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Trump não trará de volta os empregos perdidos, diz historiador

Para Joel Mokyr, especialista em economia industrial, Trump não vai trazer de volta empregos perdidos para a tecnologia

Joel Mokyr: "O problema da globalização é que seus efeitos positivos são difusos. Mas alguns grupos perdem muito" (Divulgação)

Joel Mokyr: "O problema da globalização é que seus efeitos positivos são difusos. Mas alguns grupos perdem muito" (Divulgação)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 26 de novembro de 2016 às 05h55.

Última atualização em 26 de novembro de 2016 às 05h55.

São Paulo — Normalmente otimista sobre o futuro, o historiador econômico naturalizado americano Joel Mokyr, um dos maiores especialistas do mundo em economias industriais modernas e professor na Universidade Northwestern, em Chicago, tem uma lista de temores sobre as consequências do mandato do bilionário Donald Trump à frente da Casa Branca.

A começar pela promessa de campanha de trazer de volta empregos perdidos. Para Mokyr, isso é impossível porque parte da mão de obra se tornou obsoleta com o avanço tecnológico. Por telefone, ele concedeu esta entrevista a EXAME.

Exame - As ideias de Trump o separam da direita tradicional. Como o senhor enquadraria o novo presidente americano?

Mokyr - Donald Trump se opõe frontalmente ao pensamento conservador dos Estados Unidos, que acredita no livre comércio. As ideias dele misturam o mercantilismo do século 17 com o fascismo do século 20, um regime político que pregava uma economia autossuficiente e a redução das importações.

Trump se baseia em análises primitivas, sem base em fatos. A ala libertária do Partido Republicano não se entusiasma com essas ideias, embora deva embarcar no governo do novo presidente por oportunismo.

Exame - Na história americana, houve algum presidente com ideias parecidas com as dele?

Mokyr - Alguns grupos já pensaram assim. Em 1850, o movimento chamado de Know Nothing tentava impedir a imigração. Nos anos 30, partidários do fascismo cunharam o slogan “America first”, não por acaso adotado por Trump, e pregavam o nacionalismo e o isolamento internacional.

Mas nunca chegou ao poder um grupo comprometido com ideologias re-trógradas, oferecendo soluções simplistas a temas complexos, como o que rodeia Trump. Eles não entendem as relações dos Estados Unidos com a América Latina e com o Oriente Médio.

Exame - Onde está a maior fragilidade do pensamento de Trump?

Mokyr - Desde o filósofo Charles Montesquieu, no século 17, os economistas entendem que o comércio entre nações é um processo civilizatório em que todos ganham. Nos últimos 20 anos, aprendemos que nem sempre isso é verdade. Algumas pessoas empobreceram.

Achava-se que seria um efeito marginal, porque o benefício geral para a sociedade compensaria as perdas. Mas os perdedores alimentaram rebeliões políticas, como o Brexit e a eleição de Trump. A resposta não é levar o mundo ao passado, construir muros ou rasgar acordos comerciais.

Exame - Quais serão as consequências para a economia mundial?

Mokyr - Ninguém sabe o que Trump vai fazer. As propostas dele são genéricas e inconsistentes. Há duas coisas que ele pode fazer porque controlará o Congresso: cortar impostos — dos mais ricos, provavelmente — e gastar agressivamente com infraestrutura.

Se fizer isso mesmo, haverá um estímulo à economia, mas também um enorme déficit no governo. Se isso afetará o mundo, depende do que vai acontecer com o comércio exterior.

Exame - A globalização está em risco?

Mokyr - Em parte, sim. O problema da globalização é que seus efeitos positivos são difusos. Temos produtos e serviços mais baratos do que haveria numa economia fechada. Mas alguns grupos perdem muito, como o de operários cujo emprego migrou para outro país. E se mobilizam bastante nas urnas.

Exame - Trump conseguirá recuperar os empregos industriais perdidos?

Mokyr - De jeito nenhum. É muito mais caro contratar um trabalhador americano do que um asiático ou um mexicano. Os novos empregos estão em indústrias inovadoras ou em serviços. O problema é que muita gente se tornou obsoleta para o trabalho. Isso é da natureza do avanço tecnológico.

O advento da imprensa tirou o emprego dos escribas, que viviam de copiar livros. Sempre que existe progresso há também vítimas. A sociedade nem gostaria de reverter o processo. Afinal, é melhor viver num mundo com livros impressos do que copiados.

Exame - O que fazer com as pessoas que a tecnologia tornou obsoletas?

Mokyr - Essa é a pergunta de milhões de dólares. O operário que ganhava 45 dólares por hora numa siderúrgica não quer o emprego do cara do McDonald’s, de 15 dólares. Não se trata só da renda. É a sensação de não servir para mais nada. Ninguém sabe o que fazer com essas pessoas, que têm famílias e votam em gente como Trump.

Exame - Neste momento, o que o senhor mais teme em Trump?

Mokyr - Temo pelo acordo sobre mudanças climáticas. Trump já disse que o aquecimento global não existe. Os republicanos repudiam as evidências da comunidade científica mundial de que a Terra está mais quente.

Aqui, a imprevisibilidade de Trump é até um alento. Torço para ele mudar de ideia. Do contrário, o estrago será muito grande.

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