Revista Exame

Subdesenvolvimento não é destino

A pobreza é fruto de escolhas erradas. É o que diz o economista Steven Davis, da Universidade de Chicago

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Da Redação

Publicado em 8 de novembro de 2013 às 18h37.

A revolução tecnológica jogará hordas de desempregados nas ruas? O setor de serviços jamais será capaz de absorver todos aqueles que perderam seus postos de trabalho na indústria? Estamos trocando empregos bons por outros instáveis e mal pagos? Para o economista Steven Davis, de 39 anos, professor titular da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, nada disso é verdade. "Não vejo nenhum fim do emprego por perto", diz Davis. "O que se diz hoje é o mesmo que se falava na época em que houve grandes ganhos de produtividade na agricultura, transferindo os trabalhadores para a indústria." Autor do livro Job Creation and Destruction (Criação e Destruição de Empregos), recentemente publicado pelo MIT Press, ele é tido como um dos maiores especialistas americanos em mercado de trabalho. Seu argumento: mesmo que a taxa bruta de desemprego permaneça constante, sempre ocorrerá um movimento intenso de criação e destruição de empregos na economia. "Há muito pânico e pouca informação quando o assunto é emprego", diz.</p>

Casado com uma brasileira, Davis passará a ter relações mais estreitas com o país de agora em diante. Ele é um dos sócios da empresa Chicago Economics and Finance Experts. Sua intenção é começar a trazer para o país especialistas da Universidade de Chicago para seminários, consultorias e convênios com instituições de pesquisa nacionais. "Há um campo formidável para isso no Brasil." Há poucas semanas, Davis esteve em São Paulo participando de um seminário promovido pelo Instituto Fernand Braudel. Ele concedeu a seguinte entrevista a EXAME:

EXAME - Recentemente, um livro chamado O Fim dos Empregos vendeu mais de 100 000 exemplares nos Estados Unidos. O fantasma do desemprego é mesmo tão assustador?

DAVIS - Existe de fato um lugar-comum bastante repetido quando o assunto é trabalho. As pessoas acreditam que há cada vez menos empregos. Mas se olharmos para o que aconteceu no século XX teremos um quadro totalmente diverso. O número de empregados em relação à força total de trabalho cresceu assustadoramente. O que mudou foi a distribuição entre homens e mulheres. No período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho mais do que compensou o declínio da participação masculina. Antes, as mulheres nem sequer eram consideradas desempregadas. Outra mudança significativa diz respeito à natureza do trabalho. Há mais pessoas realizando trabalhos parciais. E há também, como produto da revolução tecnológica, mais pessoas trabalhando de forma autônoma. A vida econômica é bem menos precária do que se imagina.


EXAME - Qual será o impacto dos avanços tecnológicos de agora em diante?

DAVIS - Eu não vejo nenhum fim do emprego. Aliás, falava-se o mesmo na época da revolução que mecanizou a agricultura e transferiu milhões de pessoas do campo para as cidades. Desde que se inventou a primeira máquina a vapor, existe esse medo do desemprego tecnológico. Mas veja o caso de um país como o Brasil. Há milhões de indivíduos que nem sequer participam da sociedade de consumo. Não se pode dizer que todas as necessidades dos cidadãos estejam atendidas e que isso dispense o trabalho humano. Também não se pode afirmar que o Brasil possua um mercado de serviços desenvolvido. Há muito o que explorar. Se há um limite na capacidade do mercado de serviços de absorver novos empregados, o Brasil ainda está muito longe desse ponto. Os avanços tecnológicos tornarão o país mais rico, mais produtivo e mais apto a crescer e gerar empregos.

EXAME - Que impacto a abertura da economia tem no mercado de trabalho?

DAVIS - O comércio internacional é apenas um dos fatores que contribuem para a destruição de empregos. A competição interna também produz resultados semelhantes. Mas a exposição a competidores externos, quando se pesam todos os fatores que provocam o desemprego, não tem tanta importância quanto se imagina. Realizamos pesquisas com uma série de indústrias nos Estados Unidos, protegidas ou não, e pôde-se perceber que há destruição de empregos nos 2 casos. Quando se opta pelo protecionismo, protegem-se alguns empregos no curto prazo, mas os custos são maiores do que os benefícios. A transformação industrial, que acabará sendo inevitável, fica postergada. Basta ver o que aconteceu no Brasil com a reserva de informática. Valeu a pena?

EXAME - O que determina a criação ou a destruição de empregos?

DAVIS - Há alguns pontos que podem ser identificados claramente. Os ciclos econômicos, evidentemente, são fatores determinantes na criação e na destruição de empregos. Mas quando se olha a questão por um ângulo microeconômico deve-se atentar para a capacidade de inovação e adaptação das empresas. Pense no que aconteceu com os computadores. A IBM dominava o mercado de mainframes, mas, em razão de uma série de deficiências culturais e organizacionais, mostrou-se incapaz de mover-se com rapidez para o mercado de micros. Em razão disso, a IBM é hoje um jogador menos relevante nesse setor. Assim como houve uma brutal destruição de empregos na IBM, houve uma brutal criação de postos de trabalho em outras empresas, que foram mais ágeis. Trata-se, simplesmente, do conceito formulado por Schumpeter muitos anos atrás: destruição criadora. O mesmo vale para a AT&T. O número de empregos que foi criado no setor de telecomunicações nos Estados Unidos nos últimos anos foi extraordinário. Uma parte nunca deve ser tomada pelo todo. Mas alguns analistas preferem fotografar um detalhe negativo e, a partir daí, produzir uma generalização que é totalmente incorreta.


EXAME - Qual o papel dos incentivos a micro e pequenas empresas nas políticas de criação de empregos?

DAVIS - Nos Estados Unidos, havia um mito bastante repetido a esse respeito. Dizia-se que 8 em cada 10 empregos eram criados por empresas de pequena escala. Não há nenhuma evidência empírica disso. Quando se observa o intenso movimento de criação e destruição de empregos, percebe-se que as empresas menores demitem até numa velocidade maior do que as grandes corporações. Ainda que isso não acontecesse, por que seria correto subsidiar certas atividades, interferindo no processo mais eficiente de alocação de recursos? A única diferença entre esses 2 grupos de empresas é que, em processos maciços de demissões, as grandes corporações são mais visíveis e chamam muito mais atenção. Mas poucos percebem que um gigante como a Pepsi contratou mais de 50 000 pessoas nos anos 90.

EXAME - Nos Estados Unidos, alguns programas de reestruturação e de demissões são feitos com vistas ao impacto que terão no preço das ações. Como o senhor avalia esse fenômeno?

DAVIS - O que se espera de um bom sistema econômico? Que os recursos sejam alocados da forma mais eficiente possível. Isso é necessário para que a economia se desenvolva e para que as transformações tecnológicas ocorram. A virtude do mercado de capitais é simples. Os acionistas são responsáveis pelas boas e pelas más decisões que tomam. Seu objetivo é gerar os maiores retornos possíveis, com o menor dispêndio de recursos. Muitas vezes, os acionistas são os próprios trabalhadores, por meio de seus fundos de pensão ou fundos mútuos de investimento. Os empregados têm hoje mais participação no capital do que tinham alguns anos atrás e essa democratização se deu pelo mercado de capitais. Mas veja o caso, por exemplo, de empresas estatais. O processo de tomada de decisão nessas empresas não leva em conta esse princípio básico de ter o maior retorno possível, utilizando a menor quantidade de recursos. Se alguns empregos em estatais têm de ser preservados, por motivos políticos ou quaisquer que sejam, a conseqüência para uma sociedade como a brasileira é um freio no progresso econômico. O que pode ser ruim para os empregados de uma empresa, vista isoladamente, pode ser bom para o sistema econômico como um todo. Melhor do que proteger empregos improdutivos é criar mecanismos de recolocação desses empregados.

EXAME - Na sua opinião, o que se deve fazer para recolocar os demitidos?

DAVIS - A melhor resposta, no longo prazo, é a educação. A capacidade de adaptação de um trabalhador depende basicamente de suas capacidades intelectuais. Infelizmente, o Brasil tem um retrospecto muito pobre nesse campo. Nos anos 50, o Brasil era mais rico do que um país como a Coréia e os níveis educacionais eram parecidos. Subdesenvolvimento não é destino, mas sim resultado de certas escolhas equivocadas. Nos últimos anos, os avanços educacionais na América Latina foram muito modestos, ao contrário do que ocorreu na Ásia. O resultado é simples: a força de trabalho deles é muito mais adaptável e capaz de responder aos avanços tecnológicos. O problema educacional também é um dos principais responsáveis pela concentração de renda. Mesmo nos Estados Unidos, tem aumentado a distância que separa os rendimentos dos mais e dos menos capacitados em termos de educação. Um efeito da revolução tecnológica é o fato de haver maior demanda por gente mais qualificada e menor necessidade de empregos tradicionais. Isso explica por que as taxas de desemprego tendem a ser maiores onde os níveis educacionais são menores. Essa deficiência central de um país como o Brasil não implica que não haja políticas de curto prazo. Podem ser feitas políticas de retreinamento, por exemplo, assim como alguns custos de contratação podem ser reduzidos.


EXAME - No Brasil, discute-se agora a criação de contratos temporários de trabalho, sem a mesma incidência de encargos trabalhistas. É uma boa saída?

DAVIS - É o mesmo que se fez na Espanha. Isso ajuda a atenuar, no curto prazo, os impactos negativos de uma onda de desemprego e deve ser encarado positivamente. Mas a questão dos encargos sociais, em um país como o Brasil, não se limita a isso. Por exemplo: as multas que os empregadores têm de pagar quando ocorre uma demissão, 40% do Fundo de Garantia no caso brasileiro, acabam representando um desestímulo às contratações. O que, aparentemente, é um seguro que protege os trabalhadores acaba sendo responsável por menos empregos. Além disso, produz uma rotatividade maior da mão-de-obra. Para os empregados, muitas vezes pode ser melhor deixar um emprego, fazendo acertos com seu empregador, em que cada um leva uma parte do fundo. Melhor seria apenas ter um sistema de seguro-desemprego mais eficiente, para quem realmente precisa dessa rede de proteção social. Muitas vezes alguém se demite espontaneamente, emprega-se sem maiores dificuldades, mas toma recursos de um fundo que poderia estar beneficiando os menos protegidos.

EXAME - O emprego nos Estados Unidos está-se tornando mais precário?

DAVIS - O que se chama de emprego precário nos Estados Unidos é desemprego na Europa. O que é preferível: ter empregos com salários relativamente baixos para pessoas com baixas qualificações ou ter desempregados? Também não se pode dizer que os países europeus tenham tido sucesso na criação de bons empregos, especialmente naqueles setores de tecnologia de ponta. Ter flexibilidade para incorporar uma mão-de-obra menos qualificada é importante. O Brasil, reconhecidamente, é um país que tem taxas altas que incidem sobre o emprego. São encargos mais elevados até do que os de países desenvolvidos. Qual o resultado disso? Os salários são menores do que poderiam ser, há muitas empresas que migram para a informalidade e, obviamente, as contratações no mercado formal são limitadas. As taxas que financiam todos os programas sociais, portanto, ficam restritas ao mercado formal. O peso fiscal é distribuído de forma desigual.

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