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Dekila Chungyalpa: a fé pela conservação

São Paulo - Quase 80% da população mundial segue algum tipo de fé. Entre eles, cerca de 2 bilhões de cristãos, 1,3 bilhão de muçulmanos, 950 milhões de hindus, 200...

Dekila Chungyalpa (@WWF/James Morgan)
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Da Redação

Publicado em 3 de setembro de 2013 às 13h27.

São Paulo - Quase 80% da população mundial segue algum tipo de fé. Entre eles, cerca de 2 bilhões de cristãos, 1,3 bilhão de muçulmanos, 950 milhões de hindus, 200 milhões de budistas e muitos outros seguidores de outras religiões.

Para a WWF - World Wildlife Foundation, muitas das áreas de conservação mundiais são sagradas, com raízes profundas religiosas e tradições culturais, entre elas, a Amazônia. Esses lugares enfrentam inúmeras ameaças: desmatamento, poluição, extração predatória de recursos, aumento do nível do mar e derretimento das calotas polares. Essas ameaças não colocam em risco apenas a integridade dos ecossistemas, mas também empobrecem e deixam vulneráveis as pessoas que lá vivem.

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Por isso, a organização internacional criou o Programa Terra Sagrada* - uma plataforma para instituições e líderes religiosos interessados em proteger a biodiversidade, os recursos naturais e os serviços ambientais. "É uma porta que faz a conexão entre eles e nós, para que se tornem mensageiros da conservação", explica Dekila Chungyalpa, diretora do programa.

Segundo ela, para as pessoas, há uma grande diferença entre ouvir um noticiário sobre preservação ambiental e o líder religioso de suas comunidades falar sobre o mesmo assunto. "Não é a TV, não é uma ONG, mas uma pessoa que ela confia, com quem ela tem um relacionamento sagrado. O que eles pedem para ser levado em consideração se torna sagrado também", diz. Saiba mais a respeito da iniciativa no vídeo abaixo (em inglês):

//www.youtube.com/embed/oO2nK7xT-V8

Dekila está no Brasil como participante das ações da WWF na Jornada Mundial da Juventude. Em 25/07, ela convocou jovens católicos e líderes sociais brasileiros a protegerem a Amazônia, em seguida, concedeu entrevista exclusiva ao Planeta Sustentável.

Como está sendo a experiência com a Jornada Mundial da Juventude até agora?
Maravilhosa! Realmente inspiradora. Mais inspirador ainda ouvir o Papa se preocupando tanto com os pobres e falando diretamente com os jovens para que eles se inspirem para praticar ação social. É muito importante que esses jovens sejam energizados e sintam que podem desenhar seu próprio futuro rumo a um planeta mais sustentável.

Você acredita que o Papa passará adiante a mensagem de conservação da Amazônia?
Nós realmente esperamos que sim, afinal, ele é um líder forte na América Latina; alguns até o chamam de o Papa dos Pobres. Mas é claro que existem questões impactantes que precisam ser mencionadas - incluindo assuntos ambientais, como os impactos das mudanças climáticas, o número crescente de desastres naturais, as enchentes, as secas. E, claro, a Amazônia é crucial. Ela é o pulmão do mundo. Não é importante apenas para as pessoas que moram aqui, mas também para todo o globo. O que todos sabemos a respeito da Igreja Católica é que é uma entidade global, maior do que qualquer nação.

[quebra]

Ela não tem fronteiras como países têm. Se o Papa falar da necessidade de proteção à Amazônia, então católicos de todo o mundo se preocuparão com a questão também. Essa é nossa maior esperança.

Está nos planos da Terra Sagrada trabalhar na floresta amazônica este ano. O que vocês farão lá? Este trabalho está relacionado a suas ações na Jornada Mundial da Juventude?
Sim, a JMJ faz parte desse movimento. Nós lançamos quatro vídeos sobre questões ambientais e eles estão sendo exibidos agora em Copacabana, com o objetivo de promover educação ambiental. Um vídeo em especial é apenas sobre a Amazônia, para fazer os brasileiros entenderem a importância do que possuem e o legado desse imenso ecossistema vivo. A Igreja Católica pode agora repassar essa mensagem para as pessoas com as quais já fala com frequência e que não prestam atenção nas ONGs, nas entidades que tentam proteger o meio ambiente e até mesmo no governo. Nós vemos que os líderes religiosos conseguem motivar e fomentar a ação social, então pedimos que eles trabalhem em parceria com a gente para proteger toda a criação.

Você defende que existe uma relação forte entre meio ambiente e o budismo. Quais são as bases dessa conexão?
Todas as religiões organizadas têm valores similares. Um dos mais fortes desses valores é que acreditamos que nosso "eu" individual faz parte de algo maior. Mesmo que acreditemos que fomos feitos por Deus ou que fazemos parte do universo, entendemos que somos chaves de um ecossistema maior. Isso é algo que a ciência da conservação defende e que pessoas que seguem alguma fé entendem. É um entendimento comum. Uma das coisas que precisamos mudar sobre o que pensamos do desenvolvimento, sucesso econômico ou crescimento econômico é que essa conexão com a natureza está ligada ao mundo à nossa volta. Essa conexão foi quebrada e estamos cada vez mais afastados da natureza. Aliás, estamos tão desconectados do meio ambiente que não percebemos isso. Uma das coisas que a religião faz é nos incentivar a mudar, tenta nos transformar em seres humanos melhores. Todas as religiões fazem isso. Se a religião comunicasse, de alguma forma, que ser fiel envolve cuidar dos pobres, das pessoas vulneráveis e da natureza, isso seria imensamente poderoso.

Você pode dar exemplos de ações bem-sucedidas adotadas por monges, freiras, padres e pessoas de outras fés que participaram do Programa Terra Sagrada e se tornaram líderes ambientais?
Trabalhamos com mais de 55 monastérios no Himalaia, na Índia, no Nepal, no Butão, no Tibet. Todos eles estão focados em projetos ambientais, tais como reflorestamento, limpeza de rios etc. Também trabalhamos com outras fés. No leste da África, líderes religiosos trabalham com proteção de vida selvagem. Hindus, cristãos, muçulmanos e outras fés tradicionais se comprometeram a proteger a vida selvagem e impedir otráfico de animais. Outros líderes da Tailândia também estão se preparando para o maior seminário budista que acontece no país para ensinar monges. Como explicar a ciência da conservação para eles? O que é o ciclo da água? Por que estamos todos conectados uns aos outros? Por que as mudanças climáticas impactam o mundo todo? E qual é a relação de tudo isso com os líderes religiosos? Essa é a chave do Programa. O que oferecemos: se você precisa entender o que pode fazer para ajudar a salvar o meio ambiente, se você se importa com ele, nós podemos encontrar recursos e ajudar você a realizar seus planos.

[quebra]

Além da proteção à vida selvagem, que outras mensagens pró meio ambiente líderes religiosos entregam às comunidades em que atuam?
No Himalaia, falam da importância da limpeza dos rios, de como eles precisam ser protegidos, além de alertarem os fiéis contra o desmatamento, falarem das terras degradadas e, em decorrência delas, dos deslizamentos, que são muito perigosos. Os monastérios se mobilizam, então, para plantar e cuidar dessas terras degradadas. Nos EUA, estamos apoiando líderes religiosos para que falem sobre mudanças climáticas.

Na Catedral Nacional, em Washington, certo? Como está esse trabalho? Esse tema é mais complexo de trabalhar do que causas pelos animais, ou não há diferença?
Sim, é nessa Catedral e está muito bom e interessante. Mas existem muitos equívocos quanto às mudanças climáticas. O Papa Francisco acredita - assim como os Papas Bento XVI e João Paulo II acreditavam - que as mudanças climáticas são reais. Eles diziam: "Isso está realmente prejudicando os pobres". Especialmente o Papa Bento XVI, que pediu por uma reforma global para mitigar as mudanças climáticas. As pessoas ficam bastantes surpresas quando eu digo isso porque acham que a religião não se envolve, não tenta encontrar uma solução para as mudanças climáticas. Mas o Vaticano, por exemplo, é - e eles deveriam se orgulhar - o primeiro país no mundo que é carbono neutro. Esse é um exemplo ótimo. Particularmente, não é muito difícil, trabalhar com mudanças climáticas com líderes religiosos, mas a questão é: como encontraremos um jeito de comunicar a mudança do clima de forma que as pessoas a entendam? A dificuldade é que as pessoas frequentemente têm suas próprias formas de interpretar a ciência.

Qual é o maior desafio em treinar os líderes religiosos do Programa para que eles repassem a mensagem da sustentabilidade aos fiéis?
Tudo começa com conversa. Nós apresentamos o que sabemos e pedimos que, se interessados, eles nos contatem sempre para que possamos oferecer capacitação e treinamento. Mas, honestamente, eu acho que o coração de qualquer parceria surge quando duas pessoas - ou instituições - querem trabalhar juntas. Eu faço este trabalho há 12 anos e o que tenho visto é que, na verdade, líderes religiosos se importam com o que está acontecendo com sua comunidade, mais do que qualquer outra pessoa. Então, somos capazes de mostrar como a devastação ambiental torna os pobres mais vulneráveis do que outras pessoas. Esta é a conexão instantânea que conseguimos fazer neste ponto. Então, de fato, os líderes religiosos podem ser nossos maiores aliados.

Tem algo mais que você gostaria de acrescentar?
Nós criamos este Programa porque vemos que temos dois caminhos a seguir. Um deles é um caminho muito perigoso, que leva à calamidade, e é nele que estamos hoje. O outro é quando vivemos em harmonia com a natureza e com os outros, baseados na colaboração, na compaixão e na gentileza. Para este último, é preciso liderança e resgatar aquilo que realmente importa para nós, em nível individual e global. Todas essas atitudes e formas de pensamento que listei agora caem naturalmente no mundo religioso, onde as pessoas se inspiram a desenvolver essas qualidades.

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