Brasil deve ser rigoroso com obras da Copa, diz economista-chefe do Banco Mundial
Célestin Monga falou ao site EXAME sobre os desafios econômicos e políticos do Brasil e as oportunidades no relacionamento com a África
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.
São Paulo - O legado que a Copa do Mundo de 2014 deixará para o Brasil não preocupa apenas os economistas do país. Para o economista-chefe do Banco Mundial, Celéstin Monga, grande entusiasta do futebol nacional, o governo brasileiro deve ser rigoroso com os investimentos que fará em infraestrutura, pois, do contrário, a herança do mundial será um festival de desperdícios.
"Se você construir, por exemplo, uma fábrica de aviões em um local onde não há o conhecimento técnico necessário, nem a mão de obra qualificada, haverá inúmeros riscos. E se não houver condições para manter a fábrica pelos próximos cem anos, então não construa, ou você vai jogar dinheiro público fora. E este dinheiro vem dos impostos que as pessoas pagam, inclusive as pobres. É preciso ser muito cuidadoso", afirmou.
Monga, que é camaronês, veio ao Brasil para o lançamento de seu livro "Niilismo e negritude", um ensaio que trata das visões africanas sobre "a arte de viver". Durante sua passagem por São Paulo, o economista-chefe do Banco Mundial falou ao site EXAME sobre os desafios econômicos e políticos que o Brasil tem pela frente, as oportunidades no relacionamento entre o país e a África, e a Copa do Mundo. E ainda teve tempo para comentar sobre uma paixão de infância: a seleção brasileira.
Leia abaixo principais pontos analisados pelo camaronês Célestin Monga, economista-chefe do Banco Mundial e assessor do vice-presidente do órgão.
Copa do Mundo e elefantes brancos
Monga declarou que, como economista, não encoraja investimentos em infraesturutra, como a construção de estádios e sistemas de transportes, sem que antes seja feita uma rigorosa análise econômica. O ponto central, de acordo com ele, é garantir a sustentabilidade das obras. "É preciso assegurar que a quantia investida não gerará retornos negativos. Isto geraria gastos de manutenção que tornam a obra insustentável. Se estas preocupações forem consideradas, você não correrá o risco de construir elefantes brancos."
Para o economista, a escolha do investimento deve ser consistente com a estratégia de industrialização adotada pelo país, para evitar o mau uso dos recursos públicos. "As pessoas esquecem que o dinheiro do governo vem dos impostos que todos nós pagamos, incluindo as pessoas pobres. Sempre digo a meus colegas camaroneses que o dinheiro do governo foi obtido com os impostos que a minha avó, uma senhora pobre de 90 anos, paga. O governo deveria ser muito cuidadosos ao usar os recursos. É preciso haver um debate aberto, envolvendo especialistas de diferentes pontos de vista, antes que as decisões sejam tomadas", afirma.
Quanto à Copa do Mundo de 2010, realizada na África do Sul, Monga afirma que o saldo foi positivo. Entretanto, o maior ganho, segundo o economista do Banco Mundial, não foi em infraestrutura. "O que a África do Sul e o continente como um todo ganharam foi um grande benefício em termos de auto-estima." Ele diz que o Mundial serviu para que a imagem negativa do continente fosse modificada. "Todo mundo ficou surpreso ao ver um país capaz de organizar algo de forma tão rigorosa. Os próprios africanos perceberam que, quando se empenham de verdade em algo, eles conseguem fazer, e tão bem quanto qualquer outro país. Esta foi a melhor parte. Não o turismo, nem a infraestrutura."
Desafios econômicos e políticos
O grande mérito do Brasil nos últimos anos, na opinião de Celéstin Monga, foi ter conseguido conciliar o desenvolvimento da competitividade com políticas para reduzir as desigualdades sociais no país. "Uma das melhores coisas que Lula fez foi ao mesmo tempo lutar para que os negócios tivessem uma condição ótima para se desenvolver, com incentivos aos investimentos, e tentar resolver a questão da enorme distância entre os grupos sociais. Trata-se de um equilíbrio muito delicado e difícil de ser obtido".
Sobre a sucessão presidencial, o economista afirmou esperar que o sucessor de Lula mantenha os programas iniciados por ele. "Acredito que mais importante que os líderes são as instituições, porque os governantes vêm e vão. Para mim, um grande líder é alguém que faz de sua própria gestão algo secundário. Ele deve ser capaz de criar instituições mais fortes que sua própria liderança."
"Por mais extraordinário que Lula possa ter sido, ninguém é insubstituível e o povo brasileiro precisa perceber isto. Se ele foi um bom líder, provavelmente criou condições para tornar irrelevante a discussão sobre quem será o próximo presidente. O trabalho dele era tornar as instituições sólidas o bastante. Um governante forte precisa ter dons, mas seu maior talento deve ser o de criar condições que sobrevivam a ele. Não conheço muito bem os candidatos à presidência, mas espero que isto aconteça no Brasil."
Oportunidades para Brasil e África
O economista-chefe do Banco Mundial elogiou a atual estratégia de desenvolvimento industrial do país, a qual ele afirma estar baseada nas vantagens competitivas que a economia brasileira possui. "Uma área na qual vocês fazem um trabalho realmente bom é a agricultura. Isso é algo que a África deveria aprender."
Ele explica que alguns países africanos estão tentando fazer hoje "o que o Brasil tentava fazer há 50 anos, ou seja, atingir um nível muito elevado de desenvolvimento sem ter a competitividade necessária." Monga defende que a África deveria ter foco em objetivos mais dependentes da mão de obra, farta e barata naquele continente, do que no capital, escasso. A agricultura é um exemplo que o economista considera ideal. Ele ressalta que os africanos podem aprender com o Brasil a habilidade de desenvolver a agroindústria, o processamento de alimentos.
Monga enfatizou que muito pode ser explorado nas relações comerciais entre o país e o continente. "A África é uma terra de oportunidades. Estamos falando de um continente com um bilhão de pessoas que são potenciais consumidores para os produtos brasileiros."
Futebol
Naturalmente bem humorado, o economista sorriu mais largo quando o assunto foi o futebol. "Todo camaronês pensa em si mesmo como um brasileiro, porque lá, como aqui, todos jogam futebol. Sei tudo sobre este esporte no Brasil, acompanho desde criança." O economista citou Sócrates, Falcão, Toninho Cerezo e Júnior como seus jogadores favoritos e a seleção de 1982 como a melhor fase do futebol brasileiro.
Sobre o fracasso da seleção na África do Sul, Monga disparou: "fiquei desapontado. Como um time daqueles, cheio de talentos, ficou sem o título? Nunca gostei do Dunga, nem como treinador, nem como jogador, e acho que aquele time e seus erros refletiam o estilo dele. Sei que o Dunga ama o Brasil e queria vencer, mas estou feliz que ele tenha ido embora e desejo boa sorte."
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