Bolsonaro provoca presidente da OAB que teve pai morto pela ditadura
Felipe Santa Cruz é filho de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, integrante do grupo Ação Popular, organização contrária ao regime militar
Estadão Conteúdo
Publicado em 29 de julho de 2019 às 12h57.
Última atualização em 29 de julho de 2019 às 13h32.
O presidente Jair Bolsonaro atacou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB ), Felipe Santa Cruz, ao dizer que pode "contar a verdade" sobre como o pai dele desapareceu na ditadura militar. "Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade", disse.
Felipe é filho de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, integrante do grupo Ação Popular (AP), organização contrária ao regime militar (1964-1985). Ele foi preso pelo governo em 1974 e nunca mais foi visto.
Em 2012, no livro "Memórias de uma guerra suja", o ex-delegado do Dops Cláudio Guerra diz que o corpo de Fernando foi incinerado no forno de uma usina de açúcar em Campos (RJ).
"Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro", disse Bolsonaro em coletiva de imprensa.
O Estadão Verifica, serviço do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o pai de Felipe Santa Cruz, segundo depoimento à Agência Brasil de um de seus irmãos, João Artur, não era ligado à luta armada.
Outros membros de destaque da AP incluem o ativista Herbert de Souza, o Betinho, e o ex-senador José Serra (PSDB).
Bolsonaro questionou a atuação da OAB ao falar das investigações sobre Adélio Bispo, responsável pela facada contra o presidente no ano passado, durante a campanha eleitoral. Adélio foi considerado inimputável pela Justiça por transtorno mental. O presidente não recorreu.
"Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados (de Adélio)? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB?", disse Bolsonaro. O Estadão Verifica também mostrou que é falsa a informação de que o sigilo telefônico de Adélio Bispo é protegido pela OAB.
A informação falsa confunde o processo do acusado com outra ação envolvendo seu advogado, Zanone Manuel de Oliveira. O boato foi publicado no início do mês no Facebook.
Sobre o fato de não ter recorrido no processo da facada, Bolsonaro disse que "Adélio se deu mal". "Se eu recorresse, ele seria julgado não por homicídio, mas tentativa de homicídio, em um ano e meio ou dois estaria na rua. Como não recorri, agora é maluco o resto da vida. Vai ficar num manicômio judicial é uma prisão perpétua. Já fiquei sabendo que está aloprando por lá. Abre a boca, pô", declarou.
Em junho, a Ordem dos Advogados do Brasil já havia se manifestado sobre fala semelhante do presidente contra a instituição. "Para que serve essa OAB?", disse Bolsonaro, citando o boato a respeito de Adélio.
"O presidente repete uma informação falsa, que inúmeras vezes já foi desmentida, de que o sigilo telefônico de Adélio Bispo é protegido pela OAB", diz a nota, assinada por Felipe Santa Cruz.
Em 2011, ainda como deputado federal, Bolsonaro afirmou em palestra na Universidade Federal Fluminense (UFF) que Fernando Santa Cruz, pai do agora presidente da OAB, teria morrido "bêbado" após pular o carnaval.
À frente da OAB-Rio, Felipe iniciou movimento em 2016 para pedir ao Supremo Tribunal Federal a cassação do mandato de deputado federal de Jair Bolsonaro por "apologia à tortura ".
Histórico
É a segunda vez em dez dias que o presidente da República ataca a memória de vítimas da ditadura militar no Brasil.
Em um café da manhã com jornalistas estrangeiros no último dia 19, ele afirmou que a jornalista Miriam Leitão foi presa quando estava indo para a Guerrilha do Araguaia e que mentiu sobre ter sido torturada.
Miriam foi militante do PCdoB, onde atuou em atividades de propaganda, e nunca se envolveu na luta armada. Ela foi presa e torturada, grávida, aos 19 anos, no 38º Batalhão de Infantaria em Vitória.
Bolsonaro tem um longo histórico de defesa da tortura e da ditadura militar. Ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, o então parlamentar fez uma homenagem a Carlos Brilhante Ustra, que comandou o Doi-Codi de São Paulo, centro de tortura durante a ditadura.
Em entrevista à rádio Jovem Pan em junho de 2016, o então deputado federal disse que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”.
Em maio de 1999, na TV Bandeirantes, Bolsonaro disse que na ditadura "deviam ter fuzilado uns 30 mil corruptos, a começar pelo presidente Fernando Henrique, o que seria um grande ganho para a Nação”.