Bruno Aranha, diretor de Crédito Produtivo e Socioambiental do BNDES (André Telles/divulgação/Divulgação)
Carla Aranha
Publicado em 6 de agosto de 2021 às 16h43.
Última atualização em 6 de agosto de 2021 às 19h42.
Nos últimos meses, Bruno Aranha, diretor de Crédito Produtivo e Socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), perdeu a conta de quantas vezes foi ao Pará, Acre e outros estados do Norte. Os potenciais produtivos da região e as demandas de cada local foram incorporados ao programa inédito de crédito ESG que o banco deverá lançar na próxima segunda, 9.
Com recursos da ordem de 1 bilhão de reais, a nova linha de financiamento traz entre suas principais premissas o incentivo à transição a uma economia de baixo carbono e o fortalecimento de cadeias de fornecedores sustentáveis nas regiões menos desenvolvidas no país. “O olhar para os locais que mais precisam de apoio é essencial para a agenda de retomada econômica sustentável, verde e inclusiva”, diz Aranha. Também está no radar do BNDES a estruturação do mercado de carbono no país. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Como o programa de crédito ESG está estruturado?
Esse programa, que será lançado na semana que vem, é voltado para a melhoria dos indicadores de sustentabilidade dos nossos clientes, com uma dotação inicial de 1 bilhão de reais e financiamento máximo de 150 milhões de reais por grupo econômico. Se a empresa assumir compromissos conosco relacionados à sustentabilidade e comprovar que cumpriu as metas, vai haver uma redução proporcional da taxa de juros ao final do financiamento.
E em que se baseia esse cálculo?
Hoje, temos um spread básico de 1,5% para a linha (de crédito). Como funciona? Para ter acesso ao financiamento, o interessado precisa apresentar duas contrapartidas mínimas. Uma é o relatório de sustentabilidade no modelo GRI ou similar e a outra é publicar seu programa de responsabilidade socioambiental, priorizando a questão da diversidade. A política de investimento social precisa ter um carinho especial também em relação à educação.
Mas isso não significa, por si só, um impacto na taxa de juros. Nós podemos acertar com o cliente duas metas, relacionadas à questão ESG. Se ele cumprir ambas as metas, poderá ter uma redução de 0,4% na taxa. Se ele cumprir apenas uma das metas, ele tem um desconto de 0,2%. E se não cumprir nenhuma das metas, vai para 2,5%. Serão feitas verificações anuais ao longo de todo o financiamento.
Quais são as metas principais?
São certificações ambientais. Temos nossa lista de certificações aceitas, como os ISOs, as certificações sociais. Uma outra meta é o inventariado do carbono, em especial quando trata-se de uma atividade geradora de carbono. Pode ser um inventário do quanto se captou de carbono ou das emissões, com uma meta de redução dessas emissões. Uma outra possiblidade é ampliar a rede de fornecedores incorporando aqueles da região Norte e Nordeste do país. A intenção é incentivar o desenvolvimento dessas regiões.
Isso tem a ver com a ideia de estruturar cadeias produtivas regionais?
Exatamente.
Por que, para que esse modelo da rede de fornecedores funcione, é preciso haver uma ampliação dos fornecedores, não?
Sim. A intenção é que as empresas olhem para o Norte e seja criada essa cadeia. Aí, cria-se esse ciclo positivo em que uma média ou grande empresa pode ajudar a fomentar o desenvolvimento na região. Não à toa, o primeiro setor a ser contemplado com o crédito ESG vai ser o de madeira, voltado ao reflorestamento. Fica claro que temos aí uma conexão com o Norte, já que a cadeia de madeira é presente na região. Estamos falando de produtores de sementes, empresas de reflorestamento, o concessionário de uma área florestal.
Isso inclui as madeireiras?
Depende da situação da madeireira. Se for uma empresa sustentável, eu entendo que sim. Mas a nossa ação é toda voltada para a parte do reflorestamento.
Quais outros setores da economia poderão ter acesso a nova linha de crédito?
O setor de energia limpa, principalmente fabricantes de equipamentos. Para chegar às metas de redução de emissões de carbono, temos que incentivar toda a rede de fornecedores e a indústria que vai suportar essa energia limpa. Os maiores projetos que nós suportamos hoje de energia solar e eólica são no Nordeste, e aí as coisas vão se falando porque é preciso ter os equipamentos e os fornecedores. Em um terceiro momento, vai entrar o setor de mineração e siderurgia para que esses setores adotem fontes de energia e tecnologias mais sustentáveis. Nesse caso, a meta é inventariar as emissões e ter um compromisso de redução da pegada de carbono.
O passo seguinte para as empresas selecionadas para ter acesso ao crédito ESG poderá ser captar recursos no mercado internacional?
Sem dúvida. Por meio dessas boas práticas, a empresa pode fazer emissão de títulos no mercado e vai acessar o sistema financeiro de uma maneira mais qualificada e ampla, podendo incluir o sistema internacional. Essas empresas vão se preparar para acessar capital de outros bolsos que elas não têm hoje e, também, para competir no mercado internacional. A União Europeia está falando em carbon tax (uma taxa de importação maior para empresas e setores da economia que não cumprirem metas ambientais), por exemplo. Precisamos preparar nossas empresas para essa realidade.
Há algum outro setor que esteja na mira do BNDES para esse programa de crédito verde?
Vamos apoiar também os provedores de internet regionais de banda larga, a fim de gerar conectividade. Eles vão ter uma meta de ampliar a base de clientes. Nos interessa muito que isso aconteça no Norte e Nordeste. Estamos incentivando para que esse provedor migre ou estenda suas atividades para essas regiões. Hoje, conexão é desenvolvimento. E precisamos ter infraestrutura que suporte o 5G.
E como está a ideia de estruturar um mercado de carbono dentro do portfólio do banco?
Aqui, montamos uma meta para as empresas se inventariarem, tanto aquelas que podem ser produtoras de crédito de carbono, a exemplo da cadeia de reflorestamento, como aquelas de mineração e siderurgia, que vão saber de quanto é a pegada de carbono. O que vai acontecer? É a possiblidade do match. Isso é o mercado voluntário de carbono.
O BNDES está conversando com as empresas, os investidores, a Bolsa de Valores e outros players para podermos estruturar o mercado de carbono voluntário no Brasil, para que o crédito de carbono seja como uma commodity, um título de dívida, livremente transacionado. O banco está trabalhando para ser o articulador e, dessa forma, ajudar a estruturar o mercado de carbono, e também ser um player relevante como comprador de carbono no mercado. Mas não é uma coisa simples.
O BNDES está realizando estudos sobre isso?
Está fazendo esse olhar, mas é uma construção coletiva com todo o mercado.
O mercado de carbono pode estar estruturado até o ano que vem?
Sim, mas ainda temos trabalho a fazer.
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