A (boa) perspectiva de uma política industrial no Brasil é o que a indústria espera do governo
OPINIÃO | "O Brasil possui as principais vantagens comparativas para o desenvolvimento de uma indústria química robusta", diz presidente ABIQUIM
Redação Exame
Publicado em 4 de março de 2023 às 08h27.
Última atualização em 4 de março de 2023 às 10h51.
A indústria química é um dos principais fatores de prosperidade das economias desenvolvidas e em desenvolvimento, uma vez que está na base de praticamente todas as demais cadeias industriais, sendo considerada a indústria das indústrias. Ela tem efeito multiplicador tanto a montante quanto a jusante nos diferentes setores em que é supridora de produtos, tecnologia e de inovação. Sem a química, não há como desenvolver melhores práticas de produção, que venham a descarbonizar o mundo. A química é parte da solução relacionada à sustentabilidade.
O Brasil possui as principais vantagens comparativas que são importantes para o desenvolvimento de uma indústria química robusta: abundância em matérias-primas básicas, tanto provenientes do gás natural, como da biomassa e da mineração, um mercado consumidor interno que por si só já justifica o crescimento, além da matriz energética mais limpa do mundo.
As cinco economias que estão à frente do Brasil em indústria química (China, Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul e Japão) adotaram políticas públicas em algum momento do seu passado e continuam com essa prática para alavancar o desenvolvimento socioeconômico, garantindo acesso da indústria sobretudo a fatores importantes que deem escala e que sejam fundamentais para a evolução da produção, como matéria-prima, energia e infraestrutura adequada. A indústria química é fundamental para assegurar soberania nacional.
Na contramão dessa prática internacional, o Brasil adotou, entre 2019 e 2022, medidas que, ao invés de estimular o fortalecimento competitivo doméstico, alavancaram o ritmo das importações, especialmente por meio de políticas comerciais de redução de tarifas de importação e de insegurança jurídica no sistema de defesa comercial, desestimulando os investidores, colocando em xeque a fabricação nacional e impulsionando importações cada vez maiores de químicos para atender à crescente demanda por esses produtos.
É importante ter em conta que a produção química se dá em um processo integrado: por exemplo, a produção de insumos para detergentes e cosméticos (óxido de Eteno, etoxilados, etilenoglicol, olefinas, LAB, álcoois graxos) depende, economicamente, da produção de resinas (PVC, PP, PET, PE, PS), e vice-versa. O resultado econômico da produção de um grupo (ou com mercado insuficiente para absorver a produção), torna técnica e economicamente viável produzir o outro.
Assim, a existência de uma política industrial que oriente o processo de industrialização a médio e longo prazo, coordenadamente com as políticas fiscal, monetária e de comércio exterior, é fundamental para a indústria química e o país.
Especialmente para evitar que a ansiedade de resolver eventuais gargalos de curto prazo de setores específicos a montante ou a jusante, por vezes com impacto social baixo ou nulo, ou equivocadas tentativas de transformar a química de grande escala em uma constelação de pequenas e médias empresas, leve a situações semelhantes ao desmantelamento que aconteceu em importantes partes da cadeia química como a indústria de insumos farmacêuticos e da indústria de fertilizantes.
Esses dois exemplos, e inúmeros outros, começaram com graves reduções de imposto de importações e ausência de mecanismos efetivos de defesa comercial contra práticas desleais na frente de importações, sem que nada fosse feito para resolver problemas estruturais relacionados ao custo maior de produção no Brasil (energia e matérias-primas mais caras e carga tributária mais elevada, por exemplo).
O problema chegou para outros elos da química a partir de julho de 2022, com a redução gravíssima do imposto de importação das resinas – sustentáculo econômico das centrais petroquímicas – a níveis abaixo, inclusive de países com custo de produção bem menores. Como o Brasil é price taker nesses produtos, essa redução está levando a níveis operacionais insustentáveis por conta da inviabilidade econômica da produção e da ocupação crescente do mercado por importados. Onde o ponto de corte econômico é superior a 80% do uso de capacidade, estamos mais próximos de 70%. Os níveis anteriores do imposto de importação estavam adequados a realidade econômica brasileira, e respeitavam proporcionalmente a ideia de escalada tarifária a jusante (o imposto para transformados plásticos, por exemplo, é maior, superior a 13%, enquanto o de resinas era 11,2% e baixou para a faixa dos 3% a 4%).
Tudo isso só levou a, especialmente, melhorar o ganho de produtores de resinas de outros países e de importadores, exportando emprego e renda, além de custar ao tesouro nacional mais de 1,5 bilhão de reais em um ano, em um cenário fiscal em que o Ministério da Fazenda procura equilíbrio. Sem produzir qualquer efeito positivo ao consumidor dos bens finais uma decisão “política” de comércio exterior instabiliza a produção nacional de inúmeros químicos.
É preciso reverter essa decisão que a existência de uma política industrial descartaria no nascedouro; é uma chance única para sinalizar um caminho novo e seguro em direção a reindustrialização do país, que passa por um longo prazo com um mínimo de previsibilidade e segurança jurídica. A continuar, o risco é produzir a paradoxal situação em que o país abre mão de setores que geram mais renda por equivocadas demandas de setores que geram menos, quando o caminho é preservar ambos.
Enfim, este é só um exemplo de que é preciso construir uma política industrial que permita ao país olhar não só a química, mas os demais setores industriais complexos, em toda a sua extensão, no tempo e considerando a sua intensidade tecnológica. Evitando cair nas armadilhas de decisões baseadas em situações conjunturais, duvidosas, não sistêmicas e sem nenhum impacto que melhore a situação socioeconômica presente ou futura do povo brasileiro. Pelo contrário, que apenas reduzem renda, empregos, geração de arrecadação para o governo federal e novos investimentos.
A indústria espera mais indústria no Brasil, não menos.
*Presidente-executivo da ABIQUIM – Associação Brasileira da Indústria Química