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Involves: o negócio como música

Por acaso, startup de Florianópolis criou uma plataforma de trade marketing e se tornou destaque no setor

SEDE DA INVOLVES, EM FLORIANÓPOLIS: ambiente descontraído e salas de reunião com nomes de músicos. Faturamento da startup deve chegar a 22 milhões neste ano. / divulgação
GK

Gian Kojikovski

Publicado em 9 de maio de 2017 às 19h16.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h21.

A banda composta por André Krummenauer, Leonardo Coelho e Rodrigo Lamin, chamada Hot Pants, vivia (e se divertia) de tocar Rock’n Roll em casas noturnas e pequenos festivais na região de Florianópolis, mas era diferente das outras com as quais compartilhava palcos. Chegava cedo para a passagem de som dos shows, fazia ensaios organizados e controlava com todo o cuidado o fluxo de caixa do que ganhava com as apresentações. Por coincidência, os colegas de outra banda, a Grilo Joe, Guilherme Coan Hobold e Pedro Galloppini e o amigo Gabriel Nunes Menezes, que não sabia tocar e ajudava carregando os instrumentos, também seguiam o mesmo perfil. Conhecidos da época de colégio e dos palcos, os integrantes se juntaram em 2008 para realizar um desejo em comum dos seis. O projeto que saiu da união não foi uma banda maior, mas uma empresa de desenvolvimento de software.

“Já levávamos as bandas como se fossem empresas, o que fizemos foi mudar de setor”, diz André Krummenauer, sócio e diretor financeiro da Involves, uma startup que produz uma plataforma de gerenciamento e marketing para auxiliar promotores em pontos de venda. A primeira ideia trabalhada, no entanto, foi a de um sistema de gestão para empresas que organizam festas de formatura. Instalados em um quarto na casa dos pais de Rodrigo, hoje presidente da empresa, os sócios passaram também a desenvolver outros projetos, como a criação de sites e de software sob demanda. A empresa ia bem, principalmente para o sustento dos seus sócios, mas não era uma dessas histórias de startups de rápido crescimento que multiplicam de tamanho a cada ano e se tornam expoentes do setor. Ainda. Um pedido específico de uma agência de merchandising mudou o rumo dos jovens.

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A agência precisava de um aplicativo para smartphones que possibilitasse que os promotores de venda da indústria que trabalham em campo — supermercados, por exemplo — inserissem os preços da própria mercadoria e da dos concorrentes naquele local para que, com essas informações, fosse possível fazer o trabalho de inteligência interna. Esses promotores também organizavam a exposição e venda dos produtos, o chamado trade marketing. A iniciativa é comum no varejo, mas antes da tecnologia era feita com base em anotações e planilhas, que eram digitalizadas e mais tarde enviadas a gestores. Em resumo, até que a informação lá da ponta da cadeia fosse analisada e se transformasse em algo útil para ser aplicado no mercado, um bom tempo já teria se passado. Um aplicativo que agilizasse o processo, dessa forma, seria de grande valor. “O que acontece nos pontos de venda geralmente é uma informação que fica limitada à loja, dificilmente volta para a indústria. Quando se tem o controle do que acontece lá na ponta, o fabricante de bens de consumo tem maior precisão na tomada de decisões que impactam sua rentabilidade”, diz Rubens Sant’Anna, professor de trade marketing ESPM e autor do livro planejamento de trade marketing.

Mas quando a Involves terminou o projeto, em 2011, teve uma surpresa negativa. A agência que a contratou alegou que não tinha mais condições financeiras de arcar com a compra do software, que era o modelo de negócios com o qual a empresa funcionava até então. Foi quando um estalo entre os sócios fez com que houvesse uma contraproposta. A agência pagaria uma licença mensal para poder utilizar o que havia encomendado desde que a Involves pudesse vendê-lo nos mesmos moldes também para outras agências, ou mesmo diretamente para indústrias. O modelo, conhecido como Saas (ou software como serviço, na tradução da sigla para o português), estava se tornando uma tendência na época, e a startup resolveu testar sua eficácia.

O Agile Promoter, nome do produto, passou desde então a ser o carro-chefe da empresa, que aos poucos deixou de lado suas antigas vocações. O Agile, claro, evoluiu muito e hoje possibilita que as empresas que cuidam do merchandising dos produtos nas prateleiras dos pontos de venda façam a gestão completa de dessa ponta da cadeia, facilitando a gestão das equipes, o ponto eletrônico dos funcionários, a comprovação de visitas, relatórios do que cada promotor e do que a concorrência estão fazendo e o seguimento do padrão do manual de exibição dos produtos, o que, na prática, pode aumentar a visibilidade e, consequentemente, as vendas. “A internet já começou com essa cultura de métricas. O varejo surgiu do escambo. Gerar métricas sobre a venda, ao mesmo tempo que é algo muito rico para a indústria, é um desafio enorme”, diz Sant’Anna.

Longe dos fundos

Toda essa mudança na Involves aconteceu em 2011 e, desde então, a empresa vem multiplicando de tamanho, crescendo mais de 100% ao ano. Encerrou 2016 com um faturamento de 11 milhões de reais e o objetivo de atingir 22 milhões no final de 2017. Os funcionários também aumentam em ritmo parecido. Dos seis sócios em 2010, passaram a 90 trabalhadores em dezembro. Hoje são 112 e ainda existem 21 vagas abertas. Com isso, a startup acabou de se mudar para um prédio de quatro andares que será totalmente ocupado pelos funcionários e pelos ambientes de “descompressão” — uma moda do setor -— com pufes, mesas de jogos, bares, entre outras coisas. As salas de reunião levam o nome de músicos, para não ficar longe das origens, e um pequeno estúdio com instrumentos fica no terraço.

Hoje, a Involves tem como clientes grandes empresas, como L’Oreal, Nestlé, Motorola, Bosch, Tramontina e Samsung. Como o contrato é mensal, os clientes podem encerrar a parceria quando quiserem. “Isso faz com que nosso foco esteja em resolver os problemas dos clientes. Não queremos prendê-los com contratos longos”, diz André. A empresa opera em 11 países além do Brasil, de onde vem 10% do faturamento. O planejamento é que esse valor suba para 50% em cinco anos.

Mas casos de empresas inovadoras que começam por uma coincidência, encontram um nicho de mercado e crescem de forma super-rápida pipocam por todos os lados e também em Florianópolis, que tornou-se um dos principais centros de inovação do país – são mais de 900 empresas e um faturamento combinado de 4,3 bilhões de reais. O que faz a história da Involves ser tão particular é o fato de os sócios nunca terem pego financiamento com fundos de investimento para acelerar o crescimento, algo raro nos dias de hoje para startups que evoluem tão rápido.

A estratégia, logicamente, tem pontos positivos e negativos. Entre as vantagens estão o fato de que os sócios mantém grande participação sobre a empresa e a startup é forçada a procurar o lucro desde o início para sobreviver. Se isso acontece sem limitar o crescimento, o cenário é o ideal. Por outro lado, pode diminuir o acesso à experiências que normalmente são trazidas por fundos, quase sempre formados por investidores com outros empreendimentos no histórico. Outro grande risco é a falta de conexões com outras startups e possíveis clientes que podem fazer parte do network trazido pelos investidores, além de possíveis limitações da falta de capital. Uma pesquisa feita pelo jornal Wall Street Journal em 2015 com 460 empresas que nunca haviam recebido investimento nos Estados Unidos mostrou que 42% dos presidentes dessas startups consideravam que o principal obstáculo para o crescimento era a falta de dinheiro.

Um problema adicional para a Involves é a competição. Embora tenham desenvolvido do zero seu sistema, ele não é uma novidade completa no mercado. Grandes empresas, como Nielsen, fazem soluções parecidas. No mundo, cerca de 90 soluções podem concorrer com a empresa em algum grau. O software da Involves, no entanto, prega ser mais fácil de usar e específico para resolver problemas do ponto de venda do que a concorrência. Assim, o desafio dos jovens músicos está em mostrar isso para o mercado.

Com base nisso, a principal aposta da startup catarinense está em focar seu futuro em desenvolver de forma mais autônoma o próprio produto. Até agora, as melhorias aconteciam principalmente pela demanda do mercado. Uma empresa precisava de uma ferramenta diferente, ela era construída e implementada. Recentemente, parte dos sócios foi até o Vale do Silício para estudar especificamente este assunto e como passar a fazer com que a evolução do Agile seja pensada internamente. Isso pode ser mais distuptivo para o mercado do que simplesmente atender o que os clientes precisam, mas também aumenta o risco de erro. O jazzista Louis Armstrong dizia que “músicos não se aposentam, param quando não há mais música neles”. Ao que parece, a equipe da Involves está procurando música em outros lugares.

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