Black Lives Matter: manifestantes cruzam a Ponte do Brooklyn um ano após a morte de George Floyd, asfixiado por um policial branco (David Dee Delgado/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 29 de julho de 2021 às 06h00.
Procura-se líder em Diversidade e Inclusão (D&I). Pessoa capaz de engajar colaboradores trabalhando de casa. Que dialogue com diferentes pessoas e instituições, dentro e fora da empresa. Com trânsito em multinacionais, startups, ONGs e também nas periferias. Que tenha conhecimento de gestão de projetos e de cultura organizacional para estabelecer processos e metas ligados ao recrutamento, desenvolvimento e retenção de talentos.
Que reúna formação teórica sobre temas que vão do direito à sociologia. Que tenha sensibilidade, diplomacia e pragmatismo. Que tome decisões com base em dados e mostre resultados por meio dos indicadores em parceria com os setores de RH, vendas, marketing, relações institucionais. Que convença todos de que diversidade e inclusão são prioridades do negócio. Que traga política à pauta da diretoria, sem partidarizar. Que saiba cuidar de pessoas e de dinheiro. Um dos trabalhos mais difíceis no mundo, segundo Josh Bersin, uma autoridade internacional em recursos humanos.
Ofertas de cargos assim — mas não necessariamente com essa franca descrição — cresceram 560% de janeiro ao início de junho de 2021 no Brasil, de acordo com dados da Gupy, startup brasileira de recrutamento e seleção, que hoje lista cerca de 200 vagas para especialistas em diversidade e inclusão.
Num recorte mundial do LinkedIn, observa-se que o número de pessoas com o título de head de diversidade mais do que dobrou nos últimos cinco anos (crescimento de 107%). Ainda que a atual pandemia tenha feito com que muitas empresas pisassem no freio de seus esforços de D&I, o mesmo estudo do LinkedIn mostrou que o movimento Black Lives Matter, que tomou as ruas entre o final de maio e o início de junho de 2020 nos Estados Unidos, impactou tremendamente o mundo corporativo. Após a morte de George Floyd, o número de ofertas de cargos de gestor da diversidade quadruplicou, atingindo o maior nível já registrado nessa rede social profissional.
Diversidade e inclusão na prática
Mas como podemos entender esse boom? “A lógica é simples: se é importante para a sociedade, deve ser importante para a empresa”, explica o head de diversidade e inclusão do Grupo Boticário, Renato Amendola. “Estamos totalmente cientes de que o futuro do nosso negócio passa pela construção de um ambiente interno que retrate da maneira mais fiel possível a diversidade brasileira”, diz ele.
Por isso, e para atingir as metas assumidas publicamente pelo compromisso Uma Beleza de Futuro, que visa ter 50% de mulheres e 25% de lideranças negras até 2023, os processos de estágio e trainee já romperam algumas barreiras, tirando a exigência de domínio da língua inglesa, por exemplo. “O talento está em todos os lugares e tem diversas origens, algo a que estamos muito atentos agora”, diz Amendola.
À frente da divulgação dos rankings das Melhores Empresas para Trabalhar, editados há 25 anos, a diretora de conteúdo e relações institucionais da GPTW, Daniela Diniz, também entende que o movimento pela diversidade é irreversível e necessário para as empresas que desejem crescer, inovar e competir por talentos. Entre as 150 Melhores Empresas para Trabalhar do último ranking, de 2020, 91% têm uma pessoa responsável por combater a discriminação e promover a diversidade. No ano anterior, esse número era 83%. Diniz, contudo, pontua: “Diversidade tem de fazer parte da cultura da empresa; não pode ser uma resposta pontual a crises”.
Vozes ativas e lugar de fala
Para entender o crescente interesse pela gestão da diversidade e os desafios daqueles que vão ocupar esses espaços, ouvimos pessoas que já trabalham com D&I no Brasil. Mais do que diplomas ou habilidades técnicas, o que caracteriza o perfil desejado para esse profissional é sua história. Buscam-se pessoas que souberam encontrar caminhos e aproveitar oportunidades para proporcionar a mais gente os mesmos acessos.
Foi assim o percurso de Ricardo Sales, que há cerca de 20 anos passava ao mesmo tempo num concurso na Caixa Econômica Federal e no concorrido vestibular de publicidade da Universidade de São Paulo (USP). “Na época eu era um menino, no armário, e tive a oportunidade de trabalhar num projeto para a diversidade na Caixa”, conta. Por causa de sua voz ativa nas redes, a Ambev o procurou para uma conversa durante o processo de reposicionamento de suas cervejas. Ao decidir cobrar pela consultoria, ele enxergou a oportunidade de deixar a carreira de bancário e passou a liderar uma consultoria de diversidade.
Com uma história que guarda algumas semelhanças com a de Sales, Vitor Martins também deixou para trás um passado de pobreza, em São Luís, Maranhão, e começou a criar seu caminho como especialista para diversidade ainda na faculdade, quando cursava ao mesmo tempo administração, na Fundação Getulio Vargas, e psicologia, na Federal de Santa Catarina. “Meu TCC foi sobre pessoas com deficiência no mercado hospitalar, um tema que escolhi em lembrança de uma tia muito querida, que era cadeirante”, conta.
Como estagiária, Martins participou do desenvolvimento do primeiro plano de igualdade racial da RD Station, que desenvolve softwares de marketing. Na psicologia, entrou para o grupo de estudo de gênero. Onde quer que estivesse, não parou mais de pesquisar, estudar, escrever e postar sobre seu lugar de fala. Em sua biografia do LinkedIn, Martins se descreve como “uma bicha preta, nordestina”.
Foi esse simbolismo que o Nubank quis trazer ao time quando atravessou uma crise de imagem, após uma fala polêmica de sua fundadora no programa de TV Roda Viva, e chamou Martins para ser sua especialista em D&I. “Eu aceitei o convite porque reconheço o impacto de minha representatividade para gerar mudanças”, afirma. Antes de assumir o cargo, Martins quis saber se teria orçamento para seus projetos e se convenceu quando a fintech veio a público assumir o erro e anunciar o investimento de 20 milhões de reais para combater o racismo.
Outro caso que foi pilotado na academia, desta vez como trabalho de MBA, foi o de Lilian Rauld, head de diversidade e inclusão da Sodexo On-site, empresa que oferece serviços de alimentação corporativa e facilities. Chilena e com vivências de estudo e trabalho na Espanha e nos Estados Unidos, Rauld criou um projeto de contratação de refugiados que já atingiu 300 pessoas. São três exemplos de histórias que inspiram e nos fazem torcer para que esses espaços para a liderança da diversidade sejam mais do que um convite para a festa. Que eles incluam mais gente — e, mais do que isso, a chamem para dançar.
Antes de tudo, é importante ouvir clientes e colaboradores
O compromisso com a diversidade nasce da agenda ESG, sigla em inglês para ações ambientais, sociais e de governança. Faz parte, portanto, de metas objetivas e sustentáveis, com impacto tanto para a sociedade quanto para a organização. O desafio é separar o que é puramente filantropia de iniciativas que acolhem as dores e as dificuldades de seu público, conquistando assim ganhos de reputação entre colaboradores, clientes e fornecedores.
Com 42.000 funcionários, dos quais 65% são mulheres, a Sodexo On-site criou um programa de combate à violência doméstica. O Boticário prometeu reduzir a desigualdade social de 1 milhão de brasileiros, transformando a realidade dos catadores e de cooperativas de resíduos no Brasil. Já o Nubank lançou um banco de talentos exclusivo para negros e negras e assumiu o desafio de educar 400 jovens da periferia de São Paulo, para que possam concorrer a vagas de entrada.
Empresas menores também podem e devem fazer sua parte. A empresa de produtos veganos de limpeza e autocuidado Positiv.a criou um comitê de diversidade e inclusão para realizar pesquisas, compartilhar conteúdo educativo, conduzir oficinas e treinamentos, e instaurar um canal de escuta anônima para seus 50 colaboradores. “Com esses encontros, percebemos que nossas embalagens precisavam ser adaptadas para deficientes visuais, que nossos produtos tinham de ser testados em todos os tipos de pele e de cabelo, e estamos buscando contratar mais afro-brasileiros para chegar a um mínimo de 30% ainda neste ano”, afirma a CEO Marcella Zambardino.
Sensibilizar e educar as equipes é um dos desafios
A inclusão no ambiente de trabalho é uma meta significativa para muitas organizações, mas também pode ser um alvo difícil de atingir. Às vezes, vieses inconscientes afetam nossa capacidade de atrair e cultivar talentos diversificados, de aproveitar experiências e perspectivas únicas e de promover inovações por meio da colaboração.
O preconceito pode aparecer praticamente em qualquer etapa do trabalho, mas na maioria das vezes ele surge no recrutamento, nas avaliações de desempenho e feedback, e nas decisões referentes a treinamentos e promoções. Para ajudar as empresas a educar e sensibilizar as equipes, a Salesforce lançou no Trailhead, sua plataforma gamificada e gratuita de treinamento online, o módulo “Impacto de preconceitos inconscientes”. O intuito da trilha é que as pessoas reconheçam o problema no ambiente de trabalho, entendam o impacto dele no desempenho dos funcionários e, por fim, criem uma cultura de inclusão a partir de práticas que transformem líderes em aliados da igualdade.