Tecnologia

A fábrica de ideias do Google

Conor Dougherty Mountain View, Califórnia – O Project Foghorn é um desses conceitos que parecem saídos de um livro de ficção científica e que se tornaram a marca registrada da Alphabet, o enorme conglomerado que costumava ser chamado de Google. A ideia, nascida no laboratório de pesquisa X, é utilizar a água do mar e […]

ASTRO TELLER: executivo-chefe do X, embora seu cargo atual seja o de “capitão de fantasias” / Jason Henry/The New York Times

ASTRO TELLER: executivo-chefe do X, embora seu cargo atual seja o de “capitão de fantasias” / Jason Henry/The New York Times

DR

Da Redação

Publicado em 3 de agosto de 2016 às 16h01.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h29.

Conor Dougherty

Mountain View, Califórnia – O Project Foghorn é um desses conceitos que parecem saídos de um livro de ficção científica e que se tornaram a marca registrada da Alphabet, o enorme conglomerado que costumava ser chamado de Google. A ideia, nascida no laboratório de pesquisa X, é utilizar a água do mar e uma série de processos químicos para criar um combustível capaz de ser transformado em gasolina. Essa gasolina seria idêntica à que usamos para encher o tanque do carro hoje em dia – com a enorme vantagem de não prejudicar o meio ambiente, já que seria feita por meio da reciclagem do dióxido de carbono já presente na atmosfera.

Caso o projeto seja bem sucedido – e isso é sempre muito difícil – ele mudaria nossas definições de energia limpa, além de abalar alguns dos setores mais importantes do mundo, sem falar na indústria petrolífera. Mas depois de dois anos de testes e de um orçamento que não foi divulgado, Foghorn morreu durante uma reunião em janeiro deste ano. O resultado: todo mundo na equipe recebeu um bônus em dinheiro (cujo valor também não foi revelado).

O laboratório X, anteriormente conhecido como Google X, fala sobre si mesmo como uma “fábrica de fantasias”. O laboratório é responsável pelo carro autônomo do Google, além de vários projetos interessantes, como o Loon, uma tentativa de transmitir sinais de internet a partir de balões estratosféricos, e o Wing, um serviço de entrega por drones. Essas iniciativas são algumas das mais de uma dúzia de projetos abortados – muitos ainda na fase de idealização, outros depois de anos de trabalho duro – como um propulsor a jato que nunca foi construído e dirigíveis gigantes que transportariam carga com a mesma eficiência que navios cargueiros.

O que todos esses projetos têm em comum, além da criatividade é o fato de que não dão nenhum lucro para a empresa. O orçamento e o número de funcionários do X é segredo, mas o ponto de vista dos acionistas sobre o departamento ficou claro em um cartaz nos escritórios de Mountain View. Nele havia a imagem de uma nota de 100 dólares em chamas seguida da frase: “Os investidores acham que fazemos isso”.

O pôster aponta para uma questão fundamental tanto para o X, quanto para a Alphabet: Qual é a função do X? E como uma empresa de capital aberto investe em ideias tão especulativas, a maioria sem possibilidades práticas, sem irritar investidores, nem desperdiçar rios de dinheiro?

Criar uma divisão de pesquisa é um conceito ultrapassado e frequentemente mal sucedido. Durante décadas, gigantes corporativas como a AT&T, a IBM, a Microsoft e a Xerox tentaram, de muitas maneiras, criar grupos de pesquisa na esperança de encontrar formas de ganhar dinheiro com tecnologias emergentes antes dos concorrentes.

Essas iniciativas tiveram um papel importante na criação de algumas das principais inovações do século 20. Por exemplo, a Bell Labs, que na época era uma divisão da AT&T, inventou o transistor, que é a base dos eletrônicos modernos. Mas em muitos casos, esses departamentos de pesquisa não fizeram muito em benefício das empresas que os financiaram.

Embora investidores ainda não saibam qual é o orçamento do X, eles pelo menos têm uma ideia de seus limites. No primeiro trimestre, a Alphabet perdeu cerca de 800 milhões de dólares no que chamou de “outras apostas” – qualquer coisa fora das áreas de busca e de publicidade.

Ao mesmo tempo, agora que o X está dando origem a novas empresas que irão se sustentar ou fechar as portas, os investidores passarão a ter algum parâmetro para julgar a necessidade do X. Caso uma dessas empresas comece a competir com a busca e publicidade como fonte de faturamento, o X será considerado um grande sucesso. Se isso nunca acontecer, ele será considerado um fracasso (da pior espécie).

Por exemplo, o projeto do carro autônomo do X, conhecido internamente como Chauffeur, recentemente contratou um executivo-chefe e em breve deve se tornar uma empresa independente. Outro, conhecido como Verily, é uma empresa de ciências da vida que desenvolveu, entre outras coisas, uma lente de contato que avalia o quantidade de glucose em pessoas com diabetes e já licenciou essa tecnologia para o laboratório farmacêutico Novartis. A Verily se tornou uma empresa independente logo depois que o Google anunciou a reorganização da Alphabet.

“A coisa que criamos – nosso produto – é o Verily, e estamos sendo pagos como empresa para criar outros produtos regularmente, mas não posso prometer a ninguém de dentro ou de fora da empresa que seremos capazes de emplacar um produto por ano”, afirmou Astro Teller, o executivo-chefe do X, embora seu cargo atual seja o de “capitão de fantasias”.

‘Incapazes de fracassar’

Existem duas diferenças fundamentais entre o X e os setores de pesquisa corporativa das empresas do passado. Enquanto operações como a Bell Labs e a Xerox PARC trabalhavam para resolver problemas que eram ao menos indiretamente ligados ao negócios das empresas controladoras, os funcionários do X podem desenvolver o que quiserem. Na verdade, eles são desencorajados a criar coisas que tenham relação com as atividades do Google, já que a empresa conta com um grupo de pesquisa próprio concentrado em aprendizado computacional e outros tópicos da computação.

E, enquanto o Bell Labs e outros departamentos de pesquisa fizeram enormes contribuições ao modelo universitário para a pesquisa básica, os projetos do X são concebidos como empresas lucrativas, ou ao menos coisas que poderiam ser assim caso funcionassem nos próximos anos. Com o Foghorn, o objetivo é transformar água do mar em gasolina por menos de US$5 o galão – o suficiente para encontrar um mercado em alguns países europeus onde os impostos tornam a gasolina mais cara.

Kathy Cooper, engenheira à frente do projeto, afirmou “acho que conseguiremos alcançar o objetivo, mas provavelmente precisaríamos de 15 a 20 anos”. Isso é tempo demais e, por essa razão, ela recomendou que o projeto fosse abortado.

Os funcionários do X evitam falar sobre dinheiro, mas é difícil fugir do assunto. Eles enfrentam barreiras financeiras que podem impedir a continuidade de um projeto, caso ele não entre em funcionamento tão rápido quanto o esperado. Além disso, eles devem ser capazes de chegar a várias etapas determinadas antes de receberem permissão para contratar mais funcionários para as equipes.

Nem todos são nerds

O X foi criado em 2010, e originalmente ficava em um prédio de tijolos à vista no limite do campus do Google. No início, ele parecia uma extensão do projeto dos 20 por cento – os projetos extras que os funcionários do Google são encorajados a criar fora do seu escopo de trabalho –, sem grandes restrições de processo.

Ex-funcionários do Google afirmam que isso levou à tentação de exagerar a importância de determinados projetos muito antes que estivessem de fato prontos. O exemplo mais notório é o Google Glass, os infames óculos computadorizados feitos pela empresa.

Atualmente, o laboratório fica a vários quilômetros do campus principal do Google. Repleto de veículos elétricos e pessoas andando em uma espécie de skate futurista. Teller parece nunca tirar os patins dos pés.

Depois do lobby e dos escritórios, escondidos atrás de portas protegidas por códigos, ficam vários laboratórios e um enorme galpão que abriga um setor chamado de “Design Kitchen”, que parece ser um cruzamento entre uma loja de máquinas e a garagem de um pai descolado.

Ao contrário do Google, onde os engenheiros de software são os reis, o X é liderado por vários tipos de cientistas criativos com formação em matemática, física, química e design, passando por moda e arte pública. A frase “Eu não sou engenheiro” parece gerar bastante orgulho. Rich DeVaul, chefe da equipe de “avaliação rápida”, cujo papel é dar continuidade ou abortar ideias rapidamente, acredita que menos da metade dos funcionários têm formação em engenharia (ele mesmo não tem). “Eu diria que a principal força do X, na verdade, é o fato de que não somos um bando de nerds”, afirmou.

A despeito dos bônus por fracassos, nenhuma pessoa sairia dos laboratórios do X achando que eles são comuns. No seu interior há uma cantina gratuita que oferece sushi e carne de porco. Os banheiros têm assentos japoneses cheios de botões para aquecer a água e limpar o usuário. Ouvir os executivos do X conversando sobre poupar dinheiro é um pouco como ouvir bilionários contando sobre como construíram suas casas por 30 milhões de dólares e nenhum centavo a mais.

Contudo, o sucesso do X tem menos a ver com o dinheiro poupado do que com a criação de uma nova empresa do tamanho do Google e cujo lucro seja suficiente para cobrir todos os prejuízos. E embora o setor tenha emplacado alguns sucessos, ele ainda precisa realizar as “fantasias” que Teller tanto procura.

©  2016 New York Times News Service

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais de Tecnologia

10 frases de Stephen Hawking para entender melhor o universo

Sony faz aumento significativo no preço do PlayStation 5 no Japão

20 frases de Carl Sagan para entender o espaço e a humanidade

Como saber meu número de celular?

Mais na Exame