Lamachia, da OAB: a Lava-Jato precisa ser ágil
No dia 31 de janeiro, o advogado gaúcho Cláudio Lamachia foi eleito presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Desde então, a Ordem, já se posicionou a favor do impeachment e pediu o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Com Lamachia, a OAB ainda tem buscado outros pleitos: pediu ao Conselho […]
Da Redação
Publicado em 21 de junho de 2016 às 19h42.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.
No dia 31 de janeiro, o advogado gaúcho Cláudio Lamachia foi eleito presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Desde então, a Ordem, já se posicionou a favor do impeachment e pediu o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Com Lamachia, a OAB ainda tem buscado outros pleitos: pediu ao Conselho Nacional de Justiça o fim dos processos ocultos em tribunais de todo o país e o levantamento do sigilo da delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Agora, uma das propostas na manga é a criação de uma jurisdição no Supremo que permita que os processos da Lava-Jato sejam julgados de forma mais rápida. Na sede da OAB em Brasília, Lamachia conversou com EXAME Hoje:
Em novembro, a OAB havia decidido que não havia motivos para o impeachment. O senhor assumiu em fevereiro e, em março, a OAB apresentou um pedido a favor do impedimento. O que mudou?
Em novembro, tínhamos uma comissão constituída com cinco pessoas que estava examinando a questão do impeachment sob um aspecto, das pedaladas. Três se manifestaram contra e duas a favor. Quando assumi, afirmei que apreciaria tudo. Logo em seguida tivemos a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral. A advocacia e a sociedade me cobraram. Para fazer isso, fui ao Supremo e requeri ao ministro Teori Zavascki o levantamento do sigilo da delação para que tivéssemos um elemento técnico e oficial para apreciar. Tivemos um processo democrático, que envolveu mais de 10.000 dirigentes da Ordem e, partir disso, tivemos uma decisão do Conselho Federal, que levou em consideração a decisão dos estados. O resultado foi de 26 estados contra 1. Uma decisão quase unânime e, portanto, absolutamente representativa dentro da advocacia.
Qual o papel da OAB nesse momento de transição política?
O papel da Ordem é de assumir uma postura proativa de cobrar boas práticas, notadamente na política. Mas a OAB não é nem governo nem oposição. A ideologia é a Constituição Federal e nosso partido, o próprio Brasil. A Ordem não se envolve com questão ideológica nem partidária. Não importa quem é o governo, o que importa é que os princípios constitucionais sejam observados por quem está no poder. Qual é a minha preocupação maior nesse processo? Queremos que o Brasil volte a crescer. Mas o país está literalmente derretendo. A economia está derretendo, a política não consegue mais encontrar um diálogo propositivo para o crescimento. Todo dia temos um novo escândalo. Precisamos vencer isso rapidamente. Para que isso aconteça, precisamos do Judiciário. Estou estudando fazer uma proposta de jurisdição prioritária para os processos que envolvam Lava-Jato e outras operações que afetam a própria continuidade do Brasil. Nossa ideia é ter prioridade total no julgamento desses processos. Se trabalharmos com a ideia da redução do foro privilegiado, isso vai demorar muito. Precisamos ter agilidade no julgamento desses processos.
Os senhores já se posicionaram veementemente contra a nomeação de ministros investigados no governo de Michel Temer. Por quê?
O Brasil espera um novo padrão ético na política e no governo. O país quer ver novas pessoas e novas propostas. Se a cada semana ou a cada mês um novo ministro for denunciado e se envolver num escândalo, é ruim para a economia, para a política e para a sociedade. Essas pessoas que estão sendo investigadas têm seu direito ao devido processo legal, da ampla defesa e, acima de tudo, têm direito à presunção de inocência a favor deles. Mas são coisas diferentes. Esperamos um governo que seja modelo de ética, porque esse seria o grande remédio para superar a crise.
A Lava-Jato tem utilizado instrumentos jurídicos considerados avanços das leis anticorrupção e do crime organizado, como a delação premiada. O senhor também considera como avanço?
A delação premiada tem sido muito contestada. Acho que ela deve ser utilizada de forma coerente e sem que haja abuso. Particularmente, tenho acompanhado a distância, mas acho que a legislação avançou bastante. Mas não podemos aceitar que em nome do combate à ilegalidade tenhamos procedimentos que desrespeitem a Constituição. Esse é o ponto principal. Todas as pessoas envolvidas na investigação têm que ter essa visão. Temos que encontrar um mecanismo real. A delação é uma lei. Se está errado o princípio, temos que trabalhar para alterar a lei.
O Conselho de Ética votou a favor do relatório que pede a cassação do deputado Eduardo Cunha. Em fevereiro, a OAB pediu o afastamento dele da presidência da Câmara. Por quê?
Esse foi meu primeiro ato na Ordem. Fizemos isso porque ele estava ferindo o devido processo legal. Interferia no processo que corria contra ele. Aliás, algo que, por tudo que tem nos chegado, ele continua fazendo mesmo que afastado. É um escárnio. É uma demonstração à sociedade muito ruim de que uma pessoa acusada de tantos crimes não tem sequer um julgamento rápido e célere.
Os áudios do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, também mostram uma tentativa do presidente do Senado, Renan Calheiros, em interferir na Lava-Jato. A OAB vai se posicionar sobre seu afastamento?
A diferença entre Renan Calheiros e Eduardo Cunha é que o Cunha hoje é réu em uma ação penal no Supremo e tem fatos que correm contra ele que são irrefutáveis. O senador Renan Calheiros ainda não é réu em nenhum desses processos. A Ordem não se furtará de avaliar a questão do presidente Renan Calheiros caso venha a se tornar réu nos processos contra ele no Supremo. Vamos examinar isso, sem dúvida.
A OAB vai se posicionar sobre o fim do foro privilegiado?
Vou estabelecer um debate amplo aqui para a Ordem ter uma posição clara sobre o tema. Acho, e isso é uma opinião pessoal, que o foro privilegiado precisa ser rediscutido, merece um novo regramento, um refinamento. Da forma que está, acaba emperrando o julgamento. Não defendo o fim absoluto do foro, mas uma ampla redução. Hoje, trava processos no Supremo, contribui com a morosidade e impunidade. É um debate que o Brasil tem que travar.
A OAB é contrária à decisão do STF de que os condenados em segunda instância já podem cumprir pena direto. Isso não pode passar um recado de que a Ordem não está em sintonia com a sociedade na demanda de se punir crimes de colarinho branco?
Não vejo assim. Entendemos que há nessa decisão ferimento ao preceito constitucional do princípio da presunção de inocência. A OAB é uma instituição que se guia pela Constituição Federal. E ela diz que alguém só pode ser considerado culpado após o trânsito em julgado. A Ordem está defendendo a manutenção da lei. Combatemos a impunidade, a corrupção, apoiamos leis anticorrupção, trabalhamos fortemente na lei, queremos celeridade na apuração desses fatos, queremos ver as pessoas efetivamente culpadas condenadas, mas sempre de acordo com o devido processo legal. A ideia de colocarmos alguém na prisão sem que essa pessoa tenha esgotado seus recursos tem no seu bojo uma perspectiva de podermos colocar um inocente na cadeia. O inocente pode ser eu, você, qualquer um de nós.
(Luciano Pádua)
No dia 31 de janeiro, o advogado gaúcho Cláudio Lamachia foi eleito presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Desde então, a Ordem, já se posicionou a favor do impeachment e pediu o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Com Lamachia, a OAB ainda tem buscado outros pleitos: pediu ao Conselho Nacional de Justiça o fim dos processos ocultos em tribunais de todo o país e o levantamento do sigilo da delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Agora, uma das propostas na manga é a criação de uma jurisdição no Supremo que permita que os processos da Lava-Jato sejam julgados de forma mais rápida. Na sede da OAB em Brasília, Lamachia conversou com EXAME Hoje:
Em novembro, a OAB havia decidido que não havia motivos para o impeachment. O senhor assumiu em fevereiro e, em março, a OAB apresentou um pedido a favor do impedimento. O que mudou?
Em novembro, tínhamos uma comissão constituída com cinco pessoas que estava examinando a questão do impeachment sob um aspecto, das pedaladas. Três se manifestaram contra e duas a favor. Quando assumi, afirmei que apreciaria tudo. Logo em seguida tivemos a delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral. A advocacia e a sociedade me cobraram. Para fazer isso, fui ao Supremo e requeri ao ministro Teori Zavascki o levantamento do sigilo da delação para que tivéssemos um elemento técnico e oficial para apreciar. Tivemos um processo democrático, que envolveu mais de 10.000 dirigentes da Ordem e, partir disso, tivemos uma decisão do Conselho Federal, que levou em consideração a decisão dos estados. O resultado foi de 26 estados contra 1. Uma decisão quase unânime e, portanto, absolutamente representativa dentro da advocacia.
Qual o papel da OAB nesse momento de transição política?
O papel da Ordem é de assumir uma postura proativa de cobrar boas práticas, notadamente na política. Mas a OAB não é nem governo nem oposição. A ideologia é a Constituição Federal e nosso partido, o próprio Brasil. A Ordem não se envolve com questão ideológica nem partidária. Não importa quem é o governo, o que importa é que os princípios constitucionais sejam observados por quem está no poder. Qual é a minha preocupação maior nesse processo? Queremos que o Brasil volte a crescer. Mas o país está literalmente derretendo. A economia está derretendo, a política não consegue mais encontrar um diálogo propositivo para o crescimento. Todo dia temos um novo escândalo. Precisamos vencer isso rapidamente. Para que isso aconteça, precisamos do Judiciário. Estou estudando fazer uma proposta de jurisdição prioritária para os processos que envolvam Lava-Jato e outras operações que afetam a própria continuidade do Brasil. Nossa ideia é ter prioridade total no julgamento desses processos. Se trabalharmos com a ideia da redução do foro privilegiado, isso vai demorar muito. Precisamos ter agilidade no julgamento desses processos.
Os senhores já se posicionaram veementemente contra a nomeação de ministros investigados no governo de Michel Temer. Por quê?
O Brasil espera um novo padrão ético na política e no governo. O país quer ver novas pessoas e novas propostas. Se a cada semana ou a cada mês um novo ministro for denunciado e se envolver num escândalo, é ruim para a economia, para a política e para a sociedade. Essas pessoas que estão sendo investigadas têm seu direito ao devido processo legal, da ampla defesa e, acima de tudo, têm direito à presunção de inocência a favor deles. Mas são coisas diferentes. Esperamos um governo que seja modelo de ética, porque esse seria o grande remédio para superar a crise.
A Lava-Jato tem utilizado instrumentos jurídicos considerados avanços das leis anticorrupção e do crime organizado, como a delação premiada. O senhor também considera como avanço?
A delação premiada tem sido muito contestada. Acho que ela deve ser utilizada de forma coerente e sem que haja abuso. Particularmente, tenho acompanhado a distância, mas acho que a legislação avançou bastante. Mas não podemos aceitar que em nome do combate à ilegalidade tenhamos procedimentos que desrespeitem a Constituição. Esse é o ponto principal. Todas as pessoas envolvidas na investigação têm que ter essa visão. Temos que encontrar um mecanismo real. A delação é uma lei. Se está errado o princípio, temos que trabalhar para alterar a lei.
O Conselho de Ética votou a favor do relatório que pede a cassação do deputado Eduardo Cunha. Em fevereiro, a OAB pediu o afastamento dele da presidência da Câmara. Por quê?
Esse foi meu primeiro ato na Ordem. Fizemos isso porque ele estava ferindo o devido processo legal. Interferia no processo que corria contra ele. Aliás, algo que, por tudo que tem nos chegado, ele continua fazendo mesmo que afastado. É um escárnio. É uma demonstração à sociedade muito ruim de que uma pessoa acusada de tantos crimes não tem sequer um julgamento rápido e célere.
Os áudios do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, também mostram uma tentativa do presidente do Senado, Renan Calheiros, em interferir na Lava-Jato. A OAB vai se posicionar sobre seu afastamento?
A diferença entre Renan Calheiros e Eduardo Cunha é que o Cunha hoje é réu em uma ação penal no Supremo e tem fatos que correm contra ele que são irrefutáveis. O senador Renan Calheiros ainda não é réu em nenhum desses processos. A Ordem não se furtará de avaliar a questão do presidente Renan Calheiros caso venha a se tornar réu nos processos contra ele no Supremo. Vamos examinar isso, sem dúvida.
A OAB vai se posicionar sobre o fim do foro privilegiado?
Vou estabelecer um debate amplo aqui para a Ordem ter uma posição clara sobre o tema. Acho, e isso é uma opinião pessoal, que o foro privilegiado precisa ser rediscutido, merece um novo regramento, um refinamento. Da forma que está, acaba emperrando o julgamento. Não defendo o fim absoluto do foro, mas uma ampla redução. Hoje, trava processos no Supremo, contribui com a morosidade e impunidade. É um debate que o Brasil tem que travar.
A OAB é contrária à decisão do STF de que os condenados em segunda instância já podem cumprir pena direto. Isso não pode passar um recado de que a Ordem não está em sintonia com a sociedade na demanda de se punir crimes de colarinho branco?
Não vejo assim. Entendemos que há nessa decisão ferimento ao preceito constitucional do princípio da presunção de inocência. A OAB é uma instituição que se guia pela Constituição Federal. E ela diz que alguém só pode ser considerado culpado após o trânsito em julgado. A Ordem está defendendo a manutenção da lei. Combatemos a impunidade, a corrupção, apoiamos leis anticorrupção, trabalhamos fortemente na lei, queremos celeridade na apuração desses fatos, queremos ver as pessoas efetivamente culpadas condenadas, mas sempre de acordo com o devido processo legal. A ideia de colocarmos alguém na prisão sem que essa pessoa tenha esgotado seus recursos tem no seu bojo uma perspectiva de podermos colocar um inocente na cadeia. O inocente pode ser eu, você, qualquer um de nós.
(Luciano Pádua)