Cobiça de governadores a Mandetta influenciou decisão de Bolsonaro
Avaliação da cúpula militar é que demissão do ministro nesse momento fortaleceria popularidade de governadores que já elogiaram postura de Mandetta
Clara Cerioni
Publicado em 7 de abril de 2020 às 10h30.
Sob "fritura" no governo federal, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta , anunciou na noite desta segunda-feira, 6, que permanece no cargo mas, sem citar diretamente o presidente Jair Bolsonaro, reclamou de críticas que, em sua visão, criam dificuldades para o seu trabalho à frente da pasta.
Com o desgaste, o passe do ministro passou a ser cobiçado pelos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), caso deixe o governo federal."Não posso aceitar que um médico da competência do Mandetta vá pra casa. Se sair, já está nomeado em Goiás", afirmou Caiado em entrevista recente.
Já Doria, um dos principais adversários políticos do presidente, evita abordar o tema publicamente, mas disse a auxiliares que gostaria de contar com o ministro em seu time. Em entrevista recente ao jornal O Estado de S. Paulo, o tucano defendeu Mandetta e afirmou que a demissão dele seria "um desastre" para o Brasil.
A atuação do titular da pasta no combate ao novo coronavírus no país é elogiada pelos chefes dos Executivos estaduais e conta com o apoio dos comandos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso, que ontem se manifestaram contra a demissão do ministro.
Popularidade
Os generais que assessoram o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, atuam para apaziguar os ânimos e evitar a demissão de Mandetta. Assim como Bolsonaro, os militares também têm reparos à forma como o ministro se comporta.
Eles consideram que Mandetta tenta capitalizar as ações da pasta. Mas avaliam que uma demissão, neste momento, fortaleceria os governadores que hoje travam uma queda de braço com o presidente.
Pesquisa XP mostrou que cresceu o apoio aos governadores na medida em que a pandemia se alastra pelo país. Os militares do Planalto tentam convencer Bolsonaro dos riscos de um desgaste de sua popularidade.
Para convencer o presidente sobre a permanência do ministro, os militares insistiram que essa é uma guerra que não é boa para ninguém. E alertam para falta de opção.
O ex-ministro Osmar Terra, um dos aliados que mais tiveram acesso a Bolsonaro nos últimos dias e que busca assumir o lugar de Mandetta, foi demitido do Ministério da Cidadania porque não dava resultado.
Os militares têm consciência que os maiores inimigos são as redes sociais e dezenas de grupos de WhatsApp que alimentam a ira de Bolsonaro.
Os discípulos do escritor Olavo de Carvalho, guru da família do presidente, e o vereador e Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) já demitiram Mandetta em seus posts e passam o dia tentando fazer Bolsonaro usar a caneta.
Desgaste de Mandetta
Na avaliação de Bolsonaro, o ministro adotou uma postura arrogante diante da crise e deveria ouvi-lo mais. "Algumas pessoas do meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando demais. Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas", afirmou o presidente no domingo, ao receber apoiadores no Palácio da Alvorada.
Era uma indireta por Mandetta ter participado de uma "live" da dupla sertaneja Jorge e Mateus, quando voltou a defender o isolamento social, um dos pontos de divergência com o chefe do Executivo.
Outra divergência é em relação ao uso da cloroquina em pacientes da covid-19. Bolsonaro é um entusiasta do medicamento indicado para tratar a malária, mas que tem apresentado resultados promissores contra o coronavírus. O ministro, por sua vez, tem pedido cautela na prescrição do remédio, uma vez que ainda não há pesquisas conclusivas que comprovem sua eficácia contra o vírus.
Em mais um sinal de desprestígio de seu ministro da Saúde o presidente voltou a se reunir com médicos ontem para falar sobre o uso do medicamento. "Ciência. Não vamos perder o foco", repetiu o ministro ontem após se reunir com médicos convidados por Bolsonaro para defender o remédio.