquisadores argumentam que, em países como o Brasil onde o uso da cannabis é criminalizado, pessoas doentes não podem ter acesso, de forma legal, a um medicamento que alivia seu sofrimento ou que trata dos sintomas. "Aqui no Brasil, a Anvisa já regulamentou o uso terapêutico de canabidiol, mas essa é apenas uma das substâncias cujo valor medicinal já foi devidamente comprovado", diz Ilona.
9. 9 - A proibição impede a pesquisa de novos remédios 9 /10(Getty Images)
Hoje em dia, para conseguir fazer pesquisa com drogas consideradas ilícitas, pesquisadores precisam ultrapassar barreiras burocráticas. Para Ilona, essas limitações acabam desincentivando a realização de pesquisas que seriam úteis para a construção de novas políticas de drogas. "Isso ainda serve como entrave para a criação de programas de prevenção honestos, que promovam o autocuidado a partir do conhecimento de efeitos dos usos e abusos das diferentes substâncias", diz ela.
10. 10- O Brasil já possui políticas de drogas de vanguarda 10 /10(Fábio Arantes/Secom Prefeitura de São Paulo)
Os pesquisadores citam projetos na área de política de drogas que demonstram que alternativas às políticas repressivas podem gerar mais benefícios sociais e econômicos. São exemplos o programa De Braços Abertos, da Prefeitura Municipal de São Paulo, que oferece moradia, tratamento e formação ao usuário, e outras como o Crack, Álcool e outras Drogas da Fundação Oswaldo Cruz, que promove eventos científicos e pesquisa na área de drogas, assim como o Respire, do Centro de Convivência É de Lei (SP), que trabalha com redução de danos.