Herdeiros da TAM e da LAN, no anúncio da formação da Latam: negócio complexo para respeitar as restrições legais (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.
Em três décadas, o comandante Rolim Adolfo Amaro transformou sua pequena empresa de táxi aéreo, fundada em 1961, em Marília, no interior paulista, numa das maiores companhias da história da aviação civil brasileira. Carismático e marqueteiro de mão-cheia, Rolim inaugurou uma nova era no setor, ajudando a enterrar operações menos eficientes, como Vasp, Transbrasil e Varig. Sua morte, num acidente de helicóptero em 2001, expôs a companhia a um vácuo de identidade e de comando. Quem poderia, afinal, substituir Rolim? E, caso seus acionistas encontrassem essa pessoa, isso seria suficiente para a TAM de hoje? Nos últimos nove anos, quatro executivos se sucederam na presidência da empresa — o atual é o mineiro Líbano Barroso, que assumiu o posto em outubro de 2009.
“Desde então a empresa vive um período de idas e vindas, em que um presidente privilegia a gestão de custos e o outro o atendimento”, afirma um executivo próximo à companhia. Recentemente, a combinação de uma estratégia considerada errática com o acirramento da concorrência passou a cobrar um preço. Nos últimos 18 meses, a participação da TAM no mercado doméstico caiu de 50% para 43%, o que quase lhe custou a liderança de mercado — a Gol, segunda colocada, tem hoje pouco mais de 38%, e a Azul, fundada em 2008, avança mais rapidamente do que seus concorrentes gostariam. A perda de cada ponto percentual de participação equivale a 250 milhões de reais. Uma conta simples dá a dimensão do problema da TAM.
Manter-se grande na indústria da aviação não é uma opção. É cada vez mais uma questão de sobrevivência — o que justifica a série de fusões dos últimos tempos. Com dificuldades para crescer, os herdeiros de Rolim — a viúva, Noemi, e os filhos, Maurício e Maria Cláudia — decidiram desengavetar um plano estudado há cerca de 15 anos: a fusão com a chilena LAN, divulgada em primeira mão pelo Portal EXAME no dia 13 de agosto. O negócio dá origem à Latam, o maior grupo de aviação da América Latina, com receitas de mais de 9 bilhões de dólares e valor de mercado estimado em 11 bilhões de dólares. “Foi a melhor saída para a família”, diz uma fonte próxima aos herdeiros.
Para se sentar no banco do copiloto da nova companhia, a TAM envolveu-se numa complexa operação societária — a lei brasileira limita a participação de capital estrangeiro a 20% das ações ordinárias das empresas aéreas. Devido a essa limitação, o negócio arquitetado pelo banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual e membro do conselho de administração da TAM, teve de ser cuidadosamente desenhado. O negócio deveria, ao mesmo tempo, respeitar as regras brasileiras e acomodar os interesses da LAN, uma companhia que na véspera do anúncio tinha mais que o triplo do valor de mercado da TAM. Na holding Latam, a família Cueto, controladora da LAN, torna-se majoritária, com 24,1% de participação — os Amaro terão 13,5%. Na troca de ações entre as empresas, os papéis da LAN também aparecem em vantagem — uma ação da TAM será trocada por 0,9 de uma ação da Latam.
A operação prevê ainda que a TAM feche seu capital, hoje negociado na Bovespa e na bolsa de Nova York. A partir daí, cumprindo as exigências legais, a família Amaro ficará com 80% das ações com direito a voto da TAM e a Latam terá o restante. Ou seja, a empresa fundada por Rolim Amaro será coligada a uma companhia sediada em Santiago cujo maior acionista é uma família chilena. Um acordo com tal complexidade fez nascer uma questão: estamos diante de uma fusão ou a TAM, que até recentemente pintava em suas aeronaves a frase “Orgulho de ser brasileira”, foi simplesmente comprada? Um relatório divulgado pelo Citi no dia 15 de agosto e assinado pelos analistas Stephen Trent e Angela Lieh classifica a operação como uma aquisição da TAM pela LAN. “Não houve venda nem compra”, afirma Marco Antonio Bologna, presidente do selho de administração da TAM e exprincipal executivo da companhia. “Houve uma combinação de empresas para darmos um salto no futuro.”
Esse salto é tão importante para a TAM quanto para a LAN. Com pouco mais de 17 milhões de habitantes, o Chile é um mercado em que a LAN é quase monopolista. As chances de crescimento no país são quase inexistentes. “Unindose com a TAM, do dia para a noite a LAN conseguiu entrar com força no crescente mercado consumidor brasileiro”, diz Caio Dias, analista de transportes do banco Santander. “E a TAM ganha o bônus de se juntar a uma das mais eficientes empresas aéreas do mundo.” (A eficiência da LAN é parte da explicação para que seu valor de mercado seja maior que o da TAM, mesmo sendo menor que a brasileira.) Para as duas companhias, uma estrutura única de gerenciamento de rotas, aviões e vendas de passagens permite aumentar o fluxo de passageiros da América Latina. Além disso, com volumes maiores, fica mais fácil criar novas rotas.
Outro caminho para aumentar as receitas é buscar clientes da classe C brasileira — alternativa que a TAM vinha ensaiando há meses. Historicamente, a empresa centrou fogo nos clientes corporativos e nos da classe AB. Ocorre que já não é aí que se encontram as maiores oportunidades de expansão. Segundo o instituto Data Popular, nos próximos 12 meses, 10 milhões de brasileiros (mais de meio Chile) entrarão em um avião pela primeira vez. Destes, 80% serão da classe C. Para chegar a esse público, no início de agosto a TAM passou a vender passagens na Casas Bahia e a parcelar o pagamento em até 48 vezes. Há poucas semanas, colocou no ar uma campanha publicitária mais popular que o de costume, estrelada pela cantora Ivete Sangalo. “Depois de muita resistência, os Amaro finalmente perceberam que era preciso chegar à baixa renda”, diz um ex-executivo da empresa.
O processo de consolidação protagonizado por TAM e LAN, independentemente de sua natureza societária, é um fenômeno que se observa no setor de aviação em todo o mundo. Passado o pior da crise financeira mundial, as maiores empresas desse mercado encontraram na fusão com as concorrentes a fórmula para a sobrevivência. Em maio, as americanas United Airlines e Continental se juntaram, dando origem à segunda maior companhia aérea do planeta, com um faturamento de 29 bilhões de dólares. Um mês depois, a britânica British Airways e a espanhola Iberia criaram a nona maior do setor.
De acordo com um estudo do Iata, a associação internacional de transporte aéreo, haverá apenas 12 grandes companhias aéreas no mundo até 2040. A razão não está apenas nos óbvios ganhos de escala com esse tipo de operação, mas também na queda de restrições à atuação de empresas estrangeiras de aviação — uma medida que já vem sendo adotada em diversos países do mundo (o próprio Brasil estuda aumentar o limite de participação estrangeira para 49% do capital de uma empresa aérea nacional). “Essa é uma tendência impossível de ser revertida”, diz Adalberto Febeliano, diretor de relações institucionais da Azul. O acordo firmado entre TAM e LAN mostra que elas já entenderam o novo jogo.