Hospitais de SP têm alta de crianças internadas por doenças respiratórias
A alta tem relação direta com a maior incidência do vírus sincicial respiratório (VSR), que não tem vacina
Estadão Conteúdo
Publicado em 26 de abril de 2022 às 16h50.
Última atualização em 26 de abril de 2022 às 17h24.
O número de crianças internadas com síndrome respiratória aguda grave não causada pela covid-19 tem aumentado em hospitais públicos e particulares do estado de São Paulo nas últimas semanas. A alta tem relação direta com a maior incidência do vírus sincicial respiratório (VSR), que não tem vacina. Segundo médicos, o fato de as famílias terem ficado isoladas nas suas casas em 2020 e 2021 reduziu a quantidade das crianças que tiveram contato com o VSR, o que faz com que os casos se acumulem agora. Esse aumento de doentes sempre ocorre com a proximidade do inverno, dizem os especialistas, mas a tendência ganhou força mais cedo neste ano.
O número de pacientes com o vírus sincicial respiratório aumentou no Sabará Hospital Infantil, unidade de referência na capital. Até 16 de abril, foram 94 casos positivos para o VSR entre crianças que chegaram ao pronto-socorro — nas últimas quatro semanas, a positividade média foi de 25% das amostras analisadas.
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Felipe Lora, diretor técnico do Sabará, ressalta que o outono traz o crescimento das doenças respiratórias. "Em 2020 e 2021, atipicamente, isso não aconteceu porque, devido à pandemia, houve restrição de circulação, o que fez muitos não se contaminarem. Este ano, estamos voltando para o padrão sazonal", explica.
Conforme o pediatra, neste início de ano há circulação maior de vários tipos de vírus. "Na semana de 10 a 16 de abril foram identificados 18 vírus respiratórios em pacientes atendidos no pronto-socorro, sendo que o sincicial respiratório e o rhinovírus prevalecem desde o início de fevereiro", continua Lora.
O VSR causa grande parte das síndromes respiratórias graves. Ele é um dos principais agentes de infecção aguda nas vias respiratórias, o que leva a pessoa infectada a buscar o serviço de saúde. O vírus atinge brônquios e pulmões, ocasionando doenças como bronquiolite e pneumonia. A SRAG pode ser causada também pelos vírus da covid-19 e da influenza (gripe comum), mas para estes, o sistema público de saúde tem vacinas. Para o sincicial, só bebês prematuros ou em risco têm acesso a um imunizante oferecido pelo Ministério da Saúde.
"Os bebês nascidos nesse período [ 2020 e 2021 ] terão contato com o sincicial pela primeira vez na vida já com mais de dois anos, o que não acontecia, pois eles se expunham ao vírus já nos primeiros meses. É um cenário novo e a gente procura estudar qual será o impacto disso", diz o infectologista Marco Aurélio Sáfadi, professor da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo e também ligado ao Sabará.
A Secretaria da Saúde paulistana diz que, devido à sazonalidade dessas doenças e às alterações nas condições climáticas, é comum aumentarem atendimentos e internações, sobretudo em março, abril e maio. Na quinta-feira, 21, a rede municipal tinha 85% de ocupação dos leitos de UTI pediátrica e 83% nos de enfermaria. Desde janeiro, foram registrados 13.726 casos de SRAG em crianças — 8.687 pela covid e 5.039 causados por outros vírus, entre eles o sincicial. O número de casos está em queda nas três últimas semanas.
Campinas amplia UTIs e reforça equipes médicas
Em Campinas, maior cidade do interior, a ocupação das UTIs pediátricas está próxima de 90% desde março por causa da bronquiolite causada pelo vírus sincicial. Conforme o último boletim, do dia 20, dos 104 leitos de UTI Infantil, 87 estavam ocupados (83,6%), sendo 57 por crianças com SRAG. No SUS municipal, 31 dos 34 leitos disponíveis estavam ocupados, taxa de 91,1%. Na rede estadual, 19 dos 20 leitos de UTI infantil estavam ocupados (95%). Para as enfermarias da rede municipal, 21 pacientes esperavam por vagas, sendo assistidas em pronto-socorros.
Nesta segunda-feira, 25, a prefeitura de Campinas antecipou a vacinação contra a gripe para crianças de 6 meses a 5 anos, gestantes e puérperas, na tentativa de reduzir internações pelo VSR. No calendário inicial, a vacinação só começaria em 2 de maio. Em janeiro, a prefeitura autorizou a contratação emergencial de 28 médicos e 108 técnicos de enfermagem, para lidar com a demanda de doenças respiratórias.
A prefeitura abriu cinco leitos na UTI pediátrica, ampliando para 34 o total na rede municipal. A gestão afirma ainda que pretende abrir mais vagas e destaca que a responsabilidade pelos leitos precisa ser compartilhada.
No Hospital da Unicamp, nesta segunda, os 20 leitos de UTI estavam ocupados, assim como os 36 de enfermaria e dez no pronto-socorro. "Há quatro anos o hospital dobrou o número de UTIs, mas com a lotação, estamos avisando os serviços de saúde para não enviar novos pacientes até que o fluxo melhore. Normalmente, um paciente de VSR fica de oito a dez dias, sendo que o quarto e o quinto dia são os piores", diz o centro médico ligado à universidade.
Em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, os 40 leitos de enfermaria e UTI pediátricas, além de cinco leitos emergenciais para crianças, estão com 90% de ocupação desde a semana passada. Conforme a pasta, 80% dos casos são de síndrome respiratória aguda grave e, principalmente, infecções pelo vírus sincicial. "É importante destacar que o cenário não se repete nos leitos adultos", diz. A campanha de vacinação contra influenza no público infantil, de 6 meses a menores de 5 anos, terá início na sexta-feira, 29.
"Estamos vendo necessidade grande de internações, o que causa preocupação. Este ano, o vírus antecipou a chegada, pois tivemos casos em janeiro, ainda no verão", diz a infectologista Raquel Stucchi, da Unicamp. Segundo ela, o vírus sincicial pode infectar tanto crianças como adultos e idosos, mas apresenta quadro leve para a maior parte da população. "Ela se torna mais perigosa para crianças até 4 anos e para idosos, que podem ter a complicação de uma pneumonia grave."
No caso das crianças prematuras ou com fator de risco, um programa do Ministério da Saúde disponibiliza o palivizumabe, anticorpo específico contra o vírus sincicial, aplicado uma vez por mês durante cinco meses, antes do período de maior circulação do vírus. E os médicos alertam para a necessidade de buscar a imunização contra as outras doenças. "O infectado com o vírus sincicial pode pegar covid ou influenza, se não estiver vacinada. As vacinas continuam sendo a melhor maneira de prevenir as doenças virais, que podem deixar sequelas e até causar mortes", afirma Guilherme Furtado, infectologista do HCor.
Procuradas, a Secretaria Estadual da Saúde e o ministério não responderam até a publicação da reportagem.
Oito estados apresentam tendência de alta, alerta Fiocruz
Boletim da Fiocruz, divulgado no dia 20, mostra que 41,5% dos casos de SRAG no país nas quatro semanas anteriores são de infecção pelo vírus sincicial, mesmo sendo uma doença observada só em crianças, o que torna esse índice muito expressivo. Conforme o pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe, o sistema de informações da Fiocruz, a incidência de SRAG em crianças manteve ascensão significativa em diversos estados desde fevereiro, puxadas pelo vírus sincicial.
Os estados que apresentam sinal de alta na tendência de longo prazo são: Acre, Amapá, Mato Grosso, Pará, Piauí, Paraná e Roraima. Alagoas e Paraíba têm indícios de crescimento apenas na tendência de curto prazo. "Em todas essas localidades, os dados por faixa etária sugerem tratar-se de cenário restrito à população infantil (grupo em que a incidência do VSR é maior)", explica Gomes.