Tecnologia

A internet, quem diria, beneficia a cultura

Farhad Manjoo © 2017 New York Times News Service Um dos segredos da longevidade como erudito é fazer previsões impossíveis de serem facilmente checadas. Então aqui vai uma para a cápsula do tempo: daqui a 200 anos, mais ou menos, as pessoas-robôs da Terra vão olhar para o começo do século XXI como o início […]

INTERNET: nos últimos anos, e com maior intensidade nos últimos 12 meses, as pessoas começaram a pagar por conteúdo on-line / Doug Chayka/The New York Times

INTERNET: nos últimos anos, e com maior intensidade nos últimos 12 meses, as pessoas começaram a pagar por conteúdo on-line / Doug Chayka/The New York Times

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Da Redação

Publicado em 30 de março de 2017 às 11h23.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h02.

Farhad Manjoo
© 2017 New York Times News Service

Um dos segredos da longevidade como erudito é fazer previsões impossíveis de serem facilmente checadas. Então aqui vai uma para a cápsula do tempo: daqui a 200 anos, mais ou menos, as pessoas-robôs da Terra vão olhar para o começo do século XXI como o início de um incrível renascimento das artes e da cultura.

Essa ideia pode soar improvável para muitos de nós no presente. Nas últimas décadas, temos visto como a tecnologia vem ameaçando a ordem dos negócios culturais, causando o fim da indústria da música, a morte da TV por assinatura, a aniquilação dos jornais e o fechamento das livrarias independentes.

Mas as coisas estão mudando. Para as pessoas do futuro, nosso tempo pode ser lembrado como um período não de morte, mas de rejuvenescimento e renascimento.

Parte da história está na própria arte. Em quase todos os meios culturais, seja nos filmes, na música, nos livros ou nas artes visuais, a tecnologia digital está atraindo novas vozes, criando formatos inovadores para exploração e permitindo que fãs e outros criadores participem em gloriosas remixagens de trabalhos. Isso não é novo; de blogs a podcasts ao YouTube, os últimos 20 anos têm sido marcados por uma sucessão de formatos que levaram a barreiras cada vez menores para criadores novos e livres.

No entanto, por boa parte desse tempo, o lado do negócio da cultura pareceu estar sob ataque. A internet ensinou toda uma geração que conteúdo não é algo pelo qual você realmente tem que pagar. Então, por anos, as empresas de conteúdo digital – especialmente aquelas que atuam nos negócios de notícias on-line – pareceram fadadas a perseguir um modelo de financiamento baseado puramente em anúncios em grande escala. Elas tentaram atingir dezenas de milhões de leitores, espectadores ou ouvintes na esperança de conseguir centavos em anúncios por usuário. Mas não apenas esse modelo era insustentável, ele também estava arruinando a cultura: não deixava espaço para pequenos atos e nichos sutis e transformou tudo em uma caçada enlouquecida pelos cliques. As coisas pareciam sombrias.

Mas agora algo surpreendente aconteceu.

Nos últimos anos, e com maior intensidade nos últimos 12 meses, as pessoas começaram a pagar por conteúdo on-line. Estão fazendo isso em um ritmo acelerado e com um cronograma confiável e recorrente, em geral por meio de assinaturas. E estão pagando por tudo.

Com certeza você já ouviu falar sobre o crescimento das plataformas de mídia por assinatura – como a Amazon Prime, o Netflix, o Hulu, a HBO, o Spotify e a Apple Music. Mas as pessoas também estão pagando pela arte que tem audiências menores e menos populares. Estão assinando o conteúdo de quem faz podcasts, de comediantes, de estrelas divertidas do YouTube, de escritores e de desenhistas de quadrinhos. E estão até mesmo pagando por notícias.

É difícil exagerar o tamanho desse negócio. Mais de 20 anos depois que chegou à atenção do grande público e começou a destruir a maneira como financiávamos a cultura, a economia digital finalmente está começando a se unir em torno de uma maneira sustentável de apoiar o conteúdo. O aumento nas assinaturas não significa apenas que alguns dos nossos criadores preferidos vão sobreviver à internet. Também tem o poder de ser uma mudança profunda na maneira como descobrimos e apoiamos novos talentos da cultura. É capaz de gerar uma variedade maior de artistas e de formas de expressão e forjar conexões mais profundas entre as pessoas que fazem arte e aquelas que a apareciam.

“As tendências macro são muito encorajadoras e excitantes”, afirma Jack Conte, fundador da Patreon, uma das companhias que lideram a revolução das assinaturas. A Patreon permite que você fique por dentro do trabalho de artistas por meio de assinaturas – mas ao invés de financiar projetos específicos e unitários, como no Kickstarter, você paga de maneira recorrente.

“Queremos mudar todo o mecanismo de financiamento que norteia a produção de conteúdo on-line. Nosso plano é mudar a maneira como as coisas são financiadas e como a internet funciona. Para nós esse é um problema muito, muito grande”, diz Conte.

Ele fundou a Patreon em 2013 e desde então financiou US$ 100 milhões em arte, com os artistas que estão na plataforma dobrando sua renda a cada ano. Os criadores principais podem ganhar dezenas de milhares de dólares por mês. Em 2016, mais de 35 artistas conseguiram mais de US$ 150 mil cada um por meio da plataforma.

“Eu realmente acho que alguma coisa mudou culturalmente. Essa nova geração está mais preocupada com o impacto social. Há um desejo de escolher com seu dinheiro, seu tempo e sua atenção”, explica ele.

Uma parte dessa mudança também está acontecendo no negócio de notícias. O The New York Times e vários outros jornais relataram um crescimento nas assinaturas depois que Donald Trump ganhou as eleições presidenciais no ano passado.

A tendência não diminuiu: o Times recentemente declarou que, nos últimos meses, um programa que recolhe “bolsas” para alunos conseguiu dinheiro suficiente para garantir que mais de 1,3 milhões de estudantes tenham acesso ao NYTimes.com. O dinheiro veio de mais de 15.500 pessoas, entre elas um doador anônimo que deu US$ 1 milhão. Em seu relatório financeiro no mês passado, o Times também disse que agora tem mais de três milhões de assinantes entre os do jornal de papel e os dos meios digitais.

Os assinantes também estão aumentando em outras plataformas. Os usuários da Apple gastaram US$ 2,7 bilhões na App Store em 2016, um aumento de 74 por cento sobre o valor de 2015. Na semana passada, o serviço de música Spotify anunciou que sua base de clientes cresceu em dois terços no ano passado, de 30 milhões para 50 milhões. A Apple Music conseguiu atrair mais 20 milhões de pessoas em cerca de um ano e meio. No último trimestre de 2016, o Netflix somou sete milhões de assinantes extras – um número que excedeu as expectativas e quebrou os recordes da empresa. O Netflix agora tem 94 milhões de pagantes.

No entanto, plataformas gigantes de conteúdo foram condenadas pela maneira como tratam os artistas. Mesmo que muitas pessoas estejam pagando por serviços como o Spotify, os críticos dizem que pode ser difícil para os músicos ganhar a vida com a plataforma, especialmente os iniciantes e menos conhecidos.

Ainda assim, muitos artistas estão encontrando maneiras de contornar essas dificuldades. Graças ao Facebook, ao Instagram e ao Twitter, os artistas agora são capazes de estabelecer relacionamentos próximos com seus fãs. Eles podem vender produtos e oferecer promoções e conteúdos exclusivos. E depois de encontrar uma audiência, podem usar sites como o da Patreon para conseguir um salário confiável de seus seguidores mais leais.

Esse tipo de arranjo alternativo não é fácil de conseguir, pode levar tempo, esforço e habilidades em artes obscuras e incomuns (como o trabalho de marketing nas redes sociais). Mas há sinais de que a tendência está pegando: no Grammy do ano passado, o prêmio de melhor artista novo foi para Chance the Rapper, que ficou famoso por ter rejeitado de maneira orgulhosa todas as ofertas de contrato feitas por gravadoras e mesmo a ideia de vender qualquer uma de suas músicas.

Se existem dificuldades em navegar pelos novos negócios da cultura, também há o lado bom.

“Posso ter uma vida normal agora”, afirma Peter Hollens, que canta a cappella em vídeos cover no YouTube. Hollens, que mora em Eugene, no Oregon, hoje ganha cerca de US$ 20 mil por mês em sua página no site da Patreon. O dinheiro permitiu que contratasse ajuda na produção e aumentasse sua produtividade, mas também lhe trouxe algo mais: uma sensação de segurança mesmo sendo artista.

“Não preciso ir para a estrada e me apresentar em bares. Posso ser pai de família e marido. Isso normalizou minha carreira, e estabiliza a carreira dos artistas, que nunca foi normal.”

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