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Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 10h46.
Última atualização em 10 de fevereiro de 2021 às 18h34.
É muito provável que, nos próximos anos, o caso da velha marca de creme dental Kolynos se transforme num daqueles estudos clássicos da gestão e do marketing. É possível, também, que passe para a história dos negócios como um exemplo de como uma empresa pode reagir ao fim - ainda que temporário - de um de seus principais ativos, a marca. Ao lado do sabão em pó Omo, do Bombril, do bombom Sonho de Valsa e dos sorvetes Kibon, a Kolynos - com suas cores verde e amarela e aquele tradicional "Aaah!" nas peças publicitárias - era uma espécie de símbolo do mercado de consumo brasileiro.</p>
Mas talvez a maior contribuição do caso Kolynos seja o despertar de uma questão absolutamente relevante para o mundo corporativo, seja ele real ou virtual: afinal, qual a real importância da marca para o sucesso de um produto? Até que ponto esse ativo intangível, cada vez mais valorizado na Nova Economia, determina se suas vendas serão maiores ou menores?
Há cerca de três anos, por determinação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, a marca Kolynos - introduzida no país em meados da década de 20 e líder absoluta de vendas - foi colocada no limbo. Sua fabricante, a subsidiária brasileira dos laboratórios Wyeth-Whitehall, acabara de ser comprada numa operação mundial pela americana Colgate por 760 milhões de dólares. Ao proibir o uso do nome Kolynos por quatro anos, os conselheiros do Cade tentaram evitar o que consideravam uma concentração excessiva. Juntas, Colgate e Kolynos detinham cerca de 79% do mercado brasileiro. "Foi uma decisão inédita no Brasil", diz o advogado americano John Ferençz McNaughton, especializado em direito da concorrência.
"Num primeiro momento, teve-se a impressão de que os resultados seriam devastadores para a estratégia da Colgate." Na época, previa-se que a sucessora da Kolynos poderia perder até 20 pontos percentuais de participação no mercado. A conseqüência da determinação do Cade era óbvia, pelo menos para os adeptos da teoria do império das marcas: fazendo desaparecer o principal nome, abre-se espaço para que a concorrência avance e o consumidor fique a salvo.
Essa era a teoria. Na prática, a história tem sido diferente. Uma série de novos produtos, lançados sobretudo por redes de varejo, chegaram ao mercado desde então. Nos últimos quatro anos, as vendas de cremes dentais cresceram 42,7% em volume, segundo o Sipatesp, sindicato que reúne as empresas do setor de artigos de higiene pessoal. Os preços se mantiveram cerca de 30% abaixo dos índices de inflação. Mas, pouco mais de dois anos após ser lançada, a Sorriso - marca escolhida pela Colgate para substituir a Kolynos - é responsável por 36,7% do faturamento total do setor. A perda de participação foi mínima. Em 1996, último ano da Kolynos no mercado, a marca era responsável por 40,6% das receitas do setor. Segundo a ACNielsen, no ano passado a Colgate, com todas as suas marcas, concentrou 74% do mercado brasileiro.
Estima-se que uma nova marca de creme dental leve quatro anos para atingir - se tudo correr bem - 20% de participação. Com a Sorriso, a Colgate conseguiu muito mais, em muito menos tempo. "O sucesso da Sorriso é uma grande demonstração de que o consumidor tem memória fraca", diz Marcos Cobra, professor de marketing da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo.
As explicações para o bom desempenho da Sorriso, porém, vão além da memória fraca do mercado. Uma marca, sozinha, não significa muita coisa. O importante é o que está por trás dela. "Ao pagar 760 milhões de dólares pelas operações brasileiras da Wyeth-Whitehall, a Colgate levou muito mais do que um logotipo famoso", diz o consultor paulista José Roberto Martins, especializado em marcas. "Levou uma estrutura de produção, uma distribuição pulverizada, capital humano e uma estratégia de relacionamento com o varejo que demorou quase 80 anos para ser construída. São esses os ativos que dão força à marca." A fórmula da pasta não sofreu nenhuma alteração. A Sorriso, assim como sua antecessora, foi posicionada como um produto popular, de preço baixo. A empresa também manteve um poderoso e pulverizado esquema de distribuição. Na época da venda, os cinco principais clientes representavam apenas 17% das vendas do creme dental da empresa.
Talvez nada tenha sido tão importante para a sustentação da Sorriso quanto a estratégia de marketing usada pela Colgate, liderada pelo americano Roger Pratt. "Eles queriam que o consumidor comprasse a Sorriso achando que estava levando a Kolynos para a casa", diz um executivo próximo à empresa. "Até o número de letras que compõem os dois nomes é igual."
Em 1994, a Wyeth-Whitehall investiu cerca de 16 milhões de dólares para divulgar seu principal produto. Apenas no lançamento da Sorriso, foram investidos 34 milhões de dólares em campanhas publicitárias e promoções - um dinheiro que não precisaria ser gasto, caso o direito de uso do nome Kolynos não tivesse sido cassado, e que deve levar ainda algum tempo para voltar aos acionistas. Dias antes do lançamento, em junho de 1997, a Colgate teve de descartar milhões de embalagens produzidas para acondicionar sua nova marca. Motivo: as cores e o design eram muito semelhantes aos da Kolynos. As campanhas publicitárias preparadas para o lançamento também foram alteradas, por determinação do Cade. (A compra da Kolynos pela Colgate revelou-se um processo desgastante para a corporação. A impossibilidade de uso da marca nunca foi cogitada e, após a decisão do Cade, vários executivos se afastaram da companhia.)
"Mesmo com todas essas dificuldades, a empresa contou com dois pontos a seu favor", diz Marcos Machado, professor de gestão de marcas da Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo, e sócio da consultoria Top Brands. "Um foi o sucesso na transferência de valores da marca antiga para a nova. O outro foi a incompetência de seus concorrentes para ocupar o espaço deixado pela Kolynos." Em agosto de 1998, a Procter & Gamble, principal concorrente da Colgate no processo de compra da operação brasileira da Wyeth-Whitehall, retirou a Crest, líder há décadas nos Estados Unidos, do mercado brasileiro. Nos últimos dois anos, a participação da Gessy Lever nas vendas de cremes dentais, em valores, subiu cerca de 2 pontos percentuais. "O esforço da Colgate é a maior prova de que ter um nome forte é fundamental para o sucesso", diz o publicitário José Francisco Eustachio, sócio da agência Talent, de São Paulo. "A empresa poderia ter esperado quatro anos, mas preferiu apostar tudo numa nova marca."
Em setembro de 2001, a Colgate ficará livre para usar o nome Kolynos em seus cremes dentais vendidos no Brasil. Então, deverá ter início uma nova etapa. Mesmo nas sombras, a Kolynos continua a ser uma marca fortíssima e, no futuro, poderá contar com uma rival inexistente há três anos: sua sucessora. Há uma série de perguntas a ser respondidas. A empresa usará as duas marcas? Em quais produtos? Qual delas será a mais forte? Elas concorrerão entre si? "Talvez seja nesse dia, quando a Kolynos voltar às prateleiras, que o verdadeiro desafio da Colgate vá começar", diz Cobra.