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O ataque dos governadores

Estados menos beneficiados pela renegociação das dívida tentam pressionar governo para conseguir recursos

HENRIQUE MEIRELLES: “tenho dito aos Estados que não devemos piorar o problema, na tentativa de mitigá-lo” / Paulo Whitaker / Reuters (Paulo Whitaker/Reuters)
GK

Gian Kojikovski

Publicado em 21 de setembro de 2016 às 12h24.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h37.

Uma mãe com muitos filhos sabe que não pode dar presentes para apenas alguns deles, sob o risco de causar descontentamento em todos os outros. O destino fez com que, com a renegociação da dívida dos estados brasileiros devido à crise, a União beneficiasse mais aqueles que estavam em pior situação fiscal – justamente os filhos que não fizeram seu dever de casa. Como consequência, todas a outras unidades da federação se sentiram prejudicadas e, em tempos de dificuldades, querem sua parte no bolo que, sob esse ponto de vista, está mal dividido.

Esses estados agora ameaçam decretar situação de calamidade para pressionar o governo pela liberação de sete bilhões de reais imediatos e mais sete em possibilidade de financiamento. Governadores de vários estados interessados, principalmente do Norte e Nordeste, se reuniram na tarde desta terça-feira em Brasília. Uma carta de compromisso foi assinada por 20 estados com pedidos ao governo federal. Os governadores dizem que, em reuniões sucessivas com Meirelles e Temer, foram apresentados estudos que mostram que a queda no repasse do Fundo de Participação dos Estados e da Lei Kandir soma 14 bilhões. Esse era o pedido dos estados, que agora aceitaram diminuir o montante pela metade.

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A tática já foi usada uma vez, pelo Rio de Janeiro, que, devendo salários e há menos de um mês do início dos Jogos Olímpicos, conseguiu do governo federal a liberação de quase três bilhões de reais. Na época, outros estados estavam com o decreto pronto, mas “sabendo da gravidade para o país, apostamos na sensibilidade do Presidente”, segundo a carta aberta assinada pelos governadores. A diferença é que, desta vez, o governo não parece disposto a negociar. “Para a União, a calamidade não cria obrigações, mas não é algo positivo para a economia nem para a imagem do País”, disse o ministro da Fazenda Henrique Meirelles durante um evento na capital paulista no início da semana.

Os governadores não parecem muito preocupados. “Com tantos estados declarando calamidade, o ambiente econômico do país vai piorar e isso vai trazer insegurança e prejudicar a vinda de investidores”, diz Wellington Dias (PT), governador do Piauí e um dos mais interessados. Estados como o Piauí, que têm sua dívida controlada e se encaixam na Lei de Responsabilidade Fiscal, se sentem prejudicados com o apoio a estados como São Paulo, que sozinho deve mais de 230 bilhões de reais para o Tesouro, mais cerca de 15 bilhões para bancos públicos – o Piauí deve 120 milhões para a União e 1,7 bilhão para bancos. “Nosso estado está entre os com melhor situação em relação à dívida, mas a crise faz com que falte dinheiro para investir nas regiões onde há seca – uma das piores da história –, na saúde e em obras, que estão parando”, diz Dias.

Dos 55 bilhões de “relaxamento de dívida” concedidos pelo governo federal, mas de 50 bi foram destinados a estados e do Sul e Sudeste, que tem maiores débitos. São Paulo, que sozinho é dono de mais da metade do débito de todos os estados somados, está deixando de pagar 500 milhões por mês por causa do período de carência, que vai até dezembro – estaria pagando 1,2 bilhão por mês. A Bahia, por outro lado, tem uma dívida de pouco menos de cinco bilhões e deixa de pagar 40 milhões mensais. “É irreal porque os estados mais enrolados ganharam fôlego no período de crise, já que pagavam um valor maior nas parcelas”, diz um assessor da secretaria de Fazenda de um estado interessado. “Nós perdemos arrecadação da mesma forma proporcionalmente e a renegociação não mudou nossa situação em nada”.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse na segunda-feira que a situação dos estados é muito pior do que a do governo federal. Na condição de presidente, já que Michel Temer está na Cúpula da ONU, Maia admitiu que alguns estados podem decretar calamidade. A falta de vontade em negociar – Temer sequer recebeu os governadores na última semana – não quer dizer que não exista espaço para auxiliar os estados. Sem prejudicar a meta já anunciada de déficit fiscal de 170,5 bilhões para 2016, haveria cerca de 8,5 bilhões de reais que poderiam ser disponibilizados sem ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Meirelles pensa que conceder esse alívio pode prejudicar a retomada da economia.

“Tenho dito aos Estados que não devemos piorar o problema, na tentativa de mitigá-lo. No momento em que a União assume mais despesas, vai trazer mais problemas para a economia”, disse Meirelles na terça-feira. Os governadores têm como carta na manga a pressão sobre os parlamentares para não aprovar a lei que limita o teto de gastos ao valor da inflação ainda neste ano. O projeto é tido pelo governo como fundamental para o ajuste fiscal e para que o país retome o crescimento. Pelo menos sessenta senadores, além da metade dos deputados, vêm de estados que assinaram a carta nesta terça. De algum dos senadores deve vir a proposta de emenda na PEC que renegociou as dívidas com a União, que ainda não foi aprovada no Senado. Os estados estão tentando uma nova reunião com Michel Temer, quando ele voltar de Nova York, na quinta-feira. A chegada vai ser quente.

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