A importância de se discutir as questões climáticas nos livros didáticos
Opinião | O PL 3652/2024 busca integrar a educação sobre mudanças climáticas ao currículo escolar, com foco nas especificidades dos biomas brasileiros
Colunista
Publicado em 26 de novembro de 2024 às 17h46.
Última atualização em 26 de novembro de 2024 às 17h46.
Por Célia Xakriabá, deputada federal (PSOL/MG) e coordenadora da Frente Parlamentar Mista da Educação no Congresso Nacional
Em 2023, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), criado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), divulgou um relatório sintético que fala com firmeza: as atividades humanas, sobretudo as emissões de gases de efeito estufa, são a principal causa do aquecimento global. Como consequência, testemunhamos mudanças amplas e aceleradas nos elementos que compõem o equilíbrio do planeta – na atmosfera, no oceano, na criosfera e na biosfera.
O Brasil reflete essa mesma realidade. Em um documento base, elaborado para a 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente pelo Governo Federal, pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável (UnB), foi lançado um alerta:
O ano de 2023 foi o mais quente da história, e o aumento da temperatura do planeta foi percebido de norte a sul do País na forma de ondas de calor, inundações e secas. Eventos extremos cada vez mais intensos e frequentes são manifestações do aquecimento global. Temos pouco tempo para deter o agravamento da crise climática e garantir uma transição rápida e justa para um modelo de desenvolvimento de baixa emissão de gases de efeito estufa e resiliente às mudanças do clima.
O relatório também evidencia um estudo do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que identificou 1.942 municípios brasileiros em situação de risco significativo, expostos à crescente frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos. E essa realidade nos atravessou coletivamente em 2024: enchentes, queimadas, seca, crise hídrica e tantos outros desafios que assolaram nosso país.
Nesse contexto, a tarefa do Legislativo se apresenta como mais um instrumento para a cura do planeta. Como detentores e guardiões da maior biodiversidade do mundo, temos a responsabilidade de posicionar o Brasil no centro da discussão sobre o futuro global. Portanto, os povos indígenas lançam o chamado da Terra para aldear a política, não para iniciar sua luta, mas para ampliá-la.
Somente a partir das nossas tecnologias ancestrais, a partir das nossas coletividades é que vamos trazer a diversidade necessária para elaborar esse grande plano para curar o país e o planeta.
É a partir dessa cosmovisão que legislamos, com um pé no mundo e outro na aldeia, com uma mão na caneta e outra no maracá. Um dos resultados é o Projeto de Lei nº 3652/2024, de nossa autoria, que busca disciplinar a distribuição de material didático sobre as mudanças climáticas e os seus impactos nos biomas brasileiros.
Esse PL busca especificar a centralidade do livro didático e dos materiais didáticos como meio principal e insubstituível para transmissão do conhecimento (Art 1º, Lei 10.753/2003) e, portanto, o dever de fomento do Estado brasileiro.
Sabemos que o livro didático é um importante instrumento para a formação dos alunos brasileiros, assim como para os professores e professoras desse país. Ele é ferramenta indispensável a esses profissionais, e também para os estudantes, pois muitas vezes, o único contato físico com veiculadores da escrita que eles vão ter ao longo da vida escolar é com o livro didático.
De acordo com o MEC, em 2024, o investimento no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) foi 79% a mais do que no ano anterior. Foram distribuídos 194,6 milhões de exemplares, atendendo a 31 milhões de estudantes, o que demonstra que o livro didático, com todas as controvérsias que o atravessam, ainda é um material de amplo acesso pelas escolas brasileiras.
A educação expande fronteiras, promove encontros, transforma a vida, tem chama emancipatória. Viemos por uma educação territorializada que reconheça e dialogue com as culturas, práticas, sabedorias ancestrais e singularidades de cada povo. O ensino, a pesquisa e a produção de conhecimento devem estar a serviço do bem viver.
É por isso que o PL 3652/2024 reforça a necessidade de atuação referenciada nos territórios, principalmente no que tange às especificidades de cada bioma brasileiro. Isso se evidencia, por exemplo, quando observamos os dados referentes ao desmatamento e percebemos que as estratégias adotadas foram eficazes para diminuir os índices na Amazônia, mas não no Cerrado. Considerando os sete primeiros meses de 2023, o desmatamento na Amazônia teve redução de 66% comparado com o ano anterior, entretanto, no mesmo período, o Cerrado apresentou crescimento de 16,5%.
Para concretizar a modificação legal optou-se por incidir nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Política Nacional do Meio Ambiente, Política Nacional sobre Mudanças Climáticas, Política Nacional de Educação Ambiental, Política Nacional do Livro e no Programa Nacional do Livro e do Material Didático. Trata-se, portanto, de um aprimoramento que busca adequar a legislação à emergente necessidade de adiarmos a “queda do céu”, nas palavras de um Xamã que compartilha o saber dos grandes defensores dos Biomas brasileiros, como ratifica o MapBiomas, que ao analisar dados entre 1985 e 2022, concluiu que as Terras Indígenas perderam menos de 1% de sua área de vegetação nativa nos últimos 38 anos.