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O que as medalhas dizem sobre o Brasil

David Cohen Com 19 medalhas, sendo sete de ouro, e um 13º lugar no ranking de países, o Brasil não fez feio nas Olimpíadas – mesmo considerando o “efeito hospedagem”, que costuma elevar em 30% o número de medalhas, e mesmo tendo ficado aquém das previsões originais do Comitê Olímpico Brasileiro. Não à toa, os […]

OURO NO VÔLEI: pelo critério de variedade de modalidades com medalhas, o Brasil seria o sétimo colocado no Rio / Tom Pennington/ Getty Images
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Da Redação

Publicado em 23 de agosto de 2016 às 11h03.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h08.

David Cohen

Com 19 medalhas, sendo sete de ouro, e um 13º lugar no ranking de países, o Brasil não fez feio nas Olimpíadas – mesmo considerando o “efeito hospedagem”, que costuma elevar em 30% o número de medalhas, e mesmo tendo ficado aquém das previsões originais do Comitê Olímpico Brasileiro.

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Não à toa, os pódios e a evolução apresentada em vários esportes são de dar orgulho. Mas será que eles significam algo além do esforço redobrado dos atletas para fazer bonito em casa? O quadro de medalhas espelha de algum modo o nível de desenvolvimento de um país?

Para um punhado de economistas e consultores, a resposta é um sim peremptório: vários deles fizeram cálculos minuciosos sobre quantas medalhas cada país ganharia – e não erraram por muito (embora uma estimativa baseada simplesmente no número de medalhas da Olimpíada anterior também funcionasse, o que talvez diga algo sobre as previsões dos economistas).

Os modelos para prever o número de medalhas costumam levar em conta quatro variáveis principais: tamanho da população, riqueza do país, se a nação tem ou teve até recentemente um regime comunista e se o país sedia ou sediou recentemente os jogos.

A lógica é: se há muitos recursos humanos e se há infra-estrutura para treinar os atletas, o país deverá ganhar mais medalhas. Nos países mais ricos, os cidadãos são mais saudáveis e têm mais tempo para dedicar-se a esportes.

A correlação positiva entre comunismo e medalhas vem do planejamento estatal – em vez de esperar que os talentos aflorem, olheiros identificam potenciais medalhistas e os colocam em regimes de treinamento marciais. (O raciocínio não vale só para regimes autoritários: pais autoritários podem produzir um Jimmy Connors, uma Serena Williams ou, no terreno da música, um Mozart ou um Michael Jackson).

A explicação para a quarta variável é que países que sediam as Olimpíadas costumam investir mais para não fazer feio, um efeito que costuma perdurar alguns anos. A Austrália, por exemplo, ganhou 58 medalhas quando sediou os jogos, em 2000. Quatro anos depois, o total caiu para 50, depois 46, depois 35 e agora, 29. A China, em Pequim, conseguiu ser primeira do ranking, com 100 medalhas. Nos Jogos seguintes, obteve 88 e, agora, foram 70.

Em 2012, Matthew O’Brien, então um editor da revista The Atlantic, calculou que esses quatro fatores explicavam 42% do quadro de medalhas. “Essa análise não captura a realidade de que alguns países são mais talentosos – pense na Jamaica em corridas curtas, ou no Quênia em corridas de longa distância – e que o sucesso atrai o sucesso, quando as vitórias olímpicas levam ao desenvolvimento de programas olímpicos”, escreveu ele. Mas é um bom começo. “Se você não tem uma fonte de talentos grande ou o dinheiro para desenvolver esses talentos, o teto para o que você pode fazer é bem baixo.”

A não ser que você faça como o Bahrein. Com muito dinheiro e pouca população, quase toda a sua equipe de atletismo foi “importada”. São africanos naturalizados. Mais de 30 atletas quenianos (famosos por seu talento nas corridas) competiram por outros países.

Quanto vale a prata?

É claro que o 13º lugar não é onde os brasileiros querem ficar. Ainda mais considerando a hipótese de que a evolução tenha sido efeito tão somente de jogar em casa, e recue nos próximos Jogos. Há bons sinais, porém, sobre o desempenho do Brasil.

Para começar, o 13º lugar é apenas um modo de ver o quadro de medalhas – não necessariamente o melhor. Para o Comitê Olímpico Internacional, a colocação é definida pelo número de medalhas de ouro. Só em caso de empate passa-se às medalhas de prata e, depois às de bronze.

Mas o que você prefere: ganhar seis medalhas de prata ou uma de ouro? A Nova Zelândia ganhou 18 medalhas no total, sendo quatro de ouro e nove de prata, e ficou atrás da Croácia, com uma medalha de ouro a mais e seis de prata a menos.

Em geral, o número de ouros cresce junto com o número de pódios. Em conjuntos pequenos, porém, pequenas variações podem valer algumas posições. O Azerbaijão obteve 18 medalhas, mas só uma de ouro. Se seus sete atletas de prata tivessem ido um pouquinho melhor, o país passaria o Brasil.

Se o critério do COI fosse o número de pódios, em vez de medalhas de ouro, o Brasil estaria um pouco à frente: em 12º lugar, empatado com a Holanda. A grande diferença seria para o Canadá, que pularia da vigésima para a décima posição.

Se o critério fosse dar pesos às medalhas, digamos, três pontos para ouro, dois para prata e um para bronze, o Brasil estaria também em 12º.

Sétimo em diversidade

Outra obviedade que não está refletida no ranking é que os esportes não são todos iguais. Há os de combate – em que você derrota ou é derrotado pelo adversário – e há os de julgamento, em que você se apresenta e torce para que a sua nota seja melhor que a dos demais, ou que a marca que você atingiu não seja superada. E há os mistos, em que você compete com alguém a seu lado, mas também de olho na marca, como numa eliminatória de corrida.

Há os esportes coletivos e os individuais. Há os esportes olímpicos e os que ainda não fazem parte da lista. Há as categorias femininas e masculinas. Há os esportes de luta e os assemelhados à arte. Cada cultura pode dar mais importância a uns que a outros. Para países cercados de mar, medalhas em vela ou canoagem podem ser questão de honra. Para outros, é o futebol. Países muçulmanos estritos, em que as mulheres não são incentivadas a praticar esportes, podem achar que o quadro de medalhas está distorcido contra seus valores.

Levando tudo em consideração, o Brasil não fez má figura. Nossas medalhas vieram de 12 modalidades diferentes. Só seis países colocaram atletas no pódio em mais modalidades do que nós (nesse quesito, empatamos com a Austrália em sétimo lugar).

No campo econômico, há países que se sustentam com apenas uma especialidade (o petróleo da Arábia Saudita, por exemplo), e há países com uma ampla gama de indústrias. No esporte, Jamaica e Quênia estão no primeiro caso: cada país obteve seis ouros, todos em atletismo. Nossa evolução vai pelo segundo caminho.

Isso não é acaso. É o sinal de que nossa sociedade é diversa e, pelo menos no plano do ideário, oferece oportunidades em campos variados. A Hungria ficou uma colocação à nossa frente, mas subiu ao pódio em apenas quatro modalidades: atletismo, canoagem, esgrima e natação. É uma realidade esportiva mais limitada.

Se o ranking computasse a diversidade, o Brasil poderia subir algumas posições. Imagine uma fórmula que multiplicasse os ouros por três, as pratas por dois e os bronzes por um, e depois se multiplicasse o resultado pelo número de modalidades em que o país subiu ao pódio. Neste caso, o Brasil estaria na décima posição. A França ultrapassaria o Japão, para ocupar a sexta, e a Austrália passaria a Itália, para chegar à oitava.

Se é diverso, o Brasil também é desigual. Isso explica por que uma população tão grande tem tão poucas medalhas. Em medalhas per capita, o ranking muda bastante. Os Estados Unidos caem de primeiro para 44º lugar. O Brasil vai para o 72º. Os campeões seriam Granada, Bahamas, Nova Zelândia, Jamaica e Dinamarca.

A política de campeões nacionais

Como se pode perceber, não há uma maneira correta de avaliar o quadro de medalhas. Há várias. Assim como o PIB não mede qualidade de vida, o número de medalhas não mede a saúde, nem o talento, nem a competitividade de um povo. Mas dá pistas.

A grande surpresa da competição foi a Grã-Bretanha (nas Olimpíadas o país compete sem a Irlanda do Norte, que com ela forma o Reino Unido). A consultoria PwC estimava que ela ganharia 52 medalhas; a Goldman Sachs, 59. Ela ganhou 67 e desbancou a China do segundo lugar (70 medalhas, mas menos ouros, quando as previsões lhe davam até 98 medalhas).

Foi uma evolução e tanto desde 1996, quando os britânicos ficaram em 36º lugar. O responsável pela virada foi o primeiro-ministro John Major, sucessor de Margaret Thatcher, que criou uma loteria cujos proventos foram dirigidos ao esporte.

O que Major fez nos esportes foi o equivalente à política de “escolher campeões nacionais” – nesse ponto, desviou-se radicalmente de Thatcher. Com a loteria, a verba britânica para esportes saltou mais do que Thiago Braz, o campeão do salto com vara: foi de 5 milhões de libras anuais para 274 milhões (mais 73 milhões para o esporte paraolímpico). Mas só ganham dinheiro os esportes que dão medalha.

Como diz Martin Kettle, colunista do jornal The Guardian, e como infelizmente bem sabemos no Brasil, “a estratégia de escolher campeões em política industrial pode ser prima-irmã de apoiar perdedores”. No esporte britânico, deu certo. Pelo menos no que se refere a ganhar medalhas. Se você é um levantador de peso ou um jogador de tênis de mesa no país, pode se sentir relegado a segundo plano.

No Brasil, o bolão da Mega-Sena, maior loteria do país, destina 2% do dinheiro das apostas para o esporte: 1,7% para o COI, 0,3% para o Comitê Paraolímpico Brasileiro. Gasta-se mais com presidiários (3,14% do prêmio), com crédito para estudantes (7,76%) e, claro, com despesas de custeio (20%), taxa de administração (10%) e impostos (13,8%).

Nessas Olimpíadas, no entanto, o país arrumou uma verba para apoiar atletas, do borderô das Forças Armadas. Em 2016, foram 43 milhões de reais. Mais do que a verba, o programa disponibilizou instalações em boas condições de treinamento para esportistas de ponta em algumas modalidades.

Cerca de um quarto dos atletas brasileiros relacionados para as Olimpíadas não tinha esse problema porque treina fora do país, segundo estimativa do jornal O Estado de S. Paulo. Não é um número tão alto, num mundo globalizado.

Atletas de ponta têm de ir aonde haja as melhores condições, os melhores técnicos, os mercados que mais valor dão a eles. O problema é que para chegar ao nível de poder escolher onde treinar é preciso treinar muito, evoluir muito. É aí que entra o programa das Forças Armadas, com uma bolsa para atletas da elite brasileira.

O animador não é o plano estratégico, ainda incipiente (falta especialmente o investimento nas bases). É o fato de ações tão pequenas terem surtido efeito. Dá a impressão de que o país só precisa adotar as políticas certas para deslanchar. Mais uma semelhança com a economia.

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