Eric Yuan, fundador e presidente do aplicativo de videoconferência Zoom (Mark Lennihan/AP/Glow Images/AP)
Lucas Amorim
Publicado em 9 de abril de 2020 às 05h15.
Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 14h46.
A pandemia da covid-19 é uma oportunidade única para o empreendedor Eric Yuan, fundador do aplicativo Zoom. Desde o início de janeiro, o número de usuários da plataforma de videoconferência cresceu mais de 20 vezes. O aplicativo, que antes era usado apenas no ambiente corporativo, tornou-se íntimo de milhões de pessoas no mundo inteiro. Somente em um dia, mais de 25 milhões de reuniões foram realizadas por meio do Zoom. Entretanto, junto com o crescimento vieram os problemas.
Nas últimas semanas, especialistas em segurança da informação começaram a descobrir uma série de brechas e falhas na plataforma que levantaram dúvidas sobre a robustez do aplicativo. As ações da empresa, que tinham subido 125% desde o início do ano, tiveram uma queda de 25% de 27 de março a 7 de abril.
Em entrevista exclusiva à EXAME, o fundador e presidente do Zoom, Eric Yuan, reconheceu os problemas, mas garante que foram resolvidos. Ele diz ter sido pego de surpresa, uma vez que o Zoom foi construído para atender empresas e não estava preparado para o rápido crescimento de usuários finais. Nascido na China e naturalizado americano, o empreendedor fez carreira trabalhando no Vale do Silício, na equipe que criou o software de videoconferência Webex, depois comprado pela Cisco. Em 2011, ele fundou o concorrente Zoom. No ano passado, a empresa abriu o capital e hoje está avaliada em mais de 31 bilhões de dólares. No ano fiscal de 2019, alcançou uma receita de 330 milhões de dólares — o dobro de 2018 — e um lucro líquido de 6 milhões. Yuan diz que agora pretende redobrar os esforços para incrementar a segurança e a privacidade. “Posso dizer com segurança. O Zoom é seguro”, afirma.
Quando você percebeu que a pandemia teria um grande impacto para o Zoom e para seu negócio?
Foi no início de março. Quando a epidemia começou na China, tivemos um aumento no número de usuários bastante alto. E nós acrescentamos muita capacidade de processamento, mas era algo localizado. Depois disso, vimos o uso começar a crescer na Coreia do Sul, no Japão e em seguida na Itália. Aí o uso caiu um pouco e, então, no começo de março, vimos uma explosão no uso do Zoom nos Estados Unidos e também no mundo todo. Foi uma loucura. Diria que foi no começo de março que as coisas começaram a mudar de verdade.
A empresa estava preparada para esse aumento? Você teve de criar um plano de emergência para ser capaz de responder ao rápido aumento no número de usuários?
Não estávamos nem um pouco preparados, na verdade. Mas nós e nossa equipe passamos a trabalhar muito duro, noite e dia, para elevar a capacidade de processamento das videoconferências. Uma das razões do aumento também é que passamos a oferecer acesso gratuito a todas as escolas do ensino fundamental e médio, e todo dia buscamos aumentar a capacidade de nossos servidores. E continuamos fazendo isso. É realmente exaustivo e, obviamente, não é fácil.
Nas últimas semanas, foram publicadas reportagens sobre os problemas tecnológicos e de segurança envolvendo o Zoom. Quando esse tipo de problema entrou em sua rotina?
Algumas dessas falhas, que foram levantadas por especialistas em segurança da informação, já foram consertadas. Houve um problema com o instalador do Zoom nos computadores Macintosh, por exemplo. Nós já resolvemos e voltamos a usar um instalador tradicional. Já o problema de segurança que foi apontado com o software no Windows é, sinceramente, algo muito, muito difícil de ocorrer. Mas também corrigimos a falha. As manchetes que saíram sobre esses casos são completamente equivocadas e levam a uma compreensão errada do que aconteceu, na minha visão. Falou-se, por exemplo, que os dados do Zoom eram redirecionados para a China. Isso é completamente equivocado. Posso garantir: o Zoom é seguro. Sinta-se à vontade para usá-lo. Não temos nenhuma relação com a China. Nós construímos uma arquitetura de servidores que são distribuídos globalmente. Temos servidores no Brasil. Temos servidores nos Estados Unidos. Temos servidores na China. Se você e eu temos uma reunião pelo Zoom, você se conecta pelo data center do Brasil. E eu me conecto pelo data center localizado nos Estados Unidos. Se alguém de nossa equipe na China se conectar, ele vai se conectar pelo data center da China. É assim que funciona. Só em casos extremamente raros, quando os servidores de backup estão todos ocupados, é que o sistema redireciona a chamada para os servidores na China. Mas, como falei, são poucos os casos. No dia 1o de abril, por exemplo, realizamos mais de 25 milhões de reuniões no mundo inteiro. Num dia apenas. De todas essas reuniões, menos de uma em cada 40 acabou indo para o servidor na China. E isso ocorre de forma aleatória. Não é possível configurar o sistema para fazer com que uma reunião específica seja roteada para o servidor na China. E, ainda assim, estamos falando de data centers próprios do Zoom. Não são data centers de um terceiro.
Houve outros questionamentos em relação à segurança, sobre gravações que podiam ser acessadas online e casos de pessoas invadindo reuniões do Zoom (ou “zoombombing”). O que levou a esses problemas de segurança?
O Zoom foi construído e pensado para o consumidor corporativo. Qualquer cliente corporativo, antes de contratar o Zoom, segue todo um processo de avaliação e implementa suas regras de segurança. Isso é feito antes de seus funcionários começarem a usar o programa. E nós fornecemos todas as informações para a equipe de TI fazer as configurações. Mas nesta crise de pandemia, tivemos um aumento de usuários finais, isto é, consumidores. Eles não têm uma equipe de TI e não fazem configurações de segurança. As primeiras escolas que usaram o programa nem mesmo configuraram uma senha. O que fizemos em relação a isso é: passamos a forçar o uso de senhas e o uso do recurso de “sala de espera” antes de a reunião começar, para proteger os usuários. Essencialmente, tivemos não só de aumentar o acesso a nosso serviço como também de nos tornar uma equipe de TI para todos esses novos usuários.
Já vimos outras empresas de tecnologia, como Uber, Facebook e WeWork, lidando com críticas também. Esses casos seriam exemplos para o Zoom de como lidar com uma situação assim?
Cada situação e cada empresa é diferente. Em nosso caso, temos muitos clientes corporativos e muitos novos clientes, e estamos indo muito bem mesmo em meio a esta crise. Acho que estamos lidando bem. E o Zoom é seguro de usar. Digo isto aos nossos usuários: não se deixem assustar pelas manchetes. Mesmo na pandemia, estamos garantindo que as pessoas continuem conectadas. Não acho justo que algumas pessoas usem este momento para nos atacar. Sempre pode existir uma falha de segurança ou outra em qualquer serviço, mas a gente trabalha para corrigi-las rapidamente, como todas as empresas. Posso garantir, o Zoom é seguro.
Qual é a principal diferença entre o Zoom e seus competidores hoje em dia?
O Zoom é, eu diria, fácil de usar. Ele simplesmente funciona. Tem uma ótima qualidade. E muitos recursos inovadores. É por isso que nossos consumidores gostam dele. Em todos os últimos anos, nossa métrica de avaliação dos usuários [NPS] manteve-se em torno de 72. É a melhor avaliação entre as outras companhias nesta indústria. Além disso, eu estou atuando nesta indústria há 23 anos. Construí o Webex, que hoje é parte da Cisco, antes disso. O que fizemos foi construir uma nova arquitetura por trás do sistema.
Já havia muitos competidores na área quando você fundou o Zoom. Por que decidiu entrar nesse mercado?
Comecei a empresa em 2011. Posso dizer que, um ano antes, em 2010, eu falava com os clientes do Webex e não encontrava um único cliente realmente satisfeito com ele. Queria criar uma solução melhor.
Muito se conhece sobre a cultura corporativa de empresas como Facebook, Amazon e Apple. O que você pode nos dizer sobre a cultura corporativa do Zoom? E o que precisou mudar nessa cultura nas últimas semanas para lidar com esse aumento do uso e com os problemas de segurança?
Nossa cultura sempre esteve centrada em entregar satisfação e felicidade aos clientes. Porém, por causa dos problemas encontrados nas últimas semanas, decidimos desacelerar um pouco para entender o que podemos fazer melhor. Mesmo que nossa intenção seja boa, será que estamos preparados para dar acesso livre a todos? Temos de nos certificar que isso funcione e desacelerar um pouco. Acho que vamos acabar incorporando isso em nossa cultura.
Em que sentido você quer dizer que a empresa precisa desacelerar?
Isso significa que precisamos redobrar nossos esforços para melhorar a proteção à privacidade, porque temos muitos usuários finais agora. Não são só usuários tradicionais, os clientes corporativos. Dou um exemplo. Temos um recurso chamado “indicador de atenção”. Ele só é usado pelo departamento de TI. E, por padrão, esse recurso fica desabilitado. O Webex também tem isso. Era algo feito para o cliente corporativo. Mas agora muitas pessoas decidiram criticar o Zoom, dizendo que não ligamos para a privacidade e que queremos monitorar os usuários por causa dessa ferramenta. Se só tivéssemos clientes corporativos, não precisaríamos mudar esse recurso. Mas, agora, como estamos atendendo um número mais amplo de usuários, decidimos mudar.
O Zoom é uma empresa de reuniões online ou estamos vendo o início de uma empresa grande e diversificada, como a Amazon, o Alibaba ou a Tencent?
Essas empresas são muito grandes [risos]. Confesso que, na verdade, esse não é nosso objetivo no momento. Hoje, o que queremos de fato é melhorar o serviço e atender bem nossos clientes atuais.
O que pode nos dizer sobre o uso do Zoom no Brasil? Qual foi o crescimento aqui nos últimos meses?
Mesmo antes desta crise provocada pela pandemia, já tínhamos muitos usuários no Brasil. Como falei, já temos até um data center no Brasil para atender a essa demanda. Durante esta crise, a gente de fato viu um crescimento muito grande no Brasil também. Espero que os usuários brasileiros não sejam levados por todas essas manchetes horríveis que saíram sobre o Zoom. Vamos fazer um trabalho para esclarecer todos esses pontos.
Como está sua rotina? Está trabalhando de casa? Está conseguindo dormir?
Estou trabalhando de casa desde o início de março. Tenho dormido apenas 2 ou 3 horas por dia. Estamos trabalhando muito duro para lidar com o aumento da demanda e também por causa desta crise de relações públicas. Infelizmente, esse tipo de crítica às vezes não é justo. Toda vez que há uma alta demanda repentina, isso chama a atenção sobre quem vai se beneficiar. Mas não é algo que preocupa o usuário final de fato. É mais uma preocupação de investidores de curto prazo na bolsa. Isso acaba levando a uma confusão e a informações equivocadas. É uma loucura.
É possível gerenciar uma empresa como o Zoom trabalhando de casa?
Todos estamos trabalhando de casa há mais de um mês agora. Tem funcionado muito bem. Acho que depois desta crise o modo como trabalhamos vai mudar. Provavelmente vamos permitir que as pessoas trabalhem de casa uma vez por semana, ou vamos permitir que terminem o expediente em casa. Entretanto, temos de reconhecer: trabalhar de casa todos os dias é angustiante. Tenho muito mais reuniões agora do que tinha antes. Nenhum dia eu consegui almoçar no horário certo. É estressante. Todo dia é segunda-feira, e todo dia é domingo. Não há diferença. Não vejo a hora de poder voltar a trabalhar no escritório.
Mas a era do trabalho remoto e o uso de videoconferência vieram para ficar?
Sim, vão permanecer. Nossa proposta original sempre foi oferecer ferramentas de trabalho, não importa onde o usuário esteja. Com um clique, usando qualquer equipamento, podemos trabalhar juntos com nossa equipe. Esta pandemia só acelerou o processo. No futuro, muitas pessoas vão trabalhar só de casa. Além disso, a pessoa que começar um novo negócio nem vai precisar ter um escritório físico.
Como garantir que esse não é somente um crescimento momentâneo?
Temos de fazer com que as videoconferências sejam mais onipresentes no dia a dia. As pessoas podem usar essas ferramentas para qualquer coisa: happy hours, reuniões de família, cerimônias de casamento, missas nas igrejas. Muitas igrejas agora usam o Zoom aqui nos Estados Unidos. E também grupos de leitura da Bíblia. Há muitos usos diferentes.
“A PANDEMIA SERIA PIOR SEM O ZOOM”
Para Michael Moritz, do fundo Sequoia, a empresa de videoconferência vive momento inédito na história do Vale do Silício
O rápido crescimento do Zoom, seguido da crise causada pela descoberta de uma série de falhas de segurança, é um acontecimento inédito na história do Vale do Silício. Essa é a visão do executivo Michael Moritz, sócio do fundo de investimento Sequoia e um dos nomes mais renomados do setor de tecnologia. Em entrevista exclusiva à EXAME, Moritz afirma que o Zoom vivenciou em seis semanas o que a maioria das grandes empresas de tecnologia costuma experienciar ao longo de dez anos. Ele cita como exemplos empresas como a Apple, a Microsoft, a Amazon e o Facebook, que ao longo de sua história também enfrentaram dores de cabeça com diversas falhas de segurança. E, assim como ocorreu no passado, ele diz estar confiante de que a empresa conseguirá reagir. “O Zoom cresceu de uma forma que ninguém poderia imaginar. De um dia para o outro, ele saiu de um estágio em que vendia serviços de comunicação apenas para outras empresas para se tornar um aplicativo global para o consumidor final”, diz Moritz. O fundo Sequoia, do qual Moritz é sócio, é um dos principais investidores do Zoom. O investidor, que trabalhou como jornalista para a revista Time nos anos 1980, também ressalta a importância que o Zoom ganhou nas últimas semanas permitindo que famílias mantivessem contato e que empresas e governos continuassem operando, mesmo durante a quarentena. “Acho que seria muito pior passar por todas essas circunstâncias da covid-19 sem a existência do Zoom”, diz.