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Aborto clandestino é drama para mais de meio milhão de mulheres no Brasil

A grande maioria dos brasileiros (59%) se opõe a mudanças na legislação para facilitar o aborto, segundo pesquisa

250 mil mulheres tiveram que ser internadas após um aborto clandestino em 2015 (kieferpix/Thinkstock)
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EFE

Publicado em 25 de agosto de 2018 às 11h06.

Última atualização em 25 de agosto de 2018 às 17h47.

São Paulo - Mais de 500 mil mulheres por ano abortam clandestinamente no Brasil, onde a discussão sobre o problema se acentuou após a paulistana Rebeca Mendes levantar a voz por se ver obrigada a viajar para a Colômbia a fim de interromper voluntariamente sua gravidez de forma legal.

Mãe solteira de dois filhos e aos 31 anos, ela se transformou na imagem da luta a favor da descriminalização do aborto no país, hoje permitido somente em casos de estupro, de risco de morte para a mãe ou se o feto apresentar anencefalia.

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"Fiquei grávida em novembro e, quando descobri, foi muito perturbador. Fiquei o ano passado todo tentando marcar consultas com ginecologistas para mudar meu anticoncepcional. Se o sistema público de saúde tivesse me atendido a tempo, não teria passado por isso. Esta foi a primeira vez que o Estado falhou comigo", contou Rebeca à Agência Efe.

Após descobrir que estava grávida, ela entrou com um pedido no Superior Tribunal Federal (STF) para poder abortar legalmente, mas a solicitação não foi analisada, e foi por isso que ela decidiu viajar à Colômbia, onde conseguiu interromper a gestação dentro das leis locais.

Desde 2006, a Corte Constitucional da Colômbia permite o aborto em três situações: quando põe em risco a saúde física e mental da mulher, em caso de estupro ou incesto, ou quando há uma má-formação incompatível com a vida.

"Eu hoje posso contar que fui tratada com dignidade e que um aborto não precisa ser traumático para a mulher. O que é traumático não é o procedimento, mas a ilegalidade", disse Rebeca.

O caso de Rebeca levou o PSOL e o instituto de bioética Anis a apresentarem uma ação no STF, que neste mês convocou especialistas e organizações para um debate público, em pleno ano eleitoral, sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

Cerca de 503 mil mulheres entre 18 e 40 anos interromperam gestações em 2015, de acordo com as estatísticas da Anis, referência global no estudo dos direitos reprodutivos femininos, embora algumas organizações estimem que o número passe de 1 milhão.

Apesar disso, a grande maioria dos brasileiros (59%) se opõe a mudanças na legislação para facilitar o aborto, enquanto 58% consideram que a mulher tem que sofrer punições e até ir para a prisão por interromper a gravidez, segundo uma pesquisa publicada recentemente.

"Se todas as mulheres que fizeram um aborto estivessem presas, o Brasil teria 4,7 milhões de presidiárias", disse a antropóloga e coordenadora da Anis, Débora Diniz.

Segundo a pesquisadora, metade das mulheres que se submeteram a um aborto ilegal o fizeram através de remédios adquiridos na internet ou no mercado negro, como é o caso da enfermeira Lúcia, de 32 anos.

Moradora de uma comunidade no litoral de São Paulo, Lúcia, cuja identidade foi preservada, revelou à Efe que comprou duas pílulas abortivas de um vendedor ilegal por R$ 500.

Após o uso do remédio, teve que ir para um hospital por causa de uma forte hemorragia e ficou internada por mais de 24 horas.

"Hoje tenho certeza de que foi um grande risco e que poderia ter morrido, mas o Estado e a sociedade têm que entender que não é porque existe uma lei contra que as mulheres deixarão de abortar", afirmou.

Lúcia é uma das 250 mil mulheres que tiveram que ser internadas após um aborto clandestino em 2015.

Em sua alegação ao STF, Débora afirmou que quem enfrenta os maiores riscos com este tipo de aborto são as mulheres "mais jovens, mais pobres, negras e provenientes de áreas menos favorecidas do país".

Apesar da proibição, as maiores cidades do país contam com clínicas que realizam o procedimento em troca de preços inacessíveis para as mulheres mais pobres, de R$ 5 mil a R$ 10 mil.

Sonia, pesquisadora de uma grande universidade de São Paulo e que pediu para não ter a identidade revelada, recorreu a uma clínica ilegal para interromper sua gravidez cirurgicamente, o que lhe custou o salário de um mês.

"Me lembro até hoje da angústia das semanas anteriores. Foi uma angústia, primeiro pela gravidez, depois pela dificuldade do processo. Para mim, o acesso não foi tão simples, mas não era absolutamente pobre e consegui pagar", disse.

Para ela, as mulheres nesta situação têm medo não do procedimento em si, mas "da clandestinidade do tema e do que pode acontecer".

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