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Investimento social é saída para evitar crimes, diz analista

Os adolescentes que se envolvem com atos ilícitos, na maioria das vezes, refletem uma realidade de exclusão, acreditam especialistas

Prisão: para especialista contrário à redução da maioridade penal, a aplicação de medidas socieducativas já previstas na legislação é suficiente para punir menores infratores (Giuseppe Cacace/AFP)
DR

Da Redação

Publicado em 22 de abril de 2013 às 12h11.

Brasília – O trabalho prático, no dia a dia, voltado à recuperação e ressocialização de adolescentes infratores demonstra que vale a pena fazer o investimento social. Essa é a opinião de Thereza Portes, coordenadora do Instituto Undió Arte e Educação, que há 30 anos desenvolve ações ligadas às artes com jovens de bairros carentes de Belo Horizonte, inclusive alguns que cumprem medida socioeducativa.

Para ela, os adolescentes que se envolvem com atos ilícitos, na maioria das vezes, refletem uma realidade de exclusão, desigualdade e omissão do Estado e da família.

“A gente se solidariza com famílias que perdem entes queridos, sabemos que, no lugar delas, talvez também tivéssemos a urgência de fazer algo para punir, com o maior vigor possível, quem nos causou tanta dor, mas o que temos visto no dia a dia, conhecendo alguns jovens nessa situação, é a enorme vulnerabilidade a que estão submetidos”, disse.

Thereza Portes defende que, se as lacunas na garantia de direito não fossem tão grandes, muitos casos de violência praticados por essa parcela da população seriam evitados.

“A gente percebe que quando eles têm uma oportunidade real, com possibilidade de ressignificar sua vida, agarram-se a ela. Não apenas os adolescentes infratores, mas também aqueles que, mesmo não estando em conflito com a lei, não têm sonhos, perspectivas de ir além”, ressaltou.

Posição semelhante defende Joci Aguiar, coordenadora-geral da Rede Acreana de Homens e Mulheres, que desenvolve ações de promoção de trabalho, renda e direitos com foco também em adolescentes.

Ela admite que a proteção garantida pela legislação a menores de 18 anos, que têm sistema de punição diferenciado do voltado a adultos, acaba sendo utilizada por facções criminosas que “contratam” esses jovens para praticarem os delitos.


Para ela, no entanto, com a redução da maioridade penal há o risco de se diminuir, na mesma medida, a idade em que ocorre esse recrutamento.

“Foi mesmo uma barbaridade a morte daquele jovem recentemente em São Paulo [Victor Hugo Deppman, 19 anos] por um adolescente que certamente estava se valendo do fato de estar protegido pela lei. Reduzir a maioridade penal, no entanto, não resolve o problema da violência associada aos menores de 18 anos, pelo contrário, pode até aumentar porque as facções vão utilizar cada vez mais crianças de menos idade e contratar meninos de 11, 10, 9 anos”, alertou.

Ela acredita que resgatar a cidadania de adolescentes, principalmente dos que vivem em comunidades de baixa renda com presença mais forte da criminalidade, é o caminho para resultados mais efetivos.

“Muitos desses jovens entram para o crime motivados pela emoção, atraídos pela renda, já que são pagos para isso, ou então porque já são usuários [de drogas], dependentes químicos. Por isso, é preciso haver um investimento forte em ações anteriores a esse processo, que lhes permita visualizar um futuro diferente, com capacitação, geração de renda e oportunidades reais de inserção no mercado de trabalho”, defendeu.

“Essa, na minha opinião, é a melhor forma de conseguirmos resultados concretos, fazendo com que eles se percebam cidadãos de fato e contribuindo para que exerçam seu direito corretamente”, acrescentou.

Lucinha Machado, coordenadora do projeto Cultivação, que inclui ações de capacitação básica e profissionalizante voltadas para crianças e jovens em situação de desvantagem educacional e social em Mato Grosso, acredita na promoção de direitos como forma de evitar a entrada no crime. Ela não descarta, entretanto, que a redução da maioridade penal também pode contribuir para esse processo.


“Acredito que é preciso haver estímulo à qualificação para ajudá-lo a não ficar na ociosidade, mas também defendo a redução da idade mínima para que sejam penalizados, afinal, hoje em dia, as pessoas têm cada vez mais entendimento com menor idade. Um adolescente de 14 anos, por exemplo, tem muito mais acesso às informações sobre as relações, a violência e as drogas do que há dez anos”, disse.

Contrário à medida, o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Roberto da Silva teme que a redução da maioridade penal agrave a superlotação de unidades prisionais “já saturadas” e não tenha impacto positivo na diminuição dos índices de violência.

Para ele, que é representante da USP no Conselho Estadual de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, a aplicação efetiva de medidas socieducativas já previstas na legislação brasileira é suficiente para punir menores infratores.

“Os dados de São Paulo, considerado referência no assunto por concentrar 40% das pessoas privadas de liberdade no país, comprovam isso. Entre 2006 e 2013, por exemplo, o índice de reincidência no sistema de adolescentes baixou de 50% para 14%, com o fortalecimento da aplicação das medidas socieducativas”, disse.

“Além disso, temos que ressaltar que a delinquência juvenil em São Paulo, quando comparada à de adultos, nunca passou de 13% do total que chega ao conhecimento da polícia. Diante disso, acredito que colocar um adolescente precocemente na prisão ou prolongar o tempo de permanência em uma instituição não vai resolver absolutamente nada e ainda pode agravar a situação”, defendeu, ressaltando que sua opinião é baseada na experiência de vida e nos diversos estudos que fez sobre o assunto.

Silva é doutor em educação pela USP, após defender, em 2001, a tese A Eficácia Sociopedagógica da Pena de Privação da Liberdade. Por determinação do Juizado de Menores, ele passou pela Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem), depois de ter chegado a São Paulo ainda adolescente, juntamente com a mãe, recém-separada, e três irmãos.

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Brasília – O trabalho prático, no dia a dia, voltado à recuperação e ressocialização de adolescentes infratores demonstra que vale a pena fazer o investimento social. Essa é a opinião de Thereza Portes, coordenadora do Instituto Undió Arte e Educação, que há 30 anos desenvolve ações ligadas às artes com jovens de bairros carentes de Belo Horizonte, inclusive alguns que cumprem medida socioeducativa.

Para ela, os adolescentes que se envolvem com atos ilícitos, na maioria das vezes, refletem uma realidade de exclusão, desigualdade e omissão do Estado e da família.

“A gente se solidariza com famílias que perdem entes queridos, sabemos que, no lugar delas, talvez também tivéssemos a urgência de fazer algo para punir, com o maior vigor possível, quem nos causou tanta dor, mas o que temos visto no dia a dia, conhecendo alguns jovens nessa situação, é a enorme vulnerabilidade a que estão submetidos”, disse.

Thereza Portes defende que, se as lacunas na garantia de direito não fossem tão grandes, muitos casos de violência praticados por essa parcela da população seriam evitados.

“A gente percebe que quando eles têm uma oportunidade real, com possibilidade de ressignificar sua vida, agarram-se a ela. Não apenas os adolescentes infratores, mas também aqueles que, mesmo não estando em conflito com a lei, não têm sonhos, perspectivas de ir além”, ressaltou.

Posição semelhante defende Joci Aguiar, coordenadora-geral da Rede Acreana de Homens e Mulheres, que desenvolve ações de promoção de trabalho, renda e direitos com foco também em adolescentes.

Ela admite que a proteção garantida pela legislação a menores de 18 anos, que têm sistema de punição diferenciado do voltado a adultos, acaba sendo utilizada por facções criminosas que “contratam” esses jovens para praticarem os delitos.


Para ela, no entanto, com a redução da maioridade penal há o risco de se diminuir, na mesma medida, a idade em que ocorre esse recrutamento.

“Foi mesmo uma barbaridade a morte daquele jovem recentemente em São Paulo [Victor Hugo Deppman, 19 anos] por um adolescente que certamente estava se valendo do fato de estar protegido pela lei. Reduzir a maioridade penal, no entanto, não resolve o problema da violência associada aos menores de 18 anos, pelo contrário, pode até aumentar porque as facções vão utilizar cada vez mais crianças de menos idade e contratar meninos de 11, 10, 9 anos”, alertou.

Ela acredita que resgatar a cidadania de adolescentes, principalmente dos que vivem em comunidades de baixa renda com presença mais forte da criminalidade, é o caminho para resultados mais efetivos.

“Muitos desses jovens entram para o crime motivados pela emoção, atraídos pela renda, já que são pagos para isso, ou então porque já são usuários [de drogas], dependentes químicos. Por isso, é preciso haver um investimento forte em ações anteriores a esse processo, que lhes permita visualizar um futuro diferente, com capacitação, geração de renda e oportunidades reais de inserção no mercado de trabalho”, defendeu.

“Essa, na minha opinião, é a melhor forma de conseguirmos resultados concretos, fazendo com que eles se percebam cidadãos de fato e contribuindo para que exerçam seu direito corretamente”, acrescentou.

Lucinha Machado, coordenadora do projeto Cultivação, que inclui ações de capacitação básica e profissionalizante voltadas para crianças e jovens em situação de desvantagem educacional e social em Mato Grosso, acredita na promoção de direitos como forma de evitar a entrada no crime. Ela não descarta, entretanto, que a redução da maioridade penal também pode contribuir para esse processo.


“Acredito que é preciso haver estímulo à qualificação para ajudá-lo a não ficar na ociosidade, mas também defendo a redução da idade mínima para que sejam penalizados, afinal, hoje em dia, as pessoas têm cada vez mais entendimento com menor idade. Um adolescente de 14 anos, por exemplo, tem muito mais acesso às informações sobre as relações, a violência e as drogas do que há dez anos”, disse.

Contrário à medida, o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Roberto da Silva teme que a redução da maioridade penal agrave a superlotação de unidades prisionais “já saturadas” e não tenha impacto positivo na diminuição dos índices de violência.

Para ele, que é representante da USP no Conselho Estadual de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, a aplicação efetiva de medidas socieducativas já previstas na legislação brasileira é suficiente para punir menores infratores.

“Os dados de São Paulo, considerado referência no assunto por concentrar 40% das pessoas privadas de liberdade no país, comprovam isso. Entre 2006 e 2013, por exemplo, o índice de reincidência no sistema de adolescentes baixou de 50% para 14%, com o fortalecimento da aplicação das medidas socieducativas”, disse.

“Além disso, temos que ressaltar que a delinquência juvenil em São Paulo, quando comparada à de adultos, nunca passou de 13% do total que chega ao conhecimento da polícia. Diante disso, acredito que colocar um adolescente precocemente na prisão ou prolongar o tempo de permanência em uma instituição não vai resolver absolutamente nada e ainda pode agravar a situação”, defendeu, ressaltando que sua opinião é baseada na experiência de vida e nos diversos estudos que fez sobre o assunto.

Silva é doutor em educação pela USP, após defender, em 2001, a tese A Eficácia Sociopedagógica da Pena de Privação da Liberdade. Por determinação do Juizado de Menores, ele passou pela Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem), depois de ter chegado a São Paulo ainda adolescente, juntamente com a mãe, recém-separada, e três irmãos.

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