Crescimento do crime organizado no Rio de Janeiro já dura 30 anos
Na última década, não houve um único ano em que o carioca não assistisse a queimas de carros e ônibus nas ruas e tiroteios em favelas
Da Redação
Publicado em 27 de novembro de 2010 às 08h21.
Cenas de blindados da Marinha subindo as vielas da Vila Cruzeiro, de bandidos fugindo apavorados pelo alto do morro, de paraquedistas disparando contra traficantes no Complexo do Alemão... Flagrantes que impressionam ao vivo nas redes de televisão, é verdade, mas ainda assim, são apenas novas cenas de uma velha guerra. O processo de crescimento do crime organizado no Rio dura já 30 anos. E na última década, não houve um único ano em que os cariocas não assistissem a tiroteios em favelas, queimas de ônibus e carros nas ruas e assassinatos de autoridades ligadas ao sistema penitenciário e à segurança.
O crime começa a se organizar no fim dos anos 1970, quando bandidos libertados da Ilha do Fundão se uniram para criar o Comando Vermelho, primeira facção de crime organizado a atuar na cidade. Após uma série de assaltos a bancos que serviram para capitalizar o grupo, os bandidos estabeleceram acordos com cartéis da Bolívia e da Colômbia para distribuir cocaína no país.
Iniciaram então uma tomada das tradicionais bocas de fumo que vendia maconha nas favelas e que eram gerenciadas como negócios alternativos dos barões do jogo do bicho. Foram ajudados, inderetamente, pela política de segurança pública do então governador Leonel Brizola, que proibiu a polícia de atuar nos morros. Em 1985, o CV já detinha mais de 70% dos pontos de venda de drogas.
Lucro e discórdia
A conquista das bocas colocou atraiu a ira de outros bandidos contra o CV. Em 1983, desafetos do comando, principalmente oriundos da Zona Oeste e que eram mantidos na terceira galeria do presídio da Ilha Grande deflagraram uma guerra sangrenta contra chefes do Comando Vermelho. Nasceu assim o Terceiro Comando.
Onze anos mais tarde, em 1994, Orlando Jogador, o líder do CV no Complexo do Alemão, foi assassinado pelo traficante Uê. Jurado de morte pelos demais integrantes do CV, Uê se refugiou no Morro do Adeus, onde criou uma nova facção, a Amigos dos Amigos, ADA. Uê acabaria morto em 2002, no presídio de Bangu 1, pelos rivais do CV comandados por Fernandinho Beira-Mar.
A guerra por território entre as três facções protagonizou inúmeros episódios de terror na cidade ao longo dos anos. Num dos episódios mais recentes, a ADA, comandada pelo traficante Nem, chefe da Rocinha, travou uma guerra de dois anos contra o Comando Vermelho pelo controle da favela vizinha no morro do Vidigal. Nem acabou vencendo a disputa.
A opção de Rio das Pedras
Desde 1979, vendo o avanço do tráfico sobre as favelas, comerciantes de Rio das Pedras, na zona oeste, começaram a pagar policiais por proteção contra os traficantes. Nasceu assim a primeira milícia, que começou a crescer no início dos anos 2000. Policiais – na ativa ou na reserva – formavam grupos paramilitares que, muitas vezes usando armamento da própria corporação, expulsavam os traficantes e ocupavam seu lugar nas favelas.
A forma de ação dos milicianos inclui a extorsão de moradores para que paguem por todos os serviços clandestinos que atuam na favela, do ponto de luz ao gato da TV a Cabo, além da segurança. Quem não aceita pagar é espancado, ameaçado e finalmente expulso de sua casa, com a família. Quem se recusa a sair, é assassinado.
Hoje, as milícias ocupam 96 favelas no Rio de Janeiro, e constituem um dos maiores problemas de segurança, quase tão grave quanto o do tráfico. Serão contra elas as batalhas que os brasileiros – e os cariocas em especial – assistirão pela TV nos próximos anos. Porque as força policiais podem até derrotar os traficantes na batalha de 2010. Mas ainda estará muito longe de vencer a guerra em definitivo.