Revista Exame

A globalização saiu de moda?

Leia um trecho do novo livro do economista indiano Pankaj Ghemawat, em que ele trata dos desafios que as empresas enfrentam com a crise da globalização

Protesto antiglobalização em Paris: a onda de pessimismo afeta diretamente as multinacionais | Stephane de Sakutin/AFP Photo /

Protesto antiglobalização em Paris: a onda de pessimismo afeta diretamente as multinacionais | Stephane de Sakutin/AFP Photo /

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Da Redação

Publicado em 23 de maio de 2018 às 16h25.

Última atualização em 24 de maio de 2018 às 19h25.

“Quando escrevi meu primeiro livro sobre globalização, Redefinindo a Estratégia Global, em 2007, o sentimento predominante entre os executivos era de que as empresas poderiam apostar com segurança que a globalização continuaria a crescer. Quando termino este livro, uma década depois, alguns líderes empresariais, como o fundador da Alibaba, Jack Ma, ainda acredit9am que mais globalização é inevitável. Mas a maior parte da discussão em torno da globalização se tornou pessimista.

Parte da negatividade reflete, é claro, os recentes choques, mais notadamente o Brexit, como o voto do Reino Unido para sair da União Europeia é conhecido, e a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. (Eu me refiro a esses dois eventos como Brump.) Mas o clima já havia azedado antes disso. Em maio de 2016, a um mês da votação do Brexit, Jeffrey Immelt, então presidente da multinacional General Electric, disse à turma de MBA da Universidade de Nova York que era hora de uma ‘virada corajosa’ em direção aos mercados locais em resposta ao crescente protecionismo. O Brump continuou a mudança: ter uma estratégia global, o que antes parecia uma necessidade absoluta, havia se tornado um risco. Apenas uma semana após a posse de Trump, em janeiro de 2017, a revista The Economist declarou: ‘A retração da empresa global’.

Ao tentar interpretar essas opiniões e o atual estado da globalização, precisamos lembrar que a turbulência não é inteiramente nova. O processo a que agora nos referimos como globalização já tem centenas ou talvez milhares de anos. E as expectativas das pessoas sobre os impactos da globalização tendem a ultrapassar a realidade, para depois desabar. É o que eu chamo de ‘efeito ioiô da globalização’.

Embora os ioiôs sejam divertidos de brincar, o efeito da globalização é perigoso para as empresas e para as economias. Como disse o investidor Peter Thiel em 2008: ‘Nos últimos três séculos, as grandes ascensões e quedas do Ocidente acompanham os pontos altos e baixos do sentimento em relação à globalização… [como ocorre com] os picos e os vales do mercado de ações. Quase todas as bolhas financeiras envolveram nada mais, nada menos do que um grave erro de cálculo sobre a probabilidade de sucesso da globalização’. Vale acrescentar: Thiel, um dos principais doadores da campanha presidencial de Donald Trump em 2016, concorda que, com a eleição do republicano, o ioiô da globalização está num movimento de declínio. Ele disse: ‘Ninguém em sã consciência começaria uma empresa com a palavra global em seu nome hoje… Isso é tão 2005, parece tão datado’.

De fato, 2005 é um ano marcante. Foi quando houve um último movimento de ascensão do ioiô da globalização. Naquele ano, o livro O Mundo É Plano, de Thomas Friedman, foi publicado, tornando-se a obra mais vendida sobre a globalização de todos os tempos. Em meio à ‘histeria do mundo plano’ no período que antecedeu a crise financeira de 2008, era fácil esquecer que, menos de uma década antes, as expectativas em relação à globalização haviam diminuído, e não aumentado. No final da década de 90, a euforia após a queda do Muro de Berlim foi freada pela crise financeira asiática.

A ansiedade dos mercados financeiros e das empresas era tão alta na época que uma consultoria em estratégia de ne-gócios reuniu um grupo de líderes empresariais no início de 2001 para exa-minar as implicações para os negócios. Eu me juntei a um dos sócios da consultoria para estruturar uma discussão sobre o tema, que foi chamada de ‘salão global’. A figura na próxima página, adaptada de nossa apresentação naquele salão, destaca muitas das questões globais que os líderes empresariais de hoje estão novamente pensando diante do atual cenário pessimista. As empresas devem abandonar a estratégia de ganhar escala global e aumentar sua capacidade de resposta em mercados locais? A presença geográfica deve ser reduzida para diminuir o risco? O poder de decisão deve ser dado aos líderes de cada região e país? As multinacionais devem agir como suas concorrentes nacionais em suas relações com governos e sociedades ao redor do mundo?

Fábrica da Coca-Cola na Alemanha: em sua história, a companhia adotou modelos diferentes diante da globalização | Jens Kalaene/Ap Photo/Glow Images

Nosso principal exemplo para levantar essas questões e as respostas a elas é a Coca-Cola, considerada então a empresa com a marca mais valiosa e com a presença geográfica mais ampla no mundo. Durante a maior parte da história da Coca-Cola, a estratégia e o modelo da companhia poderiam ser incluídos na faixa inferior da figura abaixo. Como disse James Quincey, que se tornou presidente da empresa em 2017, ‘a Coca-Cola virou uma empresa global antes da globalização’. Ele continuou: ‘O modelo que funcionou é o seguinte. Dizíamos para os executivos: ‘Agora você está no comando do país X. Vá embora para lá. Boa sorte. Existem apenas duas regras. Você não pode mudar a fórmula e não pode roubar o dinheiro. Por favor, volte uma vez por ano e diga como está indo’. Esse foi o modelo que funcionou por cento e poucos anos’.

Mas, depois que Roberto Goizueta se tornou presidente em 1981 — à medida que a globalização ganhava impulso —, a Coca-Cola mudou a tática e adotou uma abordagem mais alinhada com a faixa superior da figura acima. Goizueta enfatizou que o crescimento seria baseado nas megamarcas da Coca-Cola, expandiu sua presença em 160 países para quase 200 e se dedicou a uma centralização sem precedentes ao consolidar divisões e colocar as pesquisas de consumo e os comerciais de TV sob a responsabilidade de uma agência de publicidade interna da Coca-Cola, com a ideia de padronizá-los. O preço das ações subiu, e a revista Fortune classificou a Coca-Cola como a empresa mais admirada dos Estados Unidos durante vários anos consecutivos.

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Douglas Ivester, que assumiu o cargo quando Goizueta morreu repentinamente em 1997, continuou com a estratégia — ‘Sem virar à esquerda, sem virar à direita’, como ele dizia. No entanto, Ivester deparou com a crise asiática e com problemas governamentais, particularmente na Europa. Os reguladores da União Europeia resistiram às tentativas da Coca-Cola de adquirir a marca de bebidas Orangina, da fabricante francesa Pernod Ricard, e um conjunto de marcas da britânica Cadbury Schweppes. Atrasos para resolver problemas sanitários causaram mais tensão. O valor de mercado da Coca-Cola colapsou de um pico de 220 bilhões de dólares para menos de 120 bilhões, uma vez que os analistas avaliaram que a exposição global era um risco, e Ivester foi demitido.

Douglas Daft assumiu a companhia no ano 2000 e retomou a estratégia voltada para os mercados locais. Com seu manifesto ‘Pense localmente, aja localmente’, milhares de empregos foram cortados na sede e o poder decisório foi transferido de volta às regionais. Isso foi quão longe nós levamos a história da Coca-Cola na discussão do ‘salão global’ no início de 2001. Terminamos nossa apresentação com uma pergunta: as viradas extremas de estratégia, feitas em resposta a mudanças de sentimentos sobre a globalização, foram de fato recompensadoras?

Com 15 anos de história adicional, a resposta para essa pergunta da perspectiva da Coca-Cola é claramente não. Os problemas da estratégia de focar novamente mercados locais surgiram rapidamente: as vendas nas economias emergentes passaram por problemas, assim como a qualidade do marketing. Os gerentes dos países estavam simplesmente despreparados para um conjunto de responsabilidades ampliado. Em 2002, a Coca trouxe de volta à matriz a supervisão de marketing. Essa tarefa em si era um desafio, porque contratar uma nova equipe levou mais tempo do que demitir a antiga. Mas o crescimento continuou abaixo das expectativas dos investidores,  e Daft renunciou ao cargo em 2004.

Coube a Neville Isdell, que substituiu Daft, encontrar o equilíbrio entre esses extremos. O que merece atenção especial, dada a semelhança entre o ioiô da Coca-Cola e algumas das recomendações que estão sendo feitas às empresas hoje, é quanto isso custou caro para a empresa. Apesar de sua força, a implementação das medidas levou boa parte de uma década, numa fase em que a economia mundial crescia, e a Coca-Cola provavelmente desembolsou dezenas de bilhões de dólares nessa recentralização.

O economista Pankaj Ghemawat: as empresas devem deixar de lado a estratégia global? | Chris Wattie/Reuters

A Coca-Cola é, claro, apenas um caso em questão, mas sua experiência não deve ser descartada. Embora a história não se repita, às vezes ela rima. Em vez de simplesmente sucumbir a mudanças de sentimento em relação à globalização e de lidar com os extremos, como a Coca-Cola fez, as empresas devem fazer uma longa e difícil reflexão sobre a globalização antes de decidir como lidar com ela.”


Pankaj Ghemawat é doutor em economia pela Universidade Harvard e professor na escola de negócios Iese, da Espanha

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