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"Inovar é fazer pesquisa, não interagir com a universidade"

São Paulo, 27 de setembro (Portal EXAME) - O engenheiro eletrônico Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Unicamp, é um dos mais aplicados estudiosos de inovação no país. Começou a se dedicar ao assunto em 1994, quando comandou a pró-reitoria de pesquisa da Unicamp. Antes de se tornar reitor, foi presidente da Fundação de […]

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h29.

São Paulo, 27 de setembro (Portal EXAME) - O engenheiro eletrônico Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Unicamp, é um dos mais aplicados estudiosos de inovação no país. Começou a se dedicar ao assunto em 1994, quando comandou a pró-reitoria de pesquisa da Unicamp. Antes de se tornar reitor, foi presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estados de São Paulo (Fapesp). Leia a íntegra da sua entrevista à Exame, na qual ele destrincha a questão da inovação e diz que as empresas nacionais ainda precisam amadurecer a cultura da inovação. Cruz fala sobre a relação entre empresas e universidades, o papel de cada uma na criação de patentes, sobre políticas públicas e mostra os erros cometidos pelo país nessa área.

Exame - Existe uma fórmula para promover a inovação?

Carlos Henrique de Brito Cruz -
Todos os países que ganham dinheiro com conhecimento e inovação fazem coisas parecidas. A primeira delas é que quem lidera a atividade de inovação é sempre a empresa, não o estado nem a universidade. Esse é o enorme equívoco que esteve presente nas políticas brasileiras para inovação. Isso começou a mudar em 1998. O Brasil sempre fez uma política centrada nas universidades, em vez de centrada nas empresas. Se você fala em inovação, tem de falar em empresas. Quando o negócio é educação e avanço da ciência, aí o centro é a universidade.

EXAME - Por que o Brasil cometeu esse erro?

Cruz -
Durante muito tempo o Brasil tentou transformar a universidade em empresas inovadoras, o que é uma ilusão. Isso não era modelo em nenhum país, foi um erro de análise. Além de termos poucos cientistas no Brasil, cerca de 90 000-, 80% deles trabalham nas universidades. Todo mundo no Brasil pensa que pesquisa é assunto de universidade e isso é um erro fundamental. Os Estados Unidos têm 1 milhão de cientistas e, destes, 800 000 trabalham nas empresas. Em qualquer país - Estados Unidos, França, Canadá, Inglaterra, Austrália, Coréia do Sul, Alemanha - sempre mais de 60% dos cientistas trabalham nas empresas. Por isso eles são capazes de fazer inovações constantemente Fazer inovação tecnológica significa ter cérebros dentro das empresas para pensar nisso. Quanto mais cientistas, mais inovações.

EXAME - Como se avalia o grau de inovação de um país?

Cruz -
Tem um indicador muito comum, o número de patentes. Virou moda no Brasil comparar o número de patentes do Brasil e da Coréia. Mas aí todo mundo fala: o Brasil registra poucas patentes porque as universidades não se preocupam com isso. É um erro oceânico. Em qualquer país, 98% das patentes surgem na indústria. É ela que tem a lógica de produzir patentes e consegue isso com boas idéias. Para isso precisa de pessoas e as pessoas que têm idéias são os pesquisadores e cientistas -- não aquele estereótipo de cientista louco que fica trancado, mas gente que descobre conhecimento.

EXAME - E por que eles precisam estar empregados na empresa?

Cruz -
Porque dentro da empresa o cientista vai descobrir conhecimento que é útil, a lógica da vida dele estará organicamente ligada à da empresa, do mercado, do consumidor. Ele convive com o pessoal do departamento de marketing, de reclamações, e suas promoções estão associadas às suas contribuições.

EXAME - E como fica o papel do estado e da universidade?

Cruz -
Quando digo que o centro da inovação é a empresa, não quero dizer que não haja um papel importantíssimo da universidade e do estado. O papel do estado é criar no Brasil um ambiente que permita - quando falamos do Brasil a palavra é "permita"; quando falamos de outros países é "estimule" - à empresa se envolver em atividades importantes para inovação, se envolver em pesquisa e desenvolvimento (P&D), em design, em novas técnicas de organização. A palavra no Brasil é "permita" porque com uma taxa de juros de 18,5% por ano fica muito difícil. É mais lucrativo para a empresa por o dinheiro no banco que contratar um engenheiro. Um ambiente adequado significa estabilidade na economia, proteção da propriedade intelectual e apoio do estado - às vezes até por meio de subsídios para que as empresas possam fazer atividades exploratórias.

EXAME - O subsídio produz resultados concretos?

Cruz -
Pesquisa, seja na empresa ou na universidade, é algo que tem um risco elevadíssimo. Você faz pesquisa quando quer descobrir alguma coisa que ninguém descobriu. Nos países desenvolvidos, é normal o estado subsidiar fortemente a atividade de P&D privada. Isso é tão importante para eles que no acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) há somente dois tipos de subsídio que são explicitamente permitidos. Um é o subsídio verde, para proteção do meio ambiente, e o outro é de atividades de P&D em empresa - que pode chegar até 75% do custo total, um valor elevadíssimo. Por que esses países incluem uma coisa dessas no acordo da OMC? Porque fazem isso e precisam fazer.

EXAME - Como é isso nos Estados Unidos?

Cruz -
No caso dos Estados Unidos, o governo federal destina cerca de 35 bilhões de dólares por ano para apoiar P&D em empresas. No total, são cerca de 80 bilhões (35 bilhões para empresa, 35 para universidades e 10 para laboratórios do governo). O Brasil investe por ano 8 bilhões de dólares para serem divididos entre empresas, universidades, governos estaduais e governo federal.

EXAME - O investimento do governo na empresa acontece de que forma?

Cruz -
Via leis de incentivos fiscais. A lei de nos Estados Unidos é muito inteligente. O texto não diz que se a empresa fizer pesquisa paga menos imposto. Diz: se em um ano a empresa aumentar a pesquisa, ganha um desconto proporcional ao produzido. A lei brasileira estimula, mas poderia estimular mais se fosse mais inteligente. Por que não é mais inteligente? Porque a estrutura tributária é muito confusa.

EXAME - O que são as encomendas governamentais?

Cruz -
Essa é outra maneira de o governo financiar a pesquisa. Ele encomenda determinado produto e paga o custo do produto mais a P&D necessária para criá-lo. Muitas vezes são apenas uma ou duas unidades - como no caso de peças para o ônibus espacial. Mas há o subsídio à pesquisa para que as empresas aprendam coisas que vão usar em seus outros produtos, para venda normal no mercado.

EXAME - Há um livro nos Estados Unidos que critica essa política. E quando você compra o livro, ganha de brinde um parafuso que havia custado 19 mil dólares ao cofres públicos...

Cruz -
Mas por causa do parafuso de 19 000 dólares - que todo mundo fala mal - o mundo inteiro paga royalties para a Intel para ter o micro-circuito. Na verdade, não é preciso subsidiar coisas bestas, mas essa atividade é justificável. O subsídio será ou não bem usado dependendo de quão bem feita é a lei e quão bem sucedida é sua fiscalização.

EXAME - Qual é a responsabilidade das empresas pela falta de inovação no Brasil?

Cruz -
As empresas no Brasil têm pouca estrutura de P&D e o comprometimento delas com inovação é reduzido. Mas o mais grave é que ainda não se desenvolveu no Brasil uma cultura de que a fonte da riqueza e do poder é a capacidade que a empresa tem de inovar. Não é a capacidade de ter boas relações com políticos, de fazer boa propaganda na televisão, mas a capacidade de inovar constantemente. Esse é o cerne da questão. No Brasil, as empresas viveram sempre num ambiente muito protegido, com a economia fechada até 1990.

EXAME - A proteção do mercado foi muito maléfica?

Cruz -
Falta de competição é um veneno para a inovação, porque é a competição que move a inovação. Mas isso tem mudado. A boa notícia é que as indústrias brasileiras se adaptaram de maneira espetacular à competição no que diz respeito à capacidade de fabricação e aos programas de qualidade e produtividade. Agora elas precisam escrever o segundo capítulo, o da pesquisa, inovação, capacidade de gerar conhecimento e gerar conhecimento a partir disso.

EXAME - Quanto tempo leva para as empresas brasileiras adquirirem a competência de inovar?

Cruz -
O processo de criar uma capacidade inovadora é lento. A empresa precisa aprender, precisa ganhar cultura, demora alguns anos para chegar lá. A principal questão é como garantir que a atividade de pesquisa seja organicamente articulada com as finalidades da empresa, para que ela não vire um laboratório dissociado do negócio. Algumas empresas internacionais fazem isso distribuindo pesquisadores em todos os departamentos. A Intel faz assim. Outras, como a Bell, descobriram que para elas era melhor ter um grande laboratório de pesquisas.

Como avaliar se a empresa está no caminho correto?

Cruz -
O número de patentes gerado é um indicador. Outra boa prática é interagir com universidades. Existem excelentes pesquisadores que podem ser contratados como consultores.

EXAME - Qual é a relação ideal entre a empresa e a universidade?

Cruz -
Descobrimos que as empresas que fizeram boas interações com universidades já possuíam seus próprios pesquisadores. Para interagir com sucesso, é preciso ter pessoas que falam o mesmo vocabulário. A coisa mais importante para uma empresa ao interagir com a universidade é saber exatamente o que quer, qual o problema que ela quer ver resolvido e ter os indicadores de sucesso disso. Só quem pode fazer isso é o pessoal da empresa. A capacidade inovadora das empresas brasileiras vai se desenvolver quando elas fizerem pesquisa, e não quando elas interagirem com a universidade. A função da universidade é uma outra, bem mais complicada e importante, que é formar os pesquisadores que trabalharão nas empresas. Quando o pesquisador é bem formado e está trabalhando num departamento de pesquisa de uma empresa, ele se depara com um problema de regularidade na superfície do metal, por exemplo, passa a mão no telefone e liga para um professor da universidade que sabe bem sobre aquele assunto. Aí a interação universidade-empresa fica orgânica, fica simples, não é artificial.

EXAME - Mas as empresas americanas não usam muito a universidade para suas pesquisas?

Cruz -
Imagina-se que nos Estados Unidos a maior parte da pesquisa nas universidades seja financiada pelas empresas. Se você fizer a conta, descobre que nunca na história do país mais do que 7% do valor dos contratos dessas pesquisas foi financiado por empresas. Quem financia a atividade é o Estado, por meio do governo federal e estadual.

Fora das universidades, aí sim o capital privado é maior. Em 2000, as empresas americanas investiram 181 bilhões de dólares, mais que o dobro dos investimentos públicos. O grande incentivo à inovação não é o incentivo estatal. O apoio do estado é apenas um facilitador. Uma característica interessante nas pesquisas das empresas americanas é que elas estão progressivamente fazendo mais P&D fora dos EUA. Em 1989, 8% da pesquisa que faziam era feita fora dos EUA. Em 1998, 15%. E uma parte disso vem para o Brasil. É uma oportunidade interessante para o país. Porque mesmo sendo uma empresa estrangeira, isso ajuda a criar um ambiente propício à inovação aqui dentro. Entre as empresas que fazem pesquisa no Brasil, tem a Ericsson, a Siemens, a Motorola, a HP e as empresas automobilísticas.

EXAME - Dá para o Brasil recuperar o tempo perdido?

Cruz -
O legal da pesquisa é que, tendo número suficiente de neurônios, dá sempre para recuperar o tempo perdido. Porque pesquisa é uma coisa onde é impossível sentar nos louros. É um processo dinâmico, todo dia muda, tem descoberta nova, aparecem janelas de oportunidade interessantíssimas. A fatia brasileira nas publicações científicas mundiais é cada vez maior. Em 1980, o Brasil publicava 0,3% da ciência mundial. Hoje, 1,5%. Por causa do esforço das universidades. E essas universidades têm uma capacidade enorme de formar pessoas. Formamos mais de 6 000 doutores no Brasil, só que poucos encontram trabalho nas empresas. Mas tenho notado que, depois de 1994, com a estabilização da economia, a intensidade com a qual a palavra tecnologia faz parte do vocabulário da indústria cresceu muito. Tem muita coisa interessante acontecendo aí.

EXAME - O senhor está otimista?

Cruz -
Depois de 1998, a política do governo federal para inovação mudou para melhor. Restabeleceu-se a capacidade de financiamento da Finep, foram criados os fundos setoriais, o tema inovação entrou na agenda do governo federal (em São Paulo já tinha entrado por meio da Fapesp - Fundação de Amparo à Pesquisa do estados de São Paulo). Ao mesmo tempo, as empresas também passaram a prestar atenção nisso, a Fiesp fala disso, a CNI fala disso. Então vejo o cenário com algum otimismo, apesar das dificuldades econômicas.

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São Paulo, 27 de setembro (Portal EXAME) - O engenheiro eletrônico Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Unicamp, é um dos mais aplicados estudiosos de inovação no país. Começou a se dedicar ao assunto em 1994, quando comandou a pró-reitoria de pesquisa da Unicamp. Antes de se tornar reitor, foi presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estados de São Paulo (Fapesp). Leia a íntegra da sua entrevista à Exame, na qual ele destrincha a questão da inovação e diz que as empresas nacionais ainda precisam amadurecer a cultura da inovação. Cruz fala sobre a relação entre empresas e universidades, o papel de cada uma na criação de patentes, sobre políticas públicas e mostra os erros cometidos pelo país nessa área.

Exame - Existe uma fórmula para promover a inovação?

Carlos Henrique de Brito Cruz -
Todos os países que ganham dinheiro com conhecimento e inovação fazem coisas parecidas. A primeira delas é que quem lidera a atividade de inovação é sempre a empresa, não o estado nem a universidade. Esse é o enorme equívoco que esteve presente nas políticas brasileiras para inovação. Isso começou a mudar em 1998. O Brasil sempre fez uma política centrada nas universidades, em vez de centrada nas empresas. Se você fala em inovação, tem de falar em empresas. Quando o negócio é educação e avanço da ciência, aí o centro é a universidade.

EXAME - Por que o Brasil cometeu esse erro?

Cruz -
Durante muito tempo o Brasil tentou transformar a universidade em empresas inovadoras, o que é uma ilusão. Isso não era modelo em nenhum país, foi um erro de análise. Além de termos poucos cientistas no Brasil, cerca de 90 000-, 80% deles trabalham nas universidades. Todo mundo no Brasil pensa que pesquisa é assunto de universidade e isso é um erro fundamental. Os Estados Unidos têm 1 milhão de cientistas e, destes, 800 000 trabalham nas empresas. Em qualquer país - Estados Unidos, França, Canadá, Inglaterra, Austrália, Coréia do Sul, Alemanha - sempre mais de 60% dos cientistas trabalham nas empresas. Por isso eles são capazes de fazer inovações constantemente Fazer inovação tecnológica significa ter cérebros dentro das empresas para pensar nisso. Quanto mais cientistas, mais inovações.

EXAME - Como se avalia o grau de inovação de um país?

Cruz -
Tem um indicador muito comum, o número de patentes. Virou moda no Brasil comparar o número de patentes do Brasil e da Coréia. Mas aí todo mundo fala: o Brasil registra poucas patentes porque as universidades não se preocupam com isso. É um erro oceânico. Em qualquer país, 98% das patentes surgem na indústria. É ela que tem a lógica de produzir patentes e consegue isso com boas idéias. Para isso precisa de pessoas e as pessoas que têm idéias são os pesquisadores e cientistas -- não aquele estereótipo de cientista louco que fica trancado, mas gente que descobre conhecimento.

EXAME - E por que eles precisam estar empregados na empresa?

Cruz -
Porque dentro da empresa o cientista vai descobrir conhecimento que é útil, a lógica da vida dele estará organicamente ligada à da empresa, do mercado, do consumidor. Ele convive com o pessoal do departamento de marketing, de reclamações, e suas promoções estão associadas às suas contribuições.

EXAME - E como fica o papel do estado e da universidade?

Cruz -
Quando digo que o centro da inovação é a empresa, não quero dizer que não haja um papel importantíssimo da universidade e do estado. O papel do estado é criar no Brasil um ambiente que permita - quando falamos do Brasil a palavra é "permita"; quando falamos de outros países é "estimule" - à empresa se envolver em atividades importantes para inovação, se envolver em pesquisa e desenvolvimento (P&D), em design, em novas técnicas de organização. A palavra no Brasil é "permita" porque com uma taxa de juros de 18,5% por ano fica muito difícil. É mais lucrativo para a empresa por o dinheiro no banco que contratar um engenheiro. Um ambiente adequado significa estabilidade na economia, proteção da propriedade intelectual e apoio do estado - às vezes até por meio de subsídios para que as empresas possam fazer atividades exploratórias.

EXAME - O subsídio produz resultados concretos?

Cruz -
Pesquisa, seja na empresa ou na universidade, é algo que tem um risco elevadíssimo. Você faz pesquisa quando quer descobrir alguma coisa que ninguém descobriu. Nos países desenvolvidos, é normal o estado subsidiar fortemente a atividade de P&D privada. Isso é tão importante para eles que no acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) há somente dois tipos de subsídio que são explicitamente permitidos. Um é o subsídio verde, para proteção do meio ambiente, e o outro é de atividades de P&D em empresa - que pode chegar até 75% do custo total, um valor elevadíssimo. Por que esses países incluem uma coisa dessas no acordo da OMC? Porque fazem isso e precisam fazer.

EXAME - Como é isso nos Estados Unidos?

Cruz -
No caso dos Estados Unidos, o governo federal destina cerca de 35 bilhões de dólares por ano para apoiar P&D em empresas. No total, são cerca de 80 bilhões (35 bilhões para empresa, 35 para universidades e 10 para laboratórios do governo). O Brasil investe por ano 8 bilhões de dólares para serem divididos entre empresas, universidades, governos estaduais e governo federal.

EXAME - O investimento do governo na empresa acontece de que forma?

Cruz -
Via leis de incentivos fiscais. A lei de nos Estados Unidos é muito inteligente. O texto não diz que se a empresa fizer pesquisa paga menos imposto. Diz: se em um ano a empresa aumentar a pesquisa, ganha um desconto proporcional ao produzido. A lei brasileira estimula, mas poderia estimular mais se fosse mais inteligente. Por que não é mais inteligente? Porque a estrutura tributária é muito confusa.

EXAME - O que são as encomendas governamentais?

Cruz -
Essa é outra maneira de o governo financiar a pesquisa. Ele encomenda determinado produto e paga o custo do produto mais a P&D necessária para criá-lo. Muitas vezes são apenas uma ou duas unidades - como no caso de peças para o ônibus espacial. Mas há o subsídio à pesquisa para que as empresas aprendam coisas que vão usar em seus outros produtos, para venda normal no mercado.

EXAME - Há um livro nos Estados Unidos que critica essa política. E quando você compra o livro, ganha de brinde um parafuso que havia custado 19 mil dólares ao cofres públicos...

Cruz -
Mas por causa do parafuso de 19 000 dólares - que todo mundo fala mal - o mundo inteiro paga royalties para a Intel para ter o micro-circuito. Na verdade, não é preciso subsidiar coisas bestas, mas essa atividade é justificável. O subsídio será ou não bem usado dependendo de quão bem feita é a lei e quão bem sucedida é sua fiscalização.

EXAME - Qual é a responsabilidade das empresas pela falta de inovação no Brasil?

Cruz -
As empresas no Brasil têm pouca estrutura de P&D e o comprometimento delas com inovação é reduzido. Mas o mais grave é que ainda não se desenvolveu no Brasil uma cultura de que a fonte da riqueza e do poder é a capacidade que a empresa tem de inovar. Não é a capacidade de ter boas relações com políticos, de fazer boa propaganda na televisão, mas a capacidade de inovar constantemente. Esse é o cerne da questão. No Brasil, as empresas viveram sempre num ambiente muito protegido, com a economia fechada até 1990.

EXAME - A proteção do mercado foi muito maléfica?

Cruz -
Falta de competição é um veneno para a inovação, porque é a competição que move a inovação. Mas isso tem mudado. A boa notícia é que as indústrias brasileiras se adaptaram de maneira espetacular à competição no que diz respeito à capacidade de fabricação e aos programas de qualidade e produtividade. Agora elas precisam escrever o segundo capítulo, o da pesquisa, inovação, capacidade de gerar conhecimento e gerar conhecimento a partir disso.

EXAME - Quanto tempo leva para as empresas brasileiras adquirirem a competência de inovar?

Cruz -
O processo de criar uma capacidade inovadora é lento. A empresa precisa aprender, precisa ganhar cultura, demora alguns anos para chegar lá. A principal questão é como garantir que a atividade de pesquisa seja organicamente articulada com as finalidades da empresa, para que ela não vire um laboratório dissociado do negócio. Algumas empresas internacionais fazem isso distribuindo pesquisadores em todos os departamentos. A Intel faz assim. Outras, como a Bell, descobriram que para elas era melhor ter um grande laboratório de pesquisas.

Como avaliar se a empresa está no caminho correto?

Cruz -
O número de patentes gerado é um indicador. Outra boa prática é interagir com universidades. Existem excelentes pesquisadores que podem ser contratados como consultores.

EXAME - Qual é a relação ideal entre a empresa e a universidade?

Cruz -
Descobrimos que as empresas que fizeram boas interações com universidades já possuíam seus próprios pesquisadores. Para interagir com sucesso, é preciso ter pessoas que falam o mesmo vocabulário. A coisa mais importante para uma empresa ao interagir com a universidade é saber exatamente o que quer, qual o problema que ela quer ver resolvido e ter os indicadores de sucesso disso. Só quem pode fazer isso é o pessoal da empresa. A capacidade inovadora das empresas brasileiras vai se desenvolver quando elas fizerem pesquisa, e não quando elas interagirem com a universidade. A função da universidade é uma outra, bem mais complicada e importante, que é formar os pesquisadores que trabalharão nas empresas. Quando o pesquisador é bem formado e está trabalhando num departamento de pesquisa de uma empresa, ele se depara com um problema de regularidade na superfície do metal, por exemplo, passa a mão no telefone e liga para um professor da universidade que sabe bem sobre aquele assunto. Aí a interação universidade-empresa fica orgânica, fica simples, não é artificial.

EXAME - Mas as empresas americanas não usam muito a universidade para suas pesquisas?

Cruz -
Imagina-se que nos Estados Unidos a maior parte da pesquisa nas universidades seja financiada pelas empresas. Se você fizer a conta, descobre que nunca na história do país mais do que 7% do valor dos contratos dessas pesquisas foi financiado por empresas. Quem financia a atividade é o Estado, por meio do governo federal e estadual.

Fora das universidades, aí sim o capital privado é maior. Em 2000, as empresas americanas investiram 181 bilhões de dólares, mais que o dobro dos investimentos públicos. O grande incentivo à inovação não é o incentivo estatal. O apoio do estado é apenas um facilitador. Uma característica interessante nas pesquisas das empresas americanas é que elas estão progressivamente fazendo mais P&D fora dos EUA. Em 1989, 8% da pesquisa que faziam era feita fora dos EUA. Em 1998, 15%. E uma parte disso vem para o Brasil. É uma oportunidade interessante para o país. Porque mesmo sendo uma empresa estrangeira, isso ajuda a criar um ambiente propício à inovação aqui dentro. Entre as empresas que fazem pesquisa no Brasil, tem a Ericsson, a Siemens, a Motorola, a HP e as empresas automobilísticas.

EXAME - Dá para o Brasil recuperar o tempo perdido?

Cruz -
O legal da pesquisa é que, tendo número suficiente de neurônios, dá sempre para recuperar o tempo perdido. Porque pesquisa é uma coisa onde é impossível sentar nos louros. É um processo dinâmico, todo dia muda, tem descoberta nova, aparecem janelas de oportunidade interessantíssimas. A fatia brasileira nas publicações científicas mundiais é cada vez maior. Em 1980, o Brasil publicava 0,3% da ciência mundial. Hoje, 1,5%. Por causa do esforço das universidades. E essas universidades têm uma capacidade enorme de formar pessoas. Formamos mais de 6 000 doutores no Brasil, só que poucos encontram trabalho nas empresas. Mas tenho notado que, depois de 1994, com a estabilização da economia, a intensidade com a qual a palavra tecnologia faz parte do vocabulário da indústria cresceu muito. Tem muita coisa interessante acontecendo aí.

EXAME - O senhor está otimista?

Cruz -
Depois de 1998, a política do governo federal para inovação mudou para melhor. Restabeleceu-se a capacidade de financiamento da Finep, foram criados os fundos setoriais, o tema inovação entrou na agenda do governo federal (em São Paulo já tinha entrado por meio da Fapesp - Fundação de Amparo à Pesquisa do estados de São Paulo). Ao mesmo tempo, as empresas também passaram a prestar atenção nisso, a Fiesp fala disso, a CNI fala disso. Então vejo o cenário com algum otimismo, apesar das dificuldades econômicas.

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