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Mercado pressiona governo por decisão sobre a TV Digital

Diante de representantes do ministério das Comunicações e da Anatel, os principais interessados no mercado brasileiro de TV Digital manifestaram sua angústia com a indefinição do governo sobre o tema. "Se esse negócio demorar muito, a própria existência da radiodifusão brasileira pode ficar comprometida", afirmou ontem (30/9) o consultor Sávio Pinheiro, especialista no tema, durante […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h40.

Diante de representantes do ministério das Comunicações e da Anatel, os principais interessados no mercado brasileiro de TV Digital manifestaram sua angústia com a indefinição do governo sobre o tema. "Se esse negócio demorar muito, a própria existência da radiodifusão brasileira pode ficar comprometida", afirmou ontem (30/9) o consultor Sávio Pinheiro, especialista no tema, durante sua apresentação no 10oSeminário Telecom, organizado para discutir o tema "Riscos e Oportunidades na transição para a TV Digital".

Para Salomão Wajnberg, o representante no Brasil do padrão europeu DVB-T, a situação é decepcionante. "A solução que esperamos é simples. Não existem problemas", afirmou ele. "No meu tempo de ministério, os assessores técnicos levavam os documentos prontos para o ministro assinar, não para ele ficar discutindo. A questão técnica já foi debatida à exaustão. É hora de decidir. Fiquei muito assustado com o que ouvi neste painel."

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O governo estava representado por Márcio Wohlers de Almeida, assessor especial do ministro das Comunicações, por Ara Apkar Minassian, superintendente de comunicação de massas da Anatel e, indiretamente, por Ricardo Benetton Martin, gerente de inovação e tecnologia de serviços do Centro de Pesquisas Tecnológicas (CPqD), contratado pelo governo para coordenar o desenvolvimento do sistema brasileiro. Foi Benetton, por sinal, quem melhor expôs as principais dúvidas diante de todos os interessados num mercado que promete negócios de 100 bilhões de dólares em 10 anos:

1) A TV digital permite alta definição, interatividade, portabilidade e mobilidade. Cada recurso tem seus custos e o potencial de atração do consumidor é uma incógnita. Qual será o modelo de programação e serviços adotado no Brasil?

2) Qual será o modelo de implantação desses diferentes recursos ao longo do tempo?

3) Há algum modelo econômico sustentável para a TV Digital, envolvendo todas essas novidades, ou trata-se apenas de um pesado custo adicional para as emissoras?

4) Qual a rentabilidade de todo negócio, se é que se pode falar em rentabilidade?

5) A idéia de migrar o sinal das TVs de analógico para digital é liberar para um melhor uso amplas faixas do espectro de radiofreqüências hoje ocupadas de um modo muito aquém do que seria ótimo tecnicamente. Mas depois de quanto tempo deverá ser desligado o sinal analógico das TVs?

Em 2002, disse Benetton, o mundo registrou um mercado de 530 milhões de televisores, e 82 milhões de casas espalhadas pelo planeta já recebiam sinal de TV Digital. Dessas, 50 milhões tinham recepção por satélite; 29 milhões por cabo e 1 milhão pela linha telefônica. Apenas 1,6 milhão recebia o sinal digital pela TV aberta (terrestre), que tanta disputa tem gerado no Brasil entre padrões, sistemas e modelos das mais diversas origens e cores ideológicas. O Reino Unido é o país com maior índice de penetração: 40%, ou 27% por cabo, 8,3% por satélite e 4,2% pela TV aberta.

Mas, depois da falência da emissora digital iTV, o governo britânico decidiu alterar substancialmente o modelo de negócios proposto no país, de modo a dar às empresas mais flexibilidade. Ainda assim, de acordo a Consumers Association Survey de 2002, 32% dos ingleses simplesmente dizem que nunca terão um televisor digital em casa. Diante disso, disse Benetton, a maior parte dos governos tem sido conservadora em suas propostas de adoção da nova tecnologia.

O governo brasileiro acaba de publicar um decreto nomeando um grupo de trabalho com representantes de vários ministérios para decidir a política nacional sobre o assunto. "Queremos promover a inclusão digital e, para isso, é preciso ver quanto de internet poderá ser acessado pelo sistema brasileiro e pelos outros", afirmou Wohlers. "Mas o mais importante é o modelo de negócios e de serviços, que já dirige hoje a atividade de pesquisa e desenvolvimento e a definição dos sistemas."

Mas quem vive mesmo do negócio televisão parece ter muita pressa. "Já há transmissão de TV na internet sem restrições. Várias operadoras querem começar a oferecer vídeo no celular. Enquanto isso, a TV aberta vai ficando para trás", disse Carlos Britto, gerente de planejamento e engenharia da TV Globo e representante do grupo técnico SET/Abert para estudos sobre TV Digital. "Nós precisamos é fazer." Brito afirma que é interesse das emissoras oferecer, desde o início, todos os recursos possíveis para os televisores digitais, a saber:

1) Alta definição - "China, Japão e Estados Unidos, ou mais de 70% do mercado mundial, já definiram que a TV Digital será plataforma para alta definição", diz ele. "É uma loucura impossibilitar esse tipo de recurso só porque ainda é caro. Em 1982, uma antena parabólica custava 20 mil dólares. Hoje, custa 100 reais." De acordo com Britto, o preço dos televisores digitais de alta definição já caiu um quinto desde seu lançamento, em 1996.

2) Múltipla programação - "Ter múltiplos programas não vai multiplicar o mercado publicitário, mas com certeza vai multiplicar os custos de produção", diz Britto. "Mesmo assim, transmitir vários canais simultâneos pode ser importante para a estratégia de muitas emissoras."

3) Interatividade - "Essa é apenas uma das aplicações da transmissão digital. A TV interativa pura não se sustenta. O telespectador quer é ver TV, e a TV Digital não vai mudar isso", afirma ele. Britto também diz que será inviável economicamente qualquer tentativa de implantar a internet na TV de modo puro. Além do mais, para ter acesso a serviços interativos, o usuário precisa ter um canal de retorno, que hoje só pode ser oferecido pelas redes de telecomunicações. "Portanto não há possibilidade de inclusão digital pela TV com os custos de hoje. E também não é inteligente construir toda uma nova rede de canais de retorno, pois o Brasil já tem mais redes do que precisa", diz ele.

4) Mobilidade - "Isso salta aos olhos porque a audiência móvel é complementar à da TV de hoje, em que 80% do faturamento publicitário está concentrado nas 6 horas do dia que vão das 18h às 24h", afirma o especialista. "Há grande possibilidade de ampliar o faturamento nos outros horários, mas o mercado publicitário para a TV móvel competirá também com outras mídias."

5) Portabilidade - Neste ponto, Britto crê que as empresas de TV são complementares às de telecomunicações. "Nem as teles vão fazer o que a TV faz de modo economicamente viável, muito menos o contrário", diz ele. Para Britto, as fabricantes de celular poderiam incluir nos aparelhos receptores de TV digital, e as operadoras funcionariam como canal de retorno dos serviços interativos oferecidos no celular.

O ponto central defendido por Britto é que, enquanto não houver conteúdo específico para TV digital capaz de atrair a audiência, é ocioso falar em inclusão digital por meio de características técnicas. "Concordo que a TV tem seu papel na inclusão digital, mas não concordo que esse papel possa destruir a TV brasileira, que é um exemplo de sucesso", diz ele. "A indústria de bens de consumo defende que o receptor seja o mais barato possível para reduzir o custo, e incluir a alta definição aumenta o custo. Mas é um aumento de custo extremamente necessário para o futuro da TV."

Outra discussão do painel foi o desenvolvimento do sistema brasileiro de TV Digital. "Não concordamos com uma solução exclusiva para resolver problemas como a alta definição", afirma Britto. "É suicídio. Tiro no pé. Com um mercado do tamanho do brasileiro não temos escala para ser competitivos se fizermos algo muito diferente do que todo o mundo está fazendo. No final, quem vai pagar é o consumidor."

Uma proposta interessante para iniciar a implantação da TV Digital no Brasil foi apresentada por Alexandre Annenberg, diretor-executivo da Associação Brasileira de TV por Aasinatura (ABTA). Ele defende que, antes mesmo de qualquer definição sobre os padrões de transmissão digital na TV aberta, a infra-estrutura das TVs por assinatura sejam usadas como plataforma de lançamento. Desse modo, segundo Annenberg, poderiam ser atingidas 20,7 milhões de casas. No caso da TV por cabo, 40% dos assinantes já estariam prontos para receber os serviços interativos, pois os canais são bidirecionais. "Em vez de investir na transmissão, podemos investir na recepção", afirma ele. Assim, haveria uma espécie de campo de provas para todos os modelos de negócio que depois poderiam ser transplantados e popularizados pela TV Digital aberta. "Mas temos de agir logo, ou então perderemos a oportunidade", diz Annenberg. De acordo com Britto, a proposta da ABTA é "inteligentíssima". "Sem a ação do governo, essas coisas podem até acontecer naturalmente", afirmou ele. Mas trata-se, no máximo, de um paliativo temporário para acelerar as coisas. Quase todos os presentes ao debate continuam aguardando, para logo, a tal "ação do governo".

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