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Bolsonaro ressuscita polêmica do "kit gay" com livro juvenil no JN

Ministério da Cultura comprou um total de 28 exemplares em 2011 para distribuição em bibliotecas públicas; editora quer voltar a publicar a obra

Jair Bolsonaro exibe livro da Companhia das Letras, Aparelho sexual e cia, durante o Jornal Nacional (TV Globo/Reprodução)

Luiza Calegari

Publicado em 29 de agosto de 2018 às 15h55.

Última atualização em 29 de agosto de 2018 às 16h56.

São Paulo — O deputado e candidato à presidência Jair Bolsonaro causou polêmica ao levar um livro para a entrevista de ontem ao Jornal Nacional, da Globo.

O exemplar em questão é uma edição do livro "Aparelho sexual e cia: um guia inusitado para crianças descoladas", editado pelo selo juvenil da Companhia das Letras, mas já esgotado no Brasil.

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Os autores do livro, que foi escrito em francês, são Zep (pseudônimo de Philippe Chappuis) e Hélène Bruller. Ele foi traduzido para 10 idiomas e vendeu mais de 1,5 milhão de cópias em todo o mundo.

A polêmica, segundo Bolsonaro, viria do fato de que o livro está presente na biblioteca das escolas, ensinando crianças de seis anos a fazerem sexo, segundo um vídeo divulgado pelo deputado em suas redes em 2016.

Mas será que é isso mesmo? Bruno Molinero, autor de um blog sobre livros infantojuvenis na Folha de S.Paulo, explica brevemente o enredo da obra.

"Dividido em seis capítulos, é um guia que utiliza toques de humor e linguagem de histórias em quadrinhos para falar sobre sexualidade, amor e relacionamento para o público infantojuvenil", afirma Molinero em seu blog.

Os capítulos abordam questões sobre relacionamentos, sexo, maternidade, contracepção e higiene. No fim da obra, há um guia sobre quem procurar em casos de abuso ou pedofilia.

"Durante todo o livro, o personagem principal interage com o universo da sexualidade procurando gerar um efeito cômico. Ele se beija no espelho para treinar, não entende muito bem como funciona uma relação sexual e, muitas vezes, imagina as coisas da maneira mais literal possível", explica.

A Companhia das Letras informou, em nota, que a indicação no catálogo era para "o 6º, 7º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, ou seja, para alunos de 11 a 15 anos. A indicação de cada escola é livre, a Companhia das Letras não tem nenhuma interferência sobre ela".

Distribuição

Em 2016, o deputado já tinha comentado sobre a obra em um vídeo no Facebook, afirmando que ele era "uma porta aberta para a pedofilia" e tinha sido adquirido nos programas PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) e o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático).

O livro não foi comprado pelo Ministério da Educação (MEC) para distribuição como material didático, como já tinha sido informado em 2016. O Ministério da Cultura foi o responsável pela aquisição de apenas 28 exemplares para composição do catálogo de bibliotecas públicas em 2011.

A Companhia das Letras também defendeu a proposta do livro e sua publicação. "O conteúdo da obra nada tem de pornográfico, uma vez que, formar e informar as crianças sobre sexualidade com responsabilidade é, inclusive, preocupação manifestada pelo próprio Estado, por meio de sua Secretaria de Cultura do Ministério da Educação que criou, dentre os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), um específico à “Orientação Sexual” para crianças, jovens e adolescentes".

Por fim, depois da polêmica, a editora informou que está em contato com os proprietários dos direitos autorais para reeditar o livro no Brasil.

Leia a íntegra da nota da Companhia das Letras:

A editora Companhia das Letras reitera que confia no conteúdo do livro Aparelho sexual e Cia, uma obra que enfoca todos os aspectos da sexualidade, com sólida base pedagógica e rigor científico. Justamente por sua seriedade e pela importância do tema — cuja dificuldade de tratamento foi superada pela leveza na abordagem de assuntos como a paixão, as mudanças da puberdade, a contracepção, doenças sexualmente transmissíveis, pedofilia e incesto —, a obra foi publicada em 10 línguas, vendeu mais de 1,5 milhões de exemplares no mundo, e foi transformada em exposição, que ficou em cartaz duas vezes na Cité des Sciences et de l’Industrie, em Paris, e viajou por 7 anos pela Europa, sem que tivesse recebido qualquer acusação ou reprimenda. Ao contrário, virou um modelo de como informar os jovens sobre temas importantes e incontornáveis, a partir de um tratamento comprometido e cuidadoso.

Gostaríamos de lembrar que Aparelho sexual e Cia foi lançado pelo selo juvenil da editora em 2007, e no nosso catálogo era sugerido para o 6º, 7º, 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, ou seja, para alunos de 11 a 15 anos. A indicação de cada escola é livre, a Companhia das Letras não tem nenhuma interferência sobre ela.

O conteúdo da obra nada tem de pornográfico, uma vez que, formar e informar as crianças sobre sexualidade com responsabilidade é, inclusive, preocupação manifestada pelo próprio Estado, por meio de sua Secretaria de Cultura do Ministério da Educação que criou, dentre os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), um específico à “Orientação Sexual” para crianças, jovens e adolescentes. O livro conta ainda com uma seção chamada “Fique esperto”, que alerta os adolescentes para situações de abuso, explica o que é pedofilia — mostrando como tal ato é crime —, o que é incesto e até fornece o contato do Disque-denúncia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes e da Secretaria Especial dos Direitos Humanos.

Ao contrário do que afirmou erroneamente o candidato à Presidência em entrevista ao Jornal Nacional na noite de 28 de agosto, ele nunca foi comprado pelo MEC, como tampouco fez parte de nenhum suposto “kit gay”. O Ministério da Cultura comprou 28 exemplares em 2011, destinados a bibliotecas públicas.

Como o livro está esgotado, e o seu contrato, expirado, a editora está em contato com os proprietários para avaliação da possibilidade de disponibilizá-lo, novamente, para o público brasileiro.

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