Tecnologia

Leia a íntegra da entrevista com o presidente mundial da AMD

Hector Ruiz falou a EXAME sobre gestão e a indústria de computação

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h42.

O mexicano Hector Ruiz, presidente mundial da AMD, conversou com EXAME por telefone durante 45 minutos. Falou da competição feroz com a Intel, dos rumos da indústria da computação, de computadores para pobres e de seu estilo de gestão. Leia a íntegra da entrevista.
 
EXAME: A AMD conseguiu vitórias técnicas importantes contra a Intel, mas ao que parece sua concorrente agora o alcançou com sua nova linha de produtos.
Hector Ruiz: É verdade que a Intel reagiu ao nosso sucesso. Eles redesenharam o mapa estratégico. O que você vê agora é a empresa abandonar o que sempre fez para tentar nos acompanhar. Respeitamos o progresso que eles obtiveram, mas no fim das contas é preciso ter cuidado na hora de fazer avaliações desse tipo. Nas áreas em que escolhemos ser líderes, continuamos a ter a dianteira, por exemplo em servidores, medidos em performance por watt. A prova disso está nos nossos clientes. HP, IBM, Sun e Dell anunciaram novos produtos baseados em nossos chips.
 
EXAME: Como o senhor vê o futuro dessa concorrência?
Ruiz: Nós somos uma empresa muito diferente. Antigamente, fazíamos só chips para PCs. Era fácil pintar um alvo nas nossas costas e atirar. Hoje, todos os fabricantes usam nossos chips, em todas as partes do mundo. Não é fácil para os concorrentes nos atingir. Além disso, nossa posição é muito mais forte do ponto de vista da tecnologia. Portanto, vejo o futuro com uma competição cada vez mais intensa de nossa parte.
 
EXAME: No passado, a indústria competia em velocidade. Agora parece surgir uma nova medida: quantos núcleos é possível colocar em um único chip. Não há o risco de começar uma nova corrida que igualmente não faz sentido para o consumidor?
Ruiz: Não é um risco. Os consumidores não querem mais saber do detalhe da tecnologia. Eles estão interessados em saber da relação custo-benefício. Um, dois ou quatro núcleos não faz diferença.
 
EXAME: A AMD acaba de adquirir a ATI (empresa fabricante de placas de vídeo) O senhor diz que a evolução dos processadores será em termos gráficos. O que quer dizer com isso?
Ruiz: Estamos inventando um novo tipo de produto, que vai ser capaz de fazer o trabalho tanto da CPU quanto da placa de vídeo. Nos computadores do futuro, a capacidade gráfica será cada vez mais importante. E por isso a aquisição da ATI é tão importante. Agora, sob um comando único, será possível alinhar esse desenvolvimento.
 
EXAME: Os vídeos vão ser um impulso importante no desenvolvimento da tecnologia de processadores. Mas, além do PC, há um número cada vez maior de equipamentos que competem pela condição de serem o centro de mídia digital da residência, como videogames, gravadores digitais etc. Isso é de alguma maneira uma ameaça?
Ruiz:
Acredito que haverá mercado para todos. Essas iniciativas de venda de vídeos pela internet, mesmo que usando um console de videogame, são boas para nós, pois ajudam a criar o mercado. Elas despertam curiosidade pelos vídeos, e isso é bom para nós no fim das contas.
 
EXAME: Como o aquecimento global e as preocupações com economia de energia vão afetar a indústria de tecnologia?
Ruiz: As empresas têm uma grande preocupação com o consumo de energia. Um grande data center hoje tem um consumo equivalente ao de uma cidade de 150.000 pessoas. Estamos falando de prédios que têm o tamanho de um quarteirão. Mesmo pequenos ganhos de eficiência já podem fazer uma grande diferença. E acredito que isso também vai ser uma preocupação dos consumidores. Já existem casas com vários computadores. Imagine o dia em que houver servidores para distribuição de vídeo, um PC para TV de alta definição. Isso também será percebido como um grande consumidor de energia.
 
EXAME: Há cinco anos, uma fabricante de chips chamada Transmeta nasceu justamente com essa missão: criar processadores que consumissem menos energia. Ela fracassou. É possível uma revolução técnica nessa área ou vamos sempre caminhar com ganhos incrementais?
Ruiz: Acredito que toda a indústria precise se reavaliar do ponto de vista do consumo de energia. A Transmeta tinha uma idéia excelente, mas os produtos não eram tão eficientes assim, e a performance também não era boa. Mas nós já aprendemos que esse é um problema que precisa ser atacado de vários lados. Por exemplo: as fontes de energia são muito pouco eficientes em grandes data centers. Precisamos trabalhar com esses fornecedores para aumentar a eficiência de 80% para 99%. Isso representaria uma economia enorme. Outro ponto: o ar-condicionado. Hoje, o resfriamento de uma sala de computadores é feita basicamente com equipamentos comuns. É preciso criar sistemas especializados, que sejam mais econômicos. Somando todos esses fatores, você pode chegar a uma mudança muito grande no perfil de consumo da indústria tecnológica.
 
EXAME: O senhor acredita que os investidores vão avaliar empresas como a AMD não só pelo lado financeiro, mas também pelo impacto ambiental, mesmo que indireto?
Ruiz:
Bem, não sei dizer. Mas espero que isso se torne uma realidade, e que companhias responsáveis e que demonstrem preocupação com o meio ambiente sejam mais bem avaliadas pelos investidores.
 
EXAME: Fala-se muito aqui no Brasil em levar a tecnologia para os mais pobres, e esse é um assunto muito importante também no país de origem do senhor, o México. O senhor acredita em computador para esse tipo de consumidor?
Ruiz:
Eu colocaria a questão de outra maneira. Acredito que nos mercados emergentes, que têm grandes populações de baixa renda, temos de encontrar uma maneira para tornar a tecnologia mais acessível. Quando se fala em computador para pobres é fácil pensar em baixa qualidade e poucos recursos. Mas isso está errado. Essa população pode ser um impulso importante para a indústria. Quem conseguir atender às necessidades de países como México, Brasil e Índia vai reinventar a tecnologia.Veja o laptop de cem dólares (projeto OLPC, sigla em inglês para um laptop por criança). Ele foi pensado de maneira revolucionária. Acredito que ele vá realmente chegar ao preço de cem dólares em um ou dois anos. O OLPC foi desenhado para estudantes, mas acredito que essa história possa se repetir também para o consumidor de baixa renda, por exemplo.
 
EXAME: Mas o laptop de cem dólares não é basicamente um computador despojado de várias funções?
Ruiz: Não. Ele é um instrumento educacional que tem muito mais funções que um computador tradicional. Há coisas ali que nem o mais caro dos laptops consegue fazer, do ponto de vista educacional. Acredito que esse é o primeiro de uma série de inovações voltadas para esse público de baixa renda. Podemos pensar em um equipamento para agricultores, outro para pequenos negócios. Quem precisa de transporte básico para ir ao trabalho não precisa de um Rolls Royce.
 
EXAME: E quanto às críticas sobre a outras necessidades dos estudantes de países pobres, como, por exemplo, melhores escolas, professores mais bem treinados e assim por diante? Ter um computador não resolve essas questões.
Ruiz: Bem, esse é um debate filosófico, e eu entendo por que as pessoas podem pensar assim. Mas, se você visse o que eu já vi, saberia que as crianças aprendem a mexer no computador sozinhas. Elas não precisam ser treinadas. São muito mais rápidas que os professores. Esse tipo de equipamento dá poder às crianças e pode ajudá-las a aprender mais e mais rápido. A visão tradicional é comprar um PC e ensinar o professor a usá-lo. Mas na prática isso não funciona. Os professores demoram a aprender e os computadores ficam juntando poeira. Dê a máquina para as crianças!
 
EXAME: Fala-se muito na oportunidade de negócio representada pela indústria da saúde. Mas, se o impacto é tão grande assim, por que vemos tão pouco na prática?
Ruiz:
A indústria de tecnologia ainda não foi criativa e inovadora o suficiente para entender as necessidades da saúde. Algo vai ter de acontecer. Talvez um lampejo de uma grande empresa, talvez o surgimento de uma nova idéia. E também sentimos falta de ajuda dos governos e das instituições no sentido de nos guiar de maneira mais eficiente.
 
EXAME: Por que não é possível ter uma fábrica de microprocessadores no Brasil?
Ruiz:
O mais importante é o ecossistema no país. É preciso ter muita energia elétrica, por exemplo. Além disso, é fundamental ter pessoas de alto nível para trabalhar nas fábricas. Países como o Brasil têm uma série de desafios a vencer, em saúde, em educação e assim por diante. Por isso é difícil que esses países priorizem a criação desse ecossistema para a instalação de uma fábrica de processadores. Nos Estados Unidos, na Europa e em algumas partes da Ásia os investimentos foram feitos. Mas espero ver uma fábrica em um país emergente um dia, pois é o tipo de investimento que compensa.
 
EXAME: Vamos falar agora sobre o seu estilo de gestão. Qual foi sua melhor decisão de negócios?
Ruiz:
Melhor decisão? (risos) Contratar as melhores pessoas.
 
EXAME: E quem são essas pessoas?
Ruiz: São inteligentes, têm integridade, gostam de correr riscos, entendem o interesse da empresa e sabem que as pessoas são o patrimônio mais importante que temos. Quando você entrevista as pessoas, percebe essas características rapidamente.
 
EXAME: A decisão do caso antitruste com a Intel foi adiada. Algum comentário a respeito?
Ruiz: Bem, vamos ter de esperar mais um pouco, mas continuamos confiantes. Poderíamos ter uma posição ainda melhor no mercado. Queremos acabar com o estrangulamento do monopólio. Quando isso acontecer, ganharemos não só nós, mas todo o mercado.
 
EXAME: O senhor vem de origens humildes. Qual é o segredo para ter sido tão bem sucedido?
Ruiz: Nunca planejei ser um líder nem acredito em sorte. Mas tenho uma convicção: se você estiver bem preparado, contar com uma boa educação e fizer as coisas com amor, as portas se abrirão. Também não posso esquecer que tenho uma família maravilhosa. Isso certamente me ajudou muito.
Acompanhe tudo sobre:[]

Mais de Tecnologia

Coração artificial de titânio é implantado pela primeira vez em um humano

Conheça a WikiFauna, as criaturas fantásticas que mantêm a Wikipedia viva

Aplicativos de namoro perdem popularidade enquanto solteiros buscam experiências offline

Google aposenta Chromecast e lança TV Streamer com IA

Mais na Exame