Toque na caixa
O estoque da sua empresa anda empacado? É hora de conhecer os depósitos que movem caixas na velocidade dos bits
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h34.
O Natal deste ano já se aproxima, mas é o Natal passado que José Luis de Souza não consegue esquecer. O presidente da Tess, operadora celular que atua em São Paulo, diz que dezembro concentra mais de 20% das vendas do ano, e o final de 2000 foi o melhor dos últimos tempos: Os celulares nem paravam no estoque. Iam do caminhão do fornecedor para o do distribuidor. Foram entregues mais de 100 mil em dez dias. Receber as 70 toneladas de carga e despachá-las para mais de 400 pontos-de-venda não era um trabalho qualquer -- e a Tess sabia disso. A solução: contratar uma empresa especializada em usar bits para mover átomos.
Cuidar de estoques sempre causou muita dor de cabeça às empresas. Afinal, produto guardado significa dinheiro parado. Bem, se a fabricação sob demanda um dia se tornar realidade, talvez possamos ver o fim de tanta prateleira. Mas não será hoje nem amanhã. Até a fabricante de computadores Dell, exemplo mundial de sintonia entre venda e produção, precisa de depósitos para seus produtos. Já que não é possível acabar com os estoques, as empresas tentam ao menos reduzi-los. E é o computador que tem ajudado nessa tarefa.
Graças à tecnologia, empresas que guardavam o equivalente a um mês inteiro de produção passaram a operar com estoques de uma semana, às vezes até menos. Isso é possível por causa de um novo tipo de prestador de serviços que tem chamado muita atenção nos últimos tempos: os operadores logísticos. A única preocupação dessas empresas é armazenar e transportar toda variedade de carga -- e para isso chegam a níveis de sofisticação tecnológica que impressionam qualquer pessoa que acha que um estoque é composto apenas de caixas e empilhadeiras (veja quadro).
A distribuição de celulares da Tess, citada no início da reportagem, é feita pela Deicmar, empresa brasileira que, em parceria com a gigante alemã Kühne & Nagel, faturou 275 milhões de reais no ano passado. Toda a ação se concentra num grande centro de distribuição, em Campinas, interior de São Paulo. Com 32 mil metros quadrados -- área equivalente a mais de três campos de futebol --, o depósito custou 15 milhões de reais e é um dos mais modernos do país. Um custo igualmente alto, mas muito mais difícil de enxergar, são os 12 milhões investidos nos sistemas informatizados que garantem a inteligência do galpão.
TEIA DE NEGÓCIOS
São sistemas de gestão, controle de estoque, logística e redes de comunicação. Tudo isso é peça-chave nesses novos centros de distribuição, diz Joachim Doeding, gerente de planejamento estratégico e marketing da Deicmar. As empresas que contratam os serviços aproveitam-se da economia em rede. Para elas, o fluxo principal é de informações, não de bens materiais. Portanto, para que os clientes tenham plena sensação de controle sobre o manuseio e a entrega dos produtos, a conversa entre os computadores das duas partes é fundamental.
Assim como muitas empresas terceirizaram a produção, agora é a vez da logística, diz Paulo Silveira, presidente da Intecom, empresa controlada pelo Grupo Martins, com participação do banco de investimento JP Morgan. No centro de distribuição da empresa, na rodovia Anhangüera, em São Paulo, o espaço é dividido entre lojas de comércio eletrônico, como Submarino e Terra Shopping, e empresas tradicionais, como Multibrás e Siemens.
A Compaq também entregou a terceiros a tarefa de administrar estoques. Queremos ter controle apenas sobre o fluxo das mercadorias, não queremos mover caixas, diz Leo Bischoff, diretor de logística para a América Latina da Compaq. A empresa usa o depósito da Deicmar, vizinho do aeroporto internacional de Viracopos, para facilitar as operações de exportação. Com o volume que movimentamos, tudo tem de ser eletrônico. Nossos sistemas se comunicam diretamente com os da Deicmar, diz Bischoff.
Terceirizar as prateleiras pode trazer muitas vantagens. A empresa passa a dispor de infra-estrutura e tecnologia que seria difícil conseguir por conta própria. Além disso, pode negociar níveis de serviço e contratar mais ou menos espaço no depósito de acordo com suas necessidades -- o que é importante em tempos de incerteza econômica.
Os ganhos com a terceirização do estoque, porém, não acontecem da noite para o dia. É normal haver um período de transição até que as operações ocorram no nível desejado. É nessa fase que se encontra a subsidiária brasileira da Rockwell Automation, uma das maiores empresas de automação industrial do mundo. A Rockwell tinha de decidir entre ampliar sua operação produtiva e aumentar seu depósito. Escolheu a primeira opção e, num fim de semana de julho, transferiu todo o estoque para o centro de distribuição da Deicmar. Ainda estamos numa fase de adaptação, mas a expectativa é de que o atendimento aos clientes se torne bem mais ágil, diz Maurício Kussaba, gerente de logística da Rockwell. Queremos que um pedido esteja pronto para sair da Deicmar e ser entregue a um cliente em no máximo quatro horas, sempre com erro zero.
Quatro horas pode parecer muito tempo, mas é o suficiente para que um pedido seja atendido no mesmo dia. Essa velocidade no atendimento é vital para alguns dos clientes da Rockwell, como Petrobras, CSN e General Motors. Às vezes, a falta de um pequeno dispositivo eletrônico fornecido pela empresa pode paralisar parte de uma plataforma de petróleo ou de uma linha de produção. Além da urgência, o que dificulta a montagem dos pedidos é a diversidade de produtos. No depósito da Deicmar, a Rockwell tem guardados cerca de 4,5 mil itens diferentes. Desde pequenos componentes eletrônicos do tamanho de um palito de fósforo até equipamentos enormes do tamanho de uma geladeira. Muitas vezes, diversos desses itens precisam ser colocados juntos e enviados ao mesmo cliente. É nessas horas que a tecnologia faz a diferença. Guardar toda essa variedade de produtos e, de uma hora para a outra, encontrar, recolher e despachar alguns deles é uma tarefa impossível sem a ajuda de softwares especiais.
CÉREBRO ELETRÔNICO
Esses armazéns têm cérebro. São os chamados sistemas de gestão de depósito, ou WMS (sigla em inglês para warehouse management system). O programa tem um mapa de todos os endereços do galpão e sabe exatamente onde está cada produto, diz Alexandre de Castro César, supervisor de planejamento logístico da Deicmar. Ele determina todos os passos necessários para completar um pedido. Para apanhar uma caixa que está no alto de uma estante, o WMS sabe que não adianta levar até lá um equipamento que transporta cargas apenas no nível do chão. É preciso mandar uma empilhadeira. Além disso, o programa determina a melhor rota dentro do galpão para que os itens de um pedido sejam recolhidos no menor tempo possível, sem idas e vindas desnecessárias. Não é uma tarefa trivial. Lembre-se: o depósito tem o tamanho de três campos de futebol e é dividido em quatro corredores largos (chamados avenidas) e em 24 corredores mais estreitos (ruas). Em cada rua, há 70 estantes (prédios), com até seis andares. Em cada andar, há duas posições para paletes (apartamentos). No total, são mais de 20 mil apartamentos. Mas a procura não pára de crescer, e o terreno vizinho já tem espaço reservado para outro galpão, de tamanho idêntico. Faltam apenas 20% para completar a ocupação total, diz o alemão Doeding. Logo estaremos em obras.
Por dentro de um centro de distribuição
Veja como a tecnologia ajuda na movimentação rápida e precisa de mercadorias em um depósito
1 Os pedidos (por exemplo: um equipamento grande e um conjunto de pequenos componentes eletrônicos) chegam via Internet ao centro de distribuição
2 Um sistema para controle de inventário checa se os itens estão disponíveis e, em caso positivo, dá baixa no estoque e emite as notas fiscais
3 Um software especial determina o melhor percurso para a entrega dos dois pedidos -- essa rota define como o caminhão será carregado (o que é entregue antes fica perto da porta, o que sai por último vai no fundo)
4 Um outro software encontra a localização exata de cada item dentro do depósito e determina como eles serão recolhidos no menor tempo possível
5 As instruções são transmitidas aos aparelhos sem fio dos funcionários mais próximos dos itens de cada pedido
6 O equipamento grande está guardado numa estante alta e o sistema sabe que, para carregá-lo, é preciso de uma empilhadeira. Os componentes menores do outro pedido são pegos um a um numa área de separação. Tudo é levado para a área de carregamento e, em seguida, colocado dentro do caminhão