País está na vanguarda da cidadania online
Ferramentas de petição e de denúncia, voltadas para a cobrança de autoridades ou para a discussão de problemas da cidade têm se proliferado pela internet
Da Redação
Publicado em 4 de setembro de 2014 às 09h15.
São Paulo - Os jovens Daniel Graf e Renata Cabrini precisavam correr para atravessar as duas vias de uma avenida da zona oeste de São Paulo porque o tempo do semáforo de pedestres era muito curto. Os dois resolveram então comunicar o problema em um site de petições e intimar o poder público a resolvê-lo.
Bastaram 700 assinaturas. O tempo do sinal foi alterado e ninguém mais precisa depender da sorte para terminar a travessia.
Já Rose de Paula, moradora da zona sul paulistana, precisou de quase 6 mil apoiadores na plataforma Change.org para impedir que as lições de música de sua filha de 8 anos fossem interrompidas, pois a sala onde ela tinha aulas daria lugar a um centro de formação profissional.
"Meu bairro é pobre. Nunca houve projeto cultural nenhum aqui. Agora que minha filha tem acesso, querem instalar isso dizendo que formar gente para serviço de telemarketing é prioritário? Não concordo", diz Rose. "Ser mais uma peça na máquina ou aprender arte? Se eu não posso dizer que tipo de formação é mais importante, eles podem?"
Ferramentas de petição e de denúncia, voltadas para a cobrança de autoridades ou para a discussão de problemas da cidade têm se proliferado pela internet , principalmente no Brasil, onde seu uso como instrumento para resolução de problemas ou engajamento em prol de campanhas vem aumentando.
No Brasil, o número de usuários do site de petição Avaaz, que se destacou na campanha em favor da Lei Ficha Limpa com a coleta de 2 milhões de assinaturas em 2010, saltou de 1,7 milhão para 7,4 milhões (crescimento de 335%) entre 2012 e 2014. Hoje, o país representa 20% de toda a plataforma.
Já o Vote na Web, que "traduz" projetos de lei em tramitação no Congresso aos usuários - que podem então votar a favor ou contra e emitir sua opinião - viu o número de usuários saltar de 13 mil em 2010 (um ano após ter sido criado) para 32 mil em 2012 (aumento de 146%) e 140 mil em 2014 (alta de 337% em relação a 2012).
Laboratório
O advogado Ronaldo Lemos, um dos idealizadores do Marco Civil da Internet , e hoje à frente do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), estreou na última semana uma espécie de catálogo colaborativo (conhecido como "wiki") de todas as ferramentas do que chama de "democracia participativa", "inovação cívica e novas tecnologias", intitulado Civviki ( itsrio.org/civviki ).
Lemos, que vê um "déficit de representatividade" no país, espera que gestores públicos, acadêmicos e cidadãos tomem conhecimento das diversas iniciativas e estudem formas de desenvolvê-las. A equipe responsável pelo projeto deve ainda traduzir a página para inglês e incluir projetos internacionais.
"O objetivo se baseia na ideia de que o Brasil vai ser o laboratório do mundo nas ferramentas de participação digital, assim como foi com o Orçamento Participativo", diz. "Isso já está se confirmando."
Miguel Lemos, cofundador da ONG Meu Rio, de 2011, que em julho expandiu a plataforma online para outros locais e mudou o nome para "Minhas Cidades", crê que "há uma onda de empreendedorismo social no país". Para ele, isso se deve à existência de uma geração empreendedora e de um ambiente favorável.
Para o advogado Ronaldo Lemos, a internet é a oportunidade para "ajudar governos" a criarem formas de "transparência e diálogo" com a sociedade. "Essas ferramentas não competem com a democracia, nem poderiam", explica.
"A ideia é tornar a democracia mais amigável para esse mundo mais conectado, mesclando a política tradicional com ferramentas online. Um dia elas serão indissociáveis."
Do lado do cidadão, as ferramentas têm atuado como instrumentos de pressão, debate, propulsores de alcance - pela exposição que ganham nas redes sociais -, criando assim conexões entre cidadãos em torno de temas em comum. "Sem elas", diz o designer Daniel Graf "minha reclamação do semáforo poderia ter caído no esquecimento".
Resposta
Em São Paulo, a plataforma Cidade Democrática já conseguiu reunir moradores da Pompeia pela internet para coletar ideias de melhoria para o bairro. Do debate online, partiu-se para encontros presenciais, e dali para o endereçamento das demandas às autoridades.
"A gente não quer pegar esse político desprevenido, mas sim que ele retome esse vínculo virtuoso de representação a partir do momento que a comunidade que ele representa diz o que quer e dentro dos recursos de que dispõe, ofereça uma solução", diz o fundador Rodrigo Bandeira de Luna.
Para ele, essa ponte se faz necessária pois o poder público "ainda não tem as ferramentas para ler isso tudo". Na opinião do pesquisador de participação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Roberto Rocha Pires, o futuro das ferramentas está na possibilidade de se poder observar o trajeto dos pleitos até o seu resultado.
"É preciso dar continuidade às relações entre cidadãos e políticos nos períodos entre eleições, entre conferências, etc", acredita. "É um caminho que tende a se fortalecer e as diferentes ferramentas estão se aperfeiçoando para dar conta disso."
Para Pedro Abramovay, ex-diretor de campanhas do Avaaz e atual diretor regional da Open Society Foundations, "os resultados das ferramentas estão ganhando força política".
"O que temos que aprimorar agora são as formas de resposta do Congresso. O que ele devia ter percebido no ano passado (referindo-se aos protestos de junho) é que quando ele não responde e se distancia da sociedade, vira o alvo."