Protestos na França: agricultores franceses protestas contra o acordo UE e Mercosul (La FNSEA/Divulgação)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 12 de dezembro de 2025 às 11h49.
Com a possibilidade de o acordo entre a União Europeia e o Mercosul ser assinado no próximo sábado, 20, o agronegócio brasileiro está atento aos mecanismos de salvaguarda — medidas temporárias que um país pode aplicar para proteger sua indústria nacional de um aumento súbito e imprevisto nas importações, caso isso cause (ou ameace causar) danos graves —, que podem prejudicar os produtores sul-americanos, especialmente os brasileiros.
Na quarta-feira, 10, a Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu aprovou as regras para essas salvaguardas, que poderão ser aplicadas às importações agrícolas do Mercosul no âmbito do acordo.
As medidas definem as condições em que a União Europeia pode suspender temporariamente as preferências tarifárias sobre os produtos agrícolas do bloco sul-americano, caso eles causem impacto negativo nos produtores europeus.
Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), diz que, embora as medidas de salvaguarda não tenham impacto imediato nas exportações previstas no acordo, elas indicam uma falta de confiança entre os blocos e podem afetar futuramente os embarques para a União Europeia, caso o bloco europeu alegue que está sendo prejudicado.
"A União Europeia está tentando proteger seus agricultores, especialmente os da França, contra os impactos do acordo. No entanto, a criação de cláusulas que flexibilizam as investigações sobre danos ao setor agropecuário europeu pode ser interpretada como uma demonstração de desconfiança", afirma Mori.
As exportações agroalimentares da UE para o Mercosul devem crescer 50% com a redução das tarifas sobre produtos como vinho e bebidas (até 35%), chocolate (20%) e azeite (10%), segundo projeções da Comissão Europeia.
Parlamento Europeu: votação entre os deputados que compõem o bloco (European Union 2025)
Desde 2024, quando a assinatura do acordo entre os blocos se ganhou força, produtores europeus, especialmente os franceses e poloneses, têm protestado contra a negociação.
Eles alegam que o setor agrícola local perderá competitividade frente às commodities brasileiras, que são mais baratas. Nesse contexto, as medidas de salvaguarda são vistas como uma forma de oferecer maior previsibilidade para os agricultores europeus.
No caso do acordo entre a União Europeia e o Mercosul, as salvaguardas funcionam como um instrumento de monitoramento, permitindo à União Europeia barrar importações que prejudiquem seus produtores, avalia José Pimenta Junior, diretor de Comércio Internacional e Relações Governamentais da BMJ Associados.
Segundo ele, as salvaguardas são uma prática comum em acordos comerciais e seguem as diretrizes da Organização Mundial do Comércio (OMC).
“Nos últimos 15 anos, países têm incluído essas medidas para proteger suas indústrias. Isso dá à União Europeia a capacidade de monitorar de perto o comércio e, se necessário, bloquear importações que possam prejudicar sua indústria local”, afirma.
Após 25 anos de negociações, o Mercosul e a União Europeia fecharam, em dezembro de 2024, um acordo histórico entre os dois blocos. A expectativa é que esse tratado permita ao Brasil ampliar suas exportações agrícolas para a Europa, com destaque para setores como carnes e óleos vegetais.
Juntos, os blocos representam cerca de 718 milhões de pessoas e economias que somam aproximadamente US$ 22 trilhões.
Se aprovado, o acordo pode gerar um crescimento de 2% na produção do agro brasileiro, o que representa um aumento de US$ 11 bilhões anuais, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ressaltaram nas últimas semanas que a assinatura do acordo está prevista para o próximo dia 20. No entanto, ele ainda precisa ser aprovado pelo Conselho do Parlamento Europeu até a próxima quinta-feira, 18.
"Após isso, o acordo precisará passar pelo Parlamento Europeu, o que pode levar alguns meses. As opiniões no Parlamento estão muito divididas, com forte oposição ao acordo. No melhor cenário, não veremos a aprovação antes da Páscoa de 2026", afirmou John Clarke, ex-diretor de Relações Internacionais da Comissão Europeia e negociador comercial da UE.
Nesta semana, o ministro da Agricultura da Bélgica, um dos 27 países membros da União Europeia, declarou que o país se absterá na votação do acordo em função da falta de consenso entre os governos nacionais.
Para que o acordo entre em vigor provisoriamente, é necessária uma maioria qualificada. Caso quatro Estados-Membros, representando 35% da população da União Europeia, se oponham, o acordo não será aprovado.
Como a Bélgica exige unanimidade para adotar uma posição, o país se absterá oficialmente na votação europeia. A decisão foi tomada na terça-feira, 9.
"O acordo UE-Mercosul é importante para a Bélgica e para a Europa, tanto economicamente quanto geoestrategicamente", afirmou o ministro da Agricultura, David Clarinval.
Segundo ele, o Mercosul trará benefícios para a maioria das indústrias e setores agrícolas, como laticínios e batatas. No entanto, ele destacou que setores como produção de açúcar e carne bovina podem ser mais impactados, mesmo com as cláusulas de proteção incluídas no acordo.
A União dos Agricultores da Bélgica, por sua vez, se posicionou contra o acordo. Para Lode Ceyssens, presidente da entidade, "o acordo, tal como está, é injusto para os agricultores e engana os consumidores europeus", disse.
Segundo ela, a tratativa 'não pode garantir os mesmos requisitos de sustentabilidade e qualidade para todos os produtos'.