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EUA propõe rótulos sobre risco de câncer em bebidas alcoólicas

Álcool é terceira causa evitável da doença no país, atrás de tabaco e obesidade. Proposta pode mudar regulamentação global do setor e afetar vendas

Publicado em 5 de janeiro de 2025 às 08h00.

Última atualização em 5 de janeiro de 2025 às 14h28.

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Bebidas alcoólicas precisam incluir advertências sobre riscos de câncer em seus rótulos. Esta foi a recomendação feita na última sexta-feira (3), pelo cirurgião-geral norte-americano Vivek Murthy, principal porta-voz do governo federal dos EUA para questões de saúde pública. O movimento sinaliza o avanço de uma regulamentação mais rigorosa do setor, semelhante à já adotada para produtos do tabaco.

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"A relação direta entre o consumo de álcool e o risco de câncer está bem estabelecida para pelo menos sete tipos da doença, independentemente do tipo de bebida consumido (cerveja, vinho ou destilados)", afirmou o médico em comunicado oficial.

O documento destaca que aproximadamente 100 mil casos de câncer e 20 mil mortes anuais nos Estados Unidos são atribuídos ao consumo de álcool. Murthy enfatizou ainda que o álcool representa a terceira causa mais comum de câncer evitável no país, ficando atrás apenas do tabaco e da obesidade.

O anúncio causou impacto imediato no mercado financeiro. As ações de grandes empresas do setor, como Diageo, Pernod Ricard, Anheuser-Busch InBev e Heineken, registraram quedas de até 3% após a divulgação do comunicado.

O Conselho de Bebidas Destiladas dos Estados Unidos (DISCUS) respondeu citando um relatório recente da Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina. "Os atuais avisos de saúde em produtos alcoólicos já informam há muito tempo os consumidores sobre os riscos potenciais do consumo de álcool", declarou Amanda Burger, vice-presidente de ciência do DISCUS.

Tendência global

De acordo com o Global Status Report for Alcohol and Health da Organização Mundial da Saúde (OMS), que embasa o comunicado de Murthy, o número de países que exigem avisos de saúde e segurança em rótulos de bebidas alcoólicas aumentou significativamente na última década: de 31 em 2014 para 47 em 2018.

A Irlanda destaca-se como pioneira global na implementação de alertas mais rigorosos. A partir de 2026, será o primeiro país do mundo a exigir advertências que associem qualquer nível de consumo de álcool ao risco de câncer em todas as garrafas de bebidas alcoólicas comercializadas no país.

Outros países que também já adotam diferentes tipos de advertências são a África do Sul, que exige rótulos com alertas sobre os riscos do consumo durante a gravidez desde 2009; a Coreia do Sul, que implementou avisos gráficos sobre danos à saúde em 2016; a Tailândia, que possui um sistema abrangente de rotulagem com múltiplos alertas desde 2010; e a Turquia, que mantém advertências obrigatórias sobre riscos à saúde desde 2013.

No Brasil, a regulamentação ainda é limitada. Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tenha implementado em outubro de 2022 novas regras para rotulagem nutricional de alimentos e bebidas não alcoólicas, exigindo informações frontais sobre alto teor de açúcar adicionado, sódio e gorduras saturadas, as bebidas alcoólicas permanecem isentas dessas obrigações.

Segundo a norma vigente no país, a tabela nutricional para bebidas alcoólicas é voluntária, e os fabricantes que optam por incluí-la precisam declarar apenas o valor energético total do produto.

O relatório citado no comunicado americano identifica sete tipos principais de câncer associados ao consumo de álcool: mama, garganta, fígado, esôfago, boca, laringe e cólon. As diretrizes alimentares vigentes nos EUA recomendam o limite de duas doses ou menos por dia para homens e uma dose ou menos para mulheres. E Murthy propõe uma reavaliação desses parâmetros à luz das novas evidências sobre riscos de câncer.

Educação na mira e apoio de Trump

O comunicado sugere uma série de ações para abordar a questão, incluindo a atualização dos rótulos de advertência atuais, que desde 1988 focam apenas em riscos durante a gravidez e na operação de máquinas.

Também propõe a ampliação de iniciativas educativas sobre os riscos de câncer, a intensificação das triagens médicas para identificar consumo excessivo e o fortalecimento dos encaminhamentos para tratamento quando necessário. A implementação das recomendações enfrenta um momento de transição política. Com o fim do governo Biden, Murthy pode ser substituído por Janette Nesheiwat, indicada pelo presidente eleito Donald Trump.

A decisão final sobre a atualização dos rótulos dependerá do Congresso americano. Trump, que perdeu um irmão para o alcoolismo e não consome bebidas alcoólicas, tem histórico de alertar sobre os riscos do álcool. Seu indicado para Secretário de Saúde e Serviços Humanos, Robert F. Kennedy Jr., frequenta reuniões dos Alcoólicos Anônimos e tem sido aberto sobre suas lutas passadas com dependência química.

Impacto ecônomico preocupa setor

O setor de bebidas alcoólicas enfrenta desafios crescentes nos Estados Unidos. Após um período de alta durante a pandemia, as vendas têm diminuído, com ameaças adicionais de novas tarifas. Blake Droesch, analista da eMarketer, ponderou que "os rótulos de advertência não serão um golpe mortal imediato para os fabricantes de bebidas alcoólicas, mas irão agravar as ameaças de longo prazo para a indústria."

As empresas enfrentam ainda a concorrência de alternativas como a cannabis e uma tendência de redução no consumo entre as gerações mais jovens. Por outro lado, produtos com baixo teor alcoólico ou sem álcool têm apresentado crescimento significativo, como exemplifica o caso da Heineken 0.0, que registrou crescimento de dois dígitos em 16 mercados no último ano.

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