Apesar de custos, governo ainda tenta decreto para barrar Huawei no 5G
Apesar da pressão contrária das empresas de telecomunicação do país, presidente Jair Bolsonaro ainda não foi convencido das dificuldades de barrar a Huawei
Reuters
Publicado em 8 de dezembro de 2020 às 12h10.
Última atualização em 8 de dezembro de 2020 às 13h59.
O Palácio do Planalto tenta encontrar uma forma de transformar em decreto restrições a serem impostas no leilão 5G e barrar a participação da chinesa Huawei no fornecimento de equipamentos para as teles brasileiras, em um movimento que pode terminar em uma guerra jurídica e atrasar ainda mais o leilão previsto para junho de 2021, disseram à Reuters fontes a par das negociações.
Apesar da pressão contrária das empresas de telecomunicação do país, que já usam a Huawei como fornecedora e alegam um custo enorme para mudança, o presidente Jair Bolsonaro - cuja base ideológica elegeu a China como um de seus inimigos preferenciais - ainda não foi convencido das dificuldades de barrar os chineses.
De acordo com uma fonte ouvida pela Reuters, o decreto está sendo preparado pelo Ministério das Comunicações com a participação do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, com base em uma instrução normativa (IN) que define as disposições de segurança que as empresas de telecomunicações e suas fornecedoras precisam cumprir para operar no Brasil.
Procurado, o ministro das Comunicações, Fábio Faria diz que não fala sobre o assunto. O GSI informa que não tem mais participação no tema além da IN publicada em março.
A IN 4/2020, publicada em março deste ano, estabelece, por exemplo, que as empresas deverão garantir a confiabilidade dos dados e permitir auditoria nos sistemas. Exige, também, a contratação de diferentes fornecedores de equipamentos em uma mesma área geográfica. A IN, no entanto, não tem requisitos que possam impedir a participação da empresa chinesa no país.
Até agora o governo não conseguiu encontrar um meio que seja juridicamente robusto e cumpra o papel de barrar apenas a Huawei, sem afetar as demais fornecedoras. De acordo com uma fonte, levantou-se pontos como exigência de não participação estatal no controle acionário ou necessidade de abertura de capital na Bovespa, mas nenhuma das alternativas levantadas funcionaria, seja porque não barraria a Huawei, seja porque barraria também outras empresas.
"Se você direcionar um edital sem uma justificativa plausível, que mire restringir apenas uma empresa, isso cai na primeira instância", disse uma outra fonte que acompanha as negociações. "E vai criar um potencial de dificuldades que não só atrasa a tecnologia, como pode se refletir em outros setores da relação comercial do Brasil com a China."
As teles - e a própria Huawei - consideram agir juridicamente se o governo brasileiro decidir seguir adiante com o decreto.
Procurada, a Huawei não respondeu até o momento um pedido de comentário.
Hoje, a maior parte das teles brasileiras usa equipamentos da Huawei na maioria de suas redes 3G e 4G. Entre as maiores empresas do Brasil, a Telefônica --controladora da Vivo-- usa hoje a Huawei em 65% das suas redes. A Claro, em 55%, enquanto a Oi tem 60% e a Tim, 45%.
Uma proibição da participação da empresa chinesa obrigaria as teles a trocar a maior parte das suas redes, já que elas não conversam entre si. O custo, afirmam, ficaria entre 150 bilhões e 200 bilhões de dólares.
"Não existe investimento para isso e o governo não fala em compensações. Uma mudança nesse nível atrasaria a instalação da rede no país em uns 3 a 4 anos. E em alguns lugares praticamente inviabilizaria", disse uma das fontes.
Enquanto ministros como Heleno e o chanceler Ernesto Araújo advogam pelo banimento da Huawei, parte do governo já atua para contrariar a vontade de Bolsonaro. Na equipe econômica, o custo para implementação da tecnologia assustou o ministro Paulo Guedes.
O vice-presidente Hamilton Mourão, que costuma ecoar as preocupações de Guedes, afirmou na segunda-feira, em evento em São Paulo, que o custo para barrar a Huawei seria muito elevado. "Quem vai pagar essa conta? Somos nós, consumidores", disse.
MINUTA
Na semana passada, uma minuta de edital para o leilão das frequências 5G preparada por técnicos da Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel) foi alvo de uma reunião no Palácio do Planalto. O texto não traz nenhuma restrição a fornecedores chineses de equipamentos para as teles, apesar de Bolsonaro ter pedido a agência que encontrasse uma solução que "deixasse o país seguro", contou uma fonte.
A agência, no entanto, não teria como incluir restrições às chinesas por que não existe legislação que embase isso, disse uma das fontes. "A Anatel só pode basear o edital na legislação existente", explicou.
A intenção de restringir a Huawei vem da relação próxima de Bolsonaro com o governo norte-americano de Donald Trump, que entrou em conflito aberto com a China na questão do 5G. Há um mês, o governo brasileiro declarou apoio à iniciativa americana Redes Limpas que tem, como objetivo final, impedir o crescimento dos chineses nas redes 5G no mundo.
O discurso de crise de segurança foi adotado por parte do governo brasileiro, em especial por Heleno, um dos auxiliares mais próximos de Bolsonaro. O general tem conversado seguidamente com o embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman.
Apesar da mudança de governo com a eleição do democrata Joe Biden e uma relação que promete ser distante daqui para frente --Bolsonaro trocou farpas com Biden ainda na eleição e não o cumprimentou pela vitória até agora--, o governo brasileiro não acredita que a postura democrata em relação a China será diferente.
"Não tem recuo do presidente e não tem conversa em relação a Biden. Até porque ele é mais radical que o Trump em relação ao 5G", disse à Reuters um ministro que acompanha o tema. "Mas não tem decisão do presidente ainda porque o assunto não chegou nele."