Poole e a equipe do Canvas: o site de criação e alteração de imagens tem regras, mas permite o acesso de anônimos (Erich Schlegel/The New York Times/Latinstock)
Da Redação
Publicado em 12 de maio de 2011 às 10h30.
Na infância, “Moo” era um dos apelidos de Christopher Poole, o americano em destaque na foto ao lado. Aos 15 anos de idade, inspirado por um site japonês, Poole decidiu criar um fórum de imagens e textos sobre temas diversos na rede. Mas, diferentemente de quase todo mundo que lança empreitadas na internet, fez isso sem alarde — e sem ao menos utilizar seu nome verdadeiro.
Com o tempo, nem mesmo o apelido de infância ficou para registro. Moo logo passou a ser chamado de “Moot”, palavra em inglês para “irrelevante”. A criatura cresceu — hoje, o 4Chan é um dos fóruns mais populares e ativos da internet. O criador, também. Em 2009, Moot foi eleito a pessoa mais influente do mundo em votação aberta via internet realizada pela revista Time.
No total, mais de 16 milhões de votos anônimos renderam-lhe o prêmio — a grande maioria graças à vibrante comunidade de mais de 12 milhões de visitantes mensais do site criado por ele seis anos antes.
O episódio foi uma das primeiras vezes em que Poole, por trás de seu pseudônimo, colocou o anonimato no centro das discussões sobre identidade nas redes. A mais recente — e ruidosa — delas ocorreu em março, durante o SXSW, um dos maiores eventos de tecnologia do mundo, realizado no Texas. “Anonimato é autenticidade”, afirmou Poole na ocasião.
A defesa pública de múltiplas identidades na rede — o anonimato entre elas — fez com que Poole ganhasse outro apelido: o “anti-Facebook”. Explica-se. O uso de identidades reais na internet é um dos pilares do negócio da empresa de Mark Zuckerberg, que já chegou a classificar postagens anônimas na rede como mostras de “falta de integridade”.
No Facebook, há um grupo de funcionários dedicado apenas a checar a autenticidade das contas registradas. Não raro, usuários que queiram usar a rede social anonimamente passam por complicações. Foi o que ocorreu, por exemplo, em junho passado no Egito. Na época, um grupo criou uma página de protesto pela morte de Khaled Said, um jovem que teria sido assassinado depois de encontrar e publicar na rede provas de corrupção policial.
A página rapidamente reuniu 400 000 fãs e se tornou o epicentro de manifestações no país. Até que o Facebook percebeu uma grave irregularidade da página. O administrador, por razões óbvias, usava um pseudônimo, o que infringia os termos de uso do site. Resultado: sua conta foi desativada (a situação seria revertida apenas meses mais tarde).
No 4Chan de Poole, ao contrário, os usuários não precisam se apresentar com identidades reais. Na estrutura caótica do fórum, as mensagens são assinadas não por nomes escritos em documentos de RG ou passaportes, mas por gente conhecida como “Dr. Freeze” ou “WeEabo0o”. Ou, então, simplesmente como “Anonymous”, sinal para mensagens anônimas, que são maioria entre os mais de 600 milhões de postagens no site.
As vantagens desse sistema? “O anonimato permite às pessoas se expressar com espontaneidade, testar ações e ideias sem medo de ser alvo de crítica ou de carregar o histórico das falhas”, afirma Poole, hoje com 23 anos de idade.
Em tempos em que privacidade na internet se tornou assunto de primeira ordem, as ideias de Poole ganham adeptos. Errar, na rede, é cada vez mais imperdoável. Exemplos de gente que perdeu o emprego ou a namorada pelo uso indevido de identidade e imagem em redes sociais estão por toda parte.
“O problema quando alguém faz comentários ofensivos não é o anonimato”, diz Poole. “Isso também acontece com gente usando seu nome real.” Em fóruns como o 4Chan, o que move a discussão não são identidades, mas ideias. A comunidade existe e cresce sem que os usuários saibam ao certo com quem estão se relacionando.
E é nesse ambiente livre de amarras das identidades reais, segundo Poole, que reside a real força das redes. No passado, a comunidade de usuários do 4Chan foi responsável por muitos dos “memes” — nome de modismos e piadas criadas e espalhadas na rede — que se tornaram febre nos últimos anos.
Mas o espírito libertário também deu origem a movimentos mais agressivos. Foi por meio de páginas do 4Chan, por exemplo, que nasceu o grupo de hackers Anonymous, responsável por ataques que tiraram do ar sites como PayPal e Mastercard, em represália a ações movidas contra o WikiLeaks.
Desde que foi criado, o Facebook organiza a vida online de seus usuários ao redor de relacionamentos já existentes no mundo real — amigos antigos, vizinhos, colegas de trabalho. Recentemente, a empresa obteve outro avanço em sua missão de conectar a internet ao mundo “real”.
Portais de notícias e blogs fecharam acordos com a rede social para que comentários feitos em suas páginas fossem realizados com contas de usuários do Facebook, o que garante a identidade do autor de cada mensagem. Desde então, sites que adotaram a ferramenta reportaram queda no número de críticas negativas, além do aumento da qualidade no texto escrito pelos visitantes.
Os princípios de Poole não servem apenas para polemizar com gigantes como o Facebook. Até aqui, ele soube manejar a carreira com habilidade. Além de celebridade na internet, tornou-se palestrante e assessor do fundo de investimento Lerer Ventures, entre outros. Agora, chegou a hora de testar a viabilidade comercial de suas ideias.
Em março, Poole lançou oficialmente sua segunda empreitada, desta vez com um investimento de 625 000 dólares. Trata-se do Canvas, serviço que combina características de fórum e rede social num ambiente que permite aos usuários criar e alterar imagens online — inclusive, é claro, anonimamente.
Enquanto o 4Chan é desregrado e só arrecada o suficiente para se manter no ar, o Canvas tem limitações “morais” que devem atrair mais patrocínio. Entre os investidores estão gente como Ron Conway, investidor do Google, e Joshua Schachter, criador do Delicious, serviço de favoritos comprado pelo Yahoo! Poole ainda não revela o número de acessos ao novo serviço.
Mas se o primeiro site, criado anonimamente, chamou a atenção de usuários, críticos e outros empreendedores, espera-se ainda mais de um negócio que nasce sob a luz dos holofotes. Poole fez dois anos de faculdade e trancou para dedicar-se integralmente ao Canvas. Como mostrou desde cedo, ele não está para brincadeira.