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Combate a crime virtual exige mais policiais, dizem especialistas

Aprovação de projeto do senador Eduardo Azeredo não será suficiente; país ainda tem de aderir a convenção internacional e equipar polícia

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h44.

O Brasil não estará preparado para coibir os crimes realizados pela internet apenas com a instituição de uma legislação interna específica. Na opinião de quem vive no rastro de hackers e golpistas, é preciso preparar a força policial e buscar uma cooperação internacional mais eficiente.

"Sem o aparelhamento do Estado, a lei não terá aplicabilidade", diz Thiago Tavares, professor de direito na Bahia e presidente no Brasil da SaferNet, organização não governamental que integra 26 países no combate a violações de direitos humanos na internet. Para Tavares, falta estrutura e equipamento para a investigação de crimes virtuais na polícia, o que gera lentidão na apuração de provas e sobrecarga de inquéritos. Muitas vezes, o mesmo caso é investigado por mais de uma delegacia, devido à falta de coordenação, diz o advogado. "Além disso, de todos os nosso 27 estados, apenas 6 têm delegacias especializadas na repressão a crimes cibernéticos", afirma, referindo-se às unidades especializadas da polícia civil em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Distrito Federal e Paraná. A Polícia Federal (PF), que mantém 140 peritos para a análise de provas, também não escapa das críticas de Tavares. "Esse número precisa pelo menos triplicar para dar conta do fluxo de casos".

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Na PF, ainda não há delegacias especializadas na repressão a crimes virtuais. As investigações são conduzidas ainda por meio de uma estrutura informal, coordenada por dois delegados e dois agentes, em Brasília. Para cada caso, a pequena equipe precisa arregimentar policiais nas delegacias fazendárias estaduais, dedicadas a fraudes tributárias. "Quando acaba a fase do inquérito, os agentes voltam para suas funções normais", diz o delegado Adauto Martins, que coordena a Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos da PF. Desde 2005, a PF espera a formalização de um departamento especializado, o que implicaria em treinamento dos agentes para as peculiaridades dos delitos cometidos na web. "Os crimes cibernéticos são tratados como crimes comuns, mas temos que lembrar, por exemplo, que o furto de hoje não é mais o de antigamente. Pela internet, o furto é de milhões de pessoas ao mesmo tempo", diz Martins. A criação de delegacias da PF voltadas para os crimes virtuais exigirá a alocação de pelo menos um chefe, um subchefe, um escrivão e quatro agentes em cada unidade estadual, na estimativa do delegado - o que significa que a equipe de investigação especializada passaria de 4 para quase 200 pessoas no país.

Se a escassez de pessoas já emperra o trabalho da polícia, a falta de acordos com outros países para a investigação desse tipo de crime faz com que os agentes tenham de improvisar na hora de conseguir provas. Requisitar computadores de suspeitos estrangeiros, por exemplo, pode ser um martírio. "A gente às vezes prefere nem pedir, porque a espera faz com que eu corra o sério risco de eu ficar com o caso parado", diz Martins. Segundo o delegado, nesse caso é preciso criar outras formas de pesquisa, como fazer busca e apreensão de pessoas ligadas ao suspeito no próprio país ou requerer os serviços de informantes.

O ruído na comunicação com outros países acontece porque o pedido de provas localizadas no exterior tem de passar por uma via crucis diplomática até chegar ao destinatário final. Da PF, a requisição segue ao Ministério da Justiça, ao Itamaraty, à representação brasileira no país envolvido, e enfim aos ministérios de Relações Exteriores e Justiça estrangeiros. Encurtar esse caminho seria possível com a assinatura pelo Brasil da convenção do conselho europeu sobre crimes cibernéticos, de 2001, que facilita a cooperação nas investigações internacionais. Apesar de escrita por membros do conselho da Europa, a Convenção de Budapeste ( clique ali para ler o texto da Convenção ) está aberta a adesão e ratificação por qualquer outro país. "É fundamental, no atual estado avançado da tecnologia, que o Brasil esteja no rol dos países signatários da convenção para que haja segurança", diz o advogado especializado Renato Opice Blum. O texto da convenção traz diretrizes para o combate internacional dos crimes virtuais e classifica determinadas condutas na internet como ilícitas. "A convenção permite uma troca maior de informações entre os países e traz maior amplitude de crimes", afirma Opice Blum.

O Brasil vem estudando a possibilidade de adesão à convenção, e já há estudos nesse sentido nos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores. A iniciativa ganhou impulso no fim de fevereiro, quando uma comissão do conselho europeu veio ao Brasil para realizar um convite formal. O texto conta com 43 assinaturas, quatro delas de países não europeus: Estados Unidos, Canadá, Japão e África do Sul ( veja a lista dos países que já aderiram ). Para o subprocurador-geral da República e coordenador do centro de cooperação jurídica da procuradoria, Edson Oliveira de Almeida, é essencial que o Brasil também entre nessa lista. "Conseguiríamos eliminar a via diplomática dos pedidos de investigação de provas no exterior", afirma Almeida, que vem tentando sensibilizar o Ministério da Justiça sobre o assunto desde o ano passado.

A adesão do Brasil à Convenção de Budapeste exige a aprovação de uma lei nacional de crimes virtuais, na visão do advogado Opice Blum. "O texto pede previsão específica para determinadas condutas na legislação interna", diz. Por isso, o advogado acredita que o projeto proposto pelo senador Eduardo Azeredo, aprovado hoje pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado e que tipifica crimes cometidos pela internet, será o primeiro passo para a adesão.

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