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Crescimento da ciência e tecnologia não cabe só ao poder público, diz ministro

O ministro Roberto Amaral, de 63 anos, ficou conhecido como o ministro bomba-atômica em um episódio controvertido logo no início de seu mandato. Nascido em Fortaleza, no Ceará, e radicado no Rio de Janeiro há 33 anos, Amaral é formado em direito e filosofia. É professor da PUC-RJ e autor de mais de 20 livros […]

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h35.

O ministro Roberto Amaral, de 63 anos, ficou conhecido como o ministro bomba-atômica em um episódio controvertido logo no início de seu mandato. Nascido em Fortaleza, no Ceará, e radicado no Rio de Janeiro há 33 anos, Amaral é formado em direito e filosofia. É professor da PUC-RJ e autor de mais de 20 livros nas áreas de ciência política e direito. Sua atuação político-partidária iniciou-se na década de 60, quando foi vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Após a democratização do país, Amaral foi um dos fundadores do PSB (Partido Socialista Brasileiro), o mesmo partido do atual secretário de segurança pública do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho -- um dos mais ácidos oposicionistas do governo Lula. Em entrevista concedida a EXAME, Amaral fala sobre essa questão, sobre o episódio bomba-atômica e, especialmente, sobre os rumos que pretende dar ao desenvolvimento da ciência e tecnologia no país. Acompanhe:

Qual foi a missão que o senhor recebeu do presidente Lula quando foi nomeado ministro da ciência e tecnologia?

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O governo do presidente Lula tem uma meta que vamos cumprir no Ministério da Ciência e Tecnologia. Essa meta é a desconcentração.

Desconcentração do quê?

De tudo. Desconcentração de renda, de riqueza, da terra, desconcentração do desenvolvimento regional e, portanto, desconcentração da ciência e tecnologia. O país não pode ser um deserto de ciência e tecnologia com alguns poucos bolsões de excelência. Temos de fazer com que todo país participe tanto do esforço, quanto do usufruto dos seus resultados.

E como o senhor pretende fazer isso?

Aí são quatro anos de trabalho. Uma das primeiras coisas que temos a fazer é disseminar a consciência de que o esforço de desenvolvimento da ciência e tecnologia não cabe apenas ao poder público. Se continuarmos pensando dessa forma, não avançaremos mais. O poder público tem limites de recursos.

O senhor quer dizer que o esforço para o desenvolvimento da ciência e tecnologia cabe às empresas?

Sim. Veja o exemplo dos Estados Unidos. Enquanto 75% dos doutores e engenheiros americanos trabalham na iniciativa privada, esse índice não chega a 10% no Brasil. Por aqui, 80% dos doutores trabalham em universidades. E por que isso? Porque se formam e não encontram empresas onde possam continuar pesquisando, desenvolvendo projetos. Olha o absurdo: levamos 14 ou 15 anos para formar um doutor ao custo de 250 000 dólares. Ele se forma parte na universidade pública brasileira, parte no exterior, onde vai cursar doutorado ou pós-doutorado com bolsa pública. Quando volta para o Brasil, não encontra emprego. Temos de mostrar que a iniciativa privada precisa investir em pesquisa e desenvolvimento de ciência e tecnologia. É um trabalho árduo, demorado, mas precisamos enfrentá-lo. Não estou dizendo que a iniciativa privada é responsável por esse atraso. O país avançou bastante nos últimos anos na área de ciência, mas está profundamente atrasado na área de tecnologia. Ou seja, na área de aplicação, que é competência da empresa. Não dá para cobrar da universidade a aplicação.

Mas quem são os responsáveis por essa situação, então?

Os responsáveis são, em primeiro lugar, o modelo de desenvolvimento que classifico como de exploração capitalista. Esse modelo começa nos anos 50, quando adotamos uma política de substituição de importações, sem acoplá-la a uma política de importação de tecnologia. Exemplo disso é o da indústria automobilística, que veio para cá, beneficiou-se do mercado fechado, dos incentivos, e agora passados 50 anos constatamos que não temos uma marca nacional de automóveis. No segundo momento, na fase do neoliberalismo, nós privilegiamos as multinacionais. O que quer dizer multinacional em termos de ciência e tecnologia? Onde é que elas investem? Onde estão seus laboratórios? Onde está a pesquisa? Nas suas matrizes, é claro. Veja que o mercado vai se fechando. E o que é que sobra? A indústria nacional, que -- por carência disso, daquilo, ou falta de visão -- optou por importar, em vez de produzir aqui.

Mas, muitas vezes, se ela não importa, perde competitividade.

E eu compreendo isso. Sei também que o investimento em ciência e tecnologia é um investimento de risco. Você sabe onde começa, mas não sabe onde termina, nem sabe se vai levar aonde você quer. Então é razoável optar em importar uma caixa preta e pagar royalties. O problema é que essa tecnologia importada já chega atrasada. E é isso que tem sido a marca da indústria brasileira, principalmente da indústria média para baixo, que tem poucas reservas. E qual é a conseqüência dessa política? Estarmos condenados à obsolescência. Em um primeiro momento, o produto brasileiro perde condições de concorrência no mercado internacional, porque está sempre atrasado. Em um segundo momento, ele perde também as condições de concorrência no mercado interno, porque não conseguimos concorrer com as Coréias e Chinas da vida.

Qual é alternativa então?

Uma é fazer um esforço para agregar valor aos itens da nossa atual pasta de exportações e esta, é contribuição do Estado. Eu não tenho nenhum orgulho em dizer que somos os maiores exportadores de grãos do mundo. Em vez de exportar soja em grão, poderíamos exportar torta animal, óleo, leite e outros alimentos de soja. A Embraer importa trem de pouco que poderia ser fabricado no Brasil. A segunda coisa é estabelecermos uma política de substituição de importação. Não por meio de incentivos, mas por meio de introdução de tecnologia. O ministério da tecnologia pode, deve, vai e está atuando nesse sentido.

Mas como fazer isso?

Estamos visitando todas as federações das indústrias e repetindo esse discurso. É preciso fazer um parêntese para mostrar aqui que eu não estou só fazendo críticas à iniciativa privada, que também é bastante prejudicada pelas políticas públicas. É preciso considerar que já temos duas décadas perdidas, em um país que o crescimento anual do PIB gira em torno de 3,2%. Que a carga tributária é tão alta, que faz do Estado sócio do empresário.

E acontece que nós não estamos vendo no horizonte chances dessa carga tributária ser diminuída.

A reforma tributária está aí para isso. E além do mais, tem uma taxa de juros que é uma das maiores do mundo. Então, eu tenho de ver o empresário não como adversário, mas como um aliado. Inclusive porque ele tem de competir com quem vem de fora e é prejudicado por essa carga tributária que nós praticamos. Ele precisa ser ajudado na área de tecnologia.

Mas como o governo pretende estimular a iniciativa privada a investir em pesquisa e desenvolvimento?

Vamos lançar brevemente dois programas. Um deles chamará "Rede qualquer coisa", pois ainda não recebeu o nome definitivo. Essa iniciativa começou no Rio Grande do Sul, no ano passado, coordenada pelo governo gaúcho. Eles partiram de uma carência da Petrobras, que usa freqüentemente uma peça importada em suas unidades de prospecção. A equipe capitaneada pelo governo do Rio Grande do Sul consultou 131 centros de pesquisa e universidades brasileiras para ver quem poderia desenvolver a tal peça. Depois do desenvolvimento do protótipo, realizado por um grupo de universidades gaúchas, a mesma equipe do governo foi atrás de empresas que pudessem produzi-la. O resultado foi a criação de 800 empregos em uma empresa, a Taurus, que queria ampliar sua carteira de produção. Com isso, criamos tecnologia, ajudamos a universidade brasileira, a própria Petrobras e a balança comercial. O objetivo é transformar esse modelo em um programa nacional.

E como vão fazer isso?

Vamos criar um banco de dados onde as empresas possam colocar suas carências como a da Petrobras. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgará o programa para as empresas. O melhor é que isso será feito praticamente sem custo, utilizando basicamente inteligência e computadores, que é o que já temos aqui.

Qual é o outro programa?

É uma parceria com o BNDES. Queremos levantar tudo o que há de inovação científica no país. Agora mesmo estive em Manaus e vi uma prateleira cheia de inventos no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), como uma madeira compensada, feita com a fibra da pupunha. Esse produto tem alto poder isolante de som e temperatura, além de ser levíssimo. A idéia é, em primeiro lugar, fazer o estudo de viabilidade econômica desses produtos. Depois vamos levar os que forem viáveis para a indústria. O projeto será feito de graça e o BNDES fará a alocação de recursos para dar início à produção.

A impressão que tenho é que esses projetos dependem de uma força de marketing, que -- nas empresas privadas -- prospecta oportunidades e desenvolve produtos. Para fazer isso, o senhor vai precisar de gente preparada com o perfil de enxergar e localizar o negócio. Como o ministério fará isso?

A Finep (Financiadora de estudos e projetos) foi criada para isso. O problema é que ela foi desviada de sua função original e passou a investir em grandes empresas. Eu não estou preocupado com as grandes empresas nesse momento. Quero criar um sem número de pequenas e médias empresas, com três ou quatro sócios cientistas e pesquisadores. O que falta para essas empresas funcionarem? Falta estudo de viabilidade econômica e capital de risco. Acho que isso vai ajudar a desenvolver o conhecimento científico e tecnológico do país, a industrialização e a criação de empregos. E vai favorecer a desconcentração que falamos no início da matéria.

Mas tem gente capacitada na Finep para fazer isso?

Tem. Também tem recursos dos fundos setoriais, o fundo verde e amarelo, tem o BNDES. Qual é o capital necessário para injetar em uma empresa dessa? Vinte milhões, um milhão? Isso não é nada para um banco como o BNDES. O segredo é multiplicar o pãozinho. Quantos projetos como o da Petrobras pode ser feito por empresas que querem diminuir a dependência de fornecedores externos? Essas empresas só têm a ganhar.

Como está a situação do MCT em termos de recursos?

Temos 1,5 bilhão de reais, que tende a crescer, pois o orçamento desse ano foi condicionado à receita, que está crescendo.

No governo anterior, ficaram famosas as discussões dos ex-ministros da saúde, José Serra, e da Fazenda, Pedro Mallan, por causa de verbas. O senhor está enfrentando a mão fechada do ministro Antonio Palocci também?

Não. Pelo menos, até agora.

Que história foi aquela da bomba-atômica?

Só respondo se você reproduzi-la ipsis litteris.

Tudo bem.

A verdade é que ninguém leu a minha declaração. Ficou todo mundo repetindo o que alguém disse para alguém. O problema foi que dei uma entrevista à Rede BBC e não sabia que o repórter era analfabeto. Eu falei que o desenvolvimento de uma política nuclear era uma questão estratégica para o país. Acontece que o repórter não sabia o que significava a palavra "estratégia". Até então, ele pensava que estratégia era o mesmo que guerra. Fiquei um tempão explicando a ele que estratégia é você ter um objetivo e estabelecer os meios de chegar a esse objetivo. Acho que não o convenci, porque ele perguntou novamente por que uma política nuclear era estratégica para o país. Eu expliquei que significa dominar o conhecimento. Aí, então, ele perguntou: inclusive o da fissão? E eu respondi que sim, inclusive o da fissão. Ora bolas, isso é o que Angra I e Angra II fazem. Isso não tem nada a ver com bomba-atômica, duas palavras que, aliás, nem foram ditas na entrevista. Ele transcreveu a minha declaração na íntegra, mas no título disse que o ministro brasileiro defendia a bomba-atômica. O mais incrível é que todo mundo ficou repetindo esse título errado e malicioso, sem se dar ao trabalho de ler o que estava escrito na matéria.

Mas o senhor não disse a palavra "bomba-atômica" em nenhum momento?

Não. Em nenhum momento. No mesmo dia, dei uma entrevista à tevê Globo e disse com todas as letras que não havia dado essa declaração. Repeti que o Brasil é contra a produção de bombas-atômicas, inclusive porque nossa Constituição não permite isso. No dia seguinte, o jornal Folha de São Paulo publicou uma entrevista honestíssima, dizendo exatamente o que eu disse agora e reproduzindo parte da minha entrevista à BBC, mas ninguém quis saber disso. Só ficaram reproduzindo o disse-que-me-disse .

Muitas empresas brasileiras de software têm aberto portas no exterior com suas tecnologias, e surpreendido os estrangeiros que desconhecem a existência dessa indústria no Brasil. Gostaria de saber quais os planos do MCT para essa área.

Não há possibilidade de se pensar hoje em ciência e tecnologia sem uma política de desenvolvimento industrial. Você não pode pensar em desenvolvimento da ciência, em desenvolvimento da educação, da ciência e tecnologia ou qualquer outra área sem pensar em informática. Vamos criar um comitê e vamos investir nessa área. O fato novo é que não queremos trabalhar a área de software apartada da microeletrônica. No ano passado, gastamos 9 bilhões de dólares, que foi o déficit da nossa balança comercial, derivado da importação de microeletrônica. Agora nós precisamos avançar na produção de chips. Nós estamos concluindo um projeto -- com boa parte de recursos do ministério em parceria com a Motorola. Também estamos estimulando o estado do Ceará a montar uma fábrica de chips por lá.

Mas os empresários de software estão reclamando que a Secretaria de Informática foi rebaixada no início do seu mandato.

É justamente o contrário. A Sepin vai incorporar a Secretaria de Tecnologias Empresariais para trabalharem de forma articulada. Mas nós queremos entrar na área de microeletrônica. Vamos continuar a produzir software e aumentar a produção de software. Mas também vamos produzir microchips, que são necessários para que aumentemos nosso parque de computadores, que funcionam também a partir desse componente de microeletrônica. Há uma orientação para que o Brasil não fique fora da área de microeletrônica porque nosso déficit nessa área é de cerca de 9 bilhões de dólares. A informática é base para o desenvolvimento de todas as outras áreas do conhecimento e de todas as áreas produtivas. Mas não dá para construir um modelo de indústria que te gera um déficit desse tamanho. É preciso, então, encontrar maneiras de diminuir esse desequilíbrio. Vamos identificar os produtos e serviços de software que têm condição de ganhar mercado fora e aumentar sua capacidade de exportação. Mas é preciso fazer o mesmo na área de microeletrônica. Precisamos ver o que a gente é capaz de produzir no país, que conjugação de esforços é necessária para reativar essa indústria localmente.

O senhor declarou que a área aeroespacial é prioridade no seu mandato. Por que?

Porque nós precisamos fechar o ciclo do conhecimento, e a área aeroespacial é provavelmente a maior reprodutora de conhecimento que existe. O Brasil pode ser um dos poucos países do mundo a completar esse ciclo. Veja que temos uma excelente base de lançamento de foguetes em Alcântara, no Maranhão, estamos produzindo um veículo lançador, via Agência Espacial Brasileira e também estamos produzindo satélites - em agosto vamos lançar um terceiro satélite com a China. Para que cada uma dessas coisas funcione, são necessárias várias pequenas e médias empresas de base tecnológica. São empresas que desenvolvem tecnologia de combustíveis, de aço, que têm capacidade de miniaturização. Isso tudo desenvolve extraordinariamente a ciência do país.

O senhor foi um dos fundadores do PSB, do ex-governador Anthony Garotinho, que é um dos principais críticos do governo Lula. O senhor não teme ter de deixar seu posto por causa desse conflito?

Eu e meu partido apoiamos totalmente o projeto desse governo e vamos ajudar a colocar esse projeto em prática.

Mas um dos quadros do seu partido é claramente de oposição a esse projeto.

Repito: eu e meu partido apoiamos e acreditamos no projeto desse governo e vamos trabalhar para coloca-lo em prática.

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