Brasil

Estados com alunos mais pobres tiveram notas menores no Ideb

Fator socioeconômico ficou latente nos resultados da educação. Mas o Ideb divulgado nesta semana também trouxe boas notícias

Escola estadual em Pernambuco: o estado nordestino e Goiás foram os únicos que bateram a meta do ideb nas três etapas na rede pública (Alexandre Battibugli/Exame)

Escola estadual em Pernambuco: o estado nordestino e Goiás foram os únicos que bateram a meta do ideb nas três etapas na rede pública (Alexandre Battibugli/Exame)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 20 de setembro de 2020 às 13h39.

Última atualização em 20 de setembro de 2020 às 14h36.

Os estados com mais escolas de nível socioeconômico baixo tendem a ter também notas menores no Ideb, índice de desenvolvimento da educação básica. É o que mostra um levantamento da EXAME com base nos novos dados do Ideb de 2019, divulgados nesta semana.

O Ideb é um dos indicadores para medir se os alunos brasileiros estão aprendendo e, além disso, permanecendo na escola. O índice combina a aprovação média dos alunos e as notas no Saeb, prova de português e matemática aplicada ao final de cada etapa escolar. Cada escola, município e estado tem uma nota e uma meta específica no Ideb.

Dentre os estados em que 80% ou mais de escolas têm índice socioeconômico (Inse) baixo, há um grupo maior com notas baixas no Ideb na comparação com os locais em que um percentual maior de escolas atendem alunos mais favorecidos.

Escolas com média socioeconômica considerada baixa (de até 3 em um índice que vai de 1 a 6) atendem, no geral, alunos com renda familiar de até 1,5 salário mínimo e pais sem ensino médio completo.

O índice socioeconômico Inse divide os alunos em seis grupos com base na renda, escolaridade dos pais e insumos em casa, como carro, computador e internet. Os últimos dados são de 2015, medidos pelo Inep, autarquia do Ministério da Educação.

Em quase todos os estados das regiões Norte e Nordeste, mais de 80% das escolas (entre públicas e particulares) atende alunos majoritariamente com índice socioeconômico baixo. Na outra ponta, Santa Catarina tem só 15% das escolas nessa situação. A taxa de escolas cuja média dos alunos é muito pobre não passa de 30% nos outros estados do Sul e em São Paulo.

Nos anos finais do ensino fundamental, etapa que não bateu a meta do Ideb, das 27 unidades da federação, 21 têm nota igual ou inferior a 5, na média entre escolas públicas e particulares. E, dessas, todas têm mais de metade das escolas com nível socioeconômico baixo.

Do outro lado, das 6 unidades da federação com nota mais alta, superior a 5, o Ceará é um dos poucos que consegue ser um ponto fora da curva: tem Ideb de 5.4, mesmo com 96% das escolas do estado tendo nível socioeconômico baixo.

Um dos maiores desafios de políticas educacionais é fazer com que o nível socioeconômico dos alunos não interfira em sua educação. Mas as relações estão por todo lado: os 25% mais pobres no Brasil estudam em média por 9,8 anos, segundo dados do IBGE compilados pelo Inep, ante 13,5 anos dos 25% mais ricos.

Por essa média, um grupo maior da população mais pobre sequer se forma no ensino médio. Como o Ideb leva em conta tanto a reprovação quanto as notas, a menor quantidade de anos de estudo impacta diretamente no resultado do indicador nos estados mais pobres.

Os números mostram ainda o tamanho do desafio que o Brasil vem tendo na educação em meio à pandemia. Se, com as aulas acontecendo normalmente, o ambiente de casa -- renda, escolaridade dos pais e acesso a insumos -- já afetava nos resultados, o impacto dos fatores extraescolares tende a ficar ainda maior no próximo Ideb, que será medido em 2021.

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Os problemas ainda são muitos, mas esta edição do Ideb trouxe ainda algumas boas notícias. O Brasil teve avanço na nota do ensino médio, embora a etapa seja ainda a mais defasada da educação básica. Nos anos iniciais do ensino fundamental, por sua vez, todos os estados bateram a meta, e a etapa teve o maior avanço da última década.

Para discutir os resultados do Ideb, a EXAME ouviu Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e Mirela de Carvalho, gerente de gestão do conhecimento do Instituto Unibanco. Veja os principais trechos dos depoimentos de Pellanda e Carvalho no fim da reportagem e, abaixo, outros quatro destaques dos números do Ideb -- e as boas e más notícias para o Brasil.

1 - A melhora do ensino médio

Pela primeira vez, nenhum estado retrocedeu nesta etapa. Após ficar estagnado entre 3.4 e 3.5 na última década, o Ideb do ensino médio foi a 3.9 no ciclo encerrado em 2019. É um avanço sem precedentes desde que o índice começou a ser medido. "Neste ano, tanto as notas de língua portuguesa e matemática cresceram muito, como também melhorou o fluxo escolar. E esse aumento na aprendizagem com inclusão é para ser comemorado", diz Mirela de Carvalho, gerente de gestão do conhecimento do Instituto Unibanco.

Ainda assim, a etapa não cumpriu sua meta estabelecida para 2019. Só Goiás e Pernambuco atingiram a meta na rede pública.

Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que o ensino médio "segue sendo uma etapa negligenciada" em política educacionais, e que reformas focadas somente no currículo, como a reforma do ensino médio, podem não trazer resultados sem outras melhorias, como valorização dos professores e inclusão. "Ainda há muita exclusão escolar nessa etapa, que carece também de políticas intersetoriais mais robustas, com programas de aprendizagem, de proteção social, entre outros", diz.

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2 - Um alento nos primeiros anos 

Se há uma boa notícia a ser comemorada na educação brasileira na última década, é o avanço do ensino fundamental logo nos primeiros anos. É o que os especialistas chamam de anos iniciais. "No ensino fundamental, a gente vem melhorando cada vez mais nosso trabalho com a alfabetização na idade correta. A não alfabetização faz com que os alunos não estejam preparados para a aprendizagem escolar ao longo das séries", diz Carvalho.

Os anos iniciais do fundamental, grosso modo, abarcam alunos entre 6 e 10 anos (do 1º ao 5º ano). Os finais, entre 11 e 14 anos (do 6º ao 9º ano). Por fim, os três anos do ensino médio atendem alunos idealmente entre 15 e 17 anos.

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3 - A evolução nesta década

Ainda há muito o que melhorar na educação brasileira. Mas, tudo somado, o Brasil teve avanços na última década. Políticas que sobreviveram em meio às trocas de governo são vistas como pontos positivos -- como o Fundeb, de 2007, que além de redistribuir recursos para regiões mais pobres, incentiva financeiramente gestores a tentarem matricular mais crianças. O Fundeb acaba de ser ampliado após uma Proposta de Emenda à Constituição aprovada no Congresso.

"Vê-se uma progressão no Fundamental I contínua – não é de hoje. Isso com certeza é resultado de políticas redistributivas e de financiamento, como o Fundeb", diz Pellanda, da Campanha. "Mas não basta atingir meta do Ideb e não ter política adequada de formação, valorização e condições de trabalho dos profissionais da educação, não ter estrutura adequada para as escolas, e não conseguir responder adequadamente à crise da pandemia na educação."

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4 - Menor desigualdade entre públicas e privadas

A disparidade entre escolas públicas e privadas diminuiu no último ciclo do Ideb. A maior redução foi nas séries iniciais do ensino fundamental. Enquanto a diferença na nota do Ideb entre rede pública e privada nesta etapa era de 2 pontos em 2009, passou a ser de 1.4 em 2019.

O abismo diminuiu, mas ainda é um abismo. Novamente, o pior cenário é no ensino médio. Em muitos estados, a diferença na nota do Saeb entre escolas públicas e privadas no ensino médio é de mais de 30 pontos -- é como se os alunos da rede pública tivessem mais de dois anos a menos de aprendizado, dizem especialistas.

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O que dizem os especialistas

Andressa Pellanda, coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Vê-se uma progressão contínua no ensino fundamental I – não é de hoje. Isso com certeza é resultado de políticas redistributivas e de financiamento, como o Fundeb. Mas não basta atingir meta do Ideb e não ter política adequada de formação, valorização e condições de trabalho dos profissionais da educação, não ter estrutura adequada para as escolas, e não conseguir responder adequadamente à crise da pandemia na educação, excluindo milhões de estudantes e realizando políticas discriminatórias.

O Ideb não pode ser considerado parâmetro, sozinho, para avaliar avanço em política educacional. Então, ainda que haja melhoria nas notas, isso não significa que houve melhoria na qualidade da educação como um todo. Para isso, seria necessário avaliar uma série de outros parâmetros. Assim, os próprios parâmetros do CAQ [Custo Aluno-Qualidade, indicador com insumos que as escolas deveriam ter, como biblioteca, laboratório e professores remunerados dentro do piso] apontam para um desafio grande em termos de melhoria estrutural da qualidade na educação, que se reflete na maior necessidade de financiamento adequado para a área.

O Ideb não pode ser considerado parâmetro, sozinho, para avaliar avanço em política educacional.

Andressa Pellanda, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Com relação ao ensino médio, essa segue sendo uma etapa negligenciada em termos de foco das políticas educacionais. A reforma do Ensino Médio não veio para trazer melhorias -- e os resultados do Ideb mostram parcialmente essa questão. Ainda há muita exclusão escolar nessa etapa, que carece também de políticas intersetoriais mais robustas, com programas de aprendizagem, de proteção social, entre outros. Casos como do Ceará e de Pernambuco, ainda que não sejam redes que recebam mais recursos, são redes que tiveram intervenções não só estatais focalizadas como também de atores privados, na ânsia de torná-las "modelo". Ou seja, não se pode considerar que essas redes tiveram o mesmo "investimento" que se lê no orçamento anual.

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Mirela de Carvalho, gerente de gestão do conhecimento do Instituto Unibanco

O ensino médio saiu da estagnação na qual estava e isso é inédito. De uma maneira geral, as redes que progrediram muito e também as que estão nas primeiras colocações investiram em gestão educacional. Por um lado, a valorização de uma cultura que olha para resultados de aprendizagem, de inclusão e combate às desigualdades, que pactua metas com as escolas, monitora frequentemente resultados e ações são práticas comuns nesses casos de sucesso. Também é comum ver a reorganização curricular em curso. No ensino fundamental, a gente vem melhorando cada vez mais nosso trabalho com a alfabetização na idade correta. O currículo de ensino fundamental se organizou primeiro e, para a boa gestão, ter um currículo é imprescindível para articular planejamento do ensino, formação de professores, avaliações e apoios à aprendizagem.

Outro ponto importante foi o Fundeb, que distribui recursos entre os entes. Municípios que não teriam condições de financiar sua educação com recursos próprios passaram a contar com um per capita que viabiliza a organização do ensino. Haverá, por fim, desafios orçamentários da pandemia. Enquanto as redes devem perder arrecadação, têm gastado mais com esforços de ensino remoto e segurança alimentar. Os planos de retomada demandarão novo esforço orçamentário.

A situação fica ainda mais crítica para os estados por conta de outra consequência da crise econômica: é provável (e isso já está ocorrendo) que se presencie significativa migração das redes privadas e também municipais para as redes estaduais.

Mirela de Carvalho, gerente de gestão do conhecimento do Instituto Unibanco

Há um risco real de que as redes entrem em colapso. E o Censo Escolar não deverá capturar esses números em tempo hábil para que os estados recebam mais recursos. Há um risco real de que as redes entrem em colapso. No âmbito das secretarias de educação, é fundamental que haja esforços para racionalizar e otimizar os gastos. Também será importante aumentar a colaboração entre Governo Federal, estados e municípios.

*Os depoimentos foram editados para concisão.

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