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Seis clãs perderam a fortuna

Dos nove fundadores da Fiesp, grandes magnatas do século 20, apenas um terço prosperou e manteve o negócio original

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h07.

A foto que ilustra esta página foi tirada no dia 28 de março de 1928 e registra um dos momentos mais significativos da história dos negócios no Brasil: a fundação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), o embrião do que seria, três anos depois, a Fiesp. Os nove personagens da foto integraram a primeira diretoria da entidade. Lá estava Jorge Street, magnata da indústria têxtil. Lá estava Roberto Simonsen, empresário da construção civil, imortal da Academia Brasileira de Letras, deputado federal e senador. E lá estava ele, o conde Francesco Matarazzo, cujo grupo empresarial só faturava menos que a União e o estado de São Paulo. Por suas ações, iniciativas e convicções, os nomes Street, Simonsen e Matarazzo entraram definitivamente para a literatura dos negócios, tornando-se tema recorrente de estudos acadêmicos. Mas, também por suas ações, iniciativas e convicções, a fortuna dessas famílias não se situa no mesmo patamar elevado em que se encontra sua biografia. O mesmo aconteceu com a riqueza de outros três empresários que posaram para a foto: Plácido Meirelles, que atuava no setor têxtil, Antonio Devisate, do ramo calçadista, e Carl von Bülow, da Antarctica. Os seis industriais quebraram ou tiveram de abrir mão de seus negócios. Escaparam da sina as famílias de outros três fundadores: a de José Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim, a de Horácio Lafer, do grupo Klabin, e a de Alfried Weiszflog, da Melhoramentos. Nesta reportagem, EXAME explica como e por que a desventura consumiu dois terços da Fiesp original.

Divulgação

Esta é a primeira diretoria da atual Fiesp, em foto tirada
em 1928
Nome do fundadorNegócioHerdeirosDestino da empresa
1 - AntonioFábrica de calçados
3 (enteados)
Foi fechada. Só o imóvel onde ficava a antiga fábrica rende dinheiro para
a família
2 - José Ermírio de MoraesIndústria têxtil Votorantim
77
Prosperou. Hoje o grupo tem uma centena de indústrias e atuação em oito
países
3 - Carl Adolph Von BülowCompanhia Antarctica Paulista
21
Foi vendida. Apenas um ramo da família possui uma empresa de instrumentos
de precisão
4 - Alfried WeiszflogEditora Melhoramentos
52
Prosperou. A empresa se profissionalizou e o faturamento hoje é 437 milhões
de reais
5 - HorácioIndústria de papel e celulose
16
Prosperou. O grupo se profissionalizou e a receita anual é superior a
2,7 bilhões de reais
6 - Jorge StreetIndústrias têxteis
62
Foram à falência ainda na gestão do fundador. Não sobrou nada do grupo
original
7 - Francesco MatarazzoConglomerado de indústrias
300
Praticamente desapareceu. Um processo irrefreável de endividamento desintegrou
o grupo
8 - Roberto SimonsenConstrutora
39
Foi vendida. Por esforço próprio, um dos herdeiros tem uma empresa de
tomates secos
9 - Plácido MeirellesIndústrias têxteis
27
Foram à falência. Um pedaço da família tem participação numa firma de
energia

Durante três meses, a equipe da revista localizou e obteve informações sobre como estão vivendo os descendentes das nove famílias fundadoras da entidade. No total, estudaram-se 526 herdeiros. Foram retirados da contabilidade os jovens de até 24 anos. Raramente alguém define seu destino profissional antes disso. Do universo pesquisado, verificou-se que apenas 15% possuem negócio próprio. Os outros 85% ganham a vida como profissionais liberais e empregados de outras empresas. Há ainda políticos, bailarinas e até atendentes de butique. A constatação matemática é que, para cada grupo de sete herdeiros da primeira safra de empresários paulistas, apenas um permanece à frente de um negócio -- a maioria com desempenho econômico muito inferior ao de seus antepassados.

Em alguns casos a riqueza ruiu ainda nas mãos do fundador. Jorge Street morreu pobre depois de perder as quatro empresas de seu grupo. Em outros, os herdeiros até receberam uma empresa sólida, mas não puderam manter o negócio em atividade. Aconteceu isso com os descendentes de Carl von Bülow, dono da Companhia Antarctica Paulista, atualmente uma das empresas do grupo Inbev. A participação da família na cervejaria foi vendida na década de 70. Entre os empreendedores -- um universo de 82 pessoas --, a maior parte (45) se concentra no clã Matarazzo. Uma das empresas mais promissoras desta nova fase, a Metalma, é presidida por Andrea Matarazzo, ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, integrante da quarta geração da família (leia abaixo artigo de sua autoria). Na família Simonsen, que não é a mesma do ex-ministro Mário Henrique, há também uma pequena empresa de tomates secos, a Débora, de Victor Fernando Simonsen. Mas a maioria esmagadora dos descendentes, os 85% restantes, abraçou outras carreiras e vive com um padrão de vida bastante digno, mas bem distante do dos patriarcas. Entre os herdeiros há médicos, advogados, engenheiros e também um padre.

Mauricio Matarazzo, tataraneto do conde, estudou direito canônico e hoje é sacerdote da Opus Dei, uma vertente da Igreja Católica conhecida pelo rigor em relação aos dogmas da religião. Entre os Street, há quem se dedique à dança, como a bailarina Zélia Monteiro, e entre os Von Bülow há um professor de wakeboard, Wiliam von Bülow. "Nunca quis saber dos negócios da família", diz o professor. A reportagem identificou certa concentração de herdeiros (no caso herdeiras) dos fundadores da Fiesp na loja Daslu, a famosa butique de luxo localizada em São Paulo. Há cinco descendentes ali. Do clã Simonsen, estão a gerente Fernanda e a vendedora Claudia. Dos Matarazzo, está a gerente de importados Lucila. Dos Street, está Cicila Barros, gerente de produtos Chanel. Dos Meirelles, de Plácido Meirelles, está a diretora Donata, mulher do publicitário Nizan Guanaes.

Os conhecidos
Eles são os herdeiros famosos da primeira diretoria da
Fiesp
Nome Clã Geração Idade Ocupação

Antonio Ermírio

Ermírio de Moraes Segunda anos 76 Presidente do conselho do grupo Votorantim

Horácio Piva

Lafer Terceira 47 anos Membro do conselho da Klabin

Eduardo Suplicy

Matarazzo Quarta 63 anos Senador da República

Os anônimos
Eles são os herdeiros famosos da primeira diretoria da
Fiesp
Nome Clã Geração Idade Ocupação

Mauricio
Matarazzo

Matarazzo Quarta 46 anos Padre e membro da Opus Dei

Wiliam
Von Bülow

Von Bülow Terceira 37 anos Professor de wakeboard

Zélia
Monteiro

Street Quarta 44 anos Bailarina e professora de bal

As empresas quebram por razões variadas. Há problemas de conjuntura, má administração e uma série de fatores já identificados pelos especialistas. Mas conhecer a trajetória dos seis empresários fundadores da Fiesp cuja fortuna se dissipou é sempre uma boa oportunidade para extrair lições. Uma delas (bastante atual hoje em dia) é o difícil acompanhamento das inovações tecnológicas. No início, o empreendedor tem a agressividade de um aventureiro. É esse sentimento que faz com que a empresa cresça e ganhe mercado. Com o passar do tempo, o empresário vai ficando mais conservador, tem dificuldades em apostar nas novidades e muitas vezes acaba sendo ultrapassado por outros empresários mais jovens e com aquela velha agressividade. Antonio Devisate, o industrial da área de calçados, é um exemplo. Proprietário de uma fábrica em que cada sapato passava por 134 funcionários e com maquinário importado dos Estados Unidos, ele viu seu negócio ser liquidado com a chegada dos sapatos vulcanizados, bem mais baratos que o modelo fabricado por ele. Sem ter como competir, fechou as portas.

Outro tropeço comum foi o processo de sucessão nesses grupos. A profissionalização era um conceito praticamente desconhecido. Mas, além disso, não se preparava corretamente um herdeiro para assumir o comando da empresa. O império de Roberto Simonsen ruiu assim. Sua fortuna era tão grande que um de seus três filhos chegou a construir uma propriedade no interior de São Paulo com torre medieval e uma espécie de praia (com areia que trazia da cidade de Santos). As festas eram embaladas por uma orquestra sinfônica. Mas a empresa, que era resultado direto das qualidades de Simonsen, esfacelou-se depois de sua morte. Aos 59 anos, de maneira repentina, ele foi vítima de um infarto. Surpresos, seus três herdeiros dividiram a responsabilidade de tocar a firma. Com o passar do tempo, foi ficando claro que nenhum deles tinha a vocação necessária e o negócio foi vendido. "Eles não queriam profissionalizar, discutiam sempre sobre quem assumiria a frente da companhia e preferiram ven der", conta o neto de Roberto, Victor Álvaro Simonsen.

Um dado importante sobre as grandes fortunas é que elas precisam continuar se multiplicando para garantir sustento aos herdeiros. Se uma empresa permite determinada quantia de retiradas, na segunda geração esse mesmo valor pode cair pela metade (caso sejam dois filhos) ou para 25% (caso sejam quatro filhos). Se o ritmo das retiradas permanece o mesmo dos áureos tempos e os lucros da empresa ficam estacionados, está feita a equação da derrocada. O exemplo mais simbólico dessa cruel matemática é o patrimônio do conde Francesco Matarazzo. Calculada em 20 bilhões de dólares, essa soma lhe daria a sexta colocação no ranking dos maiores bilionários do planeta de 2004. Para efeito de comparação, os brasileiros mais bem posicionados nessa lista são os irmãos Moise e Joseph Safra. Juntos, estão na 91a colocação mundial, com 4,7 bilhões de dólares. O clã Matarazzo tem hoje simplesmente 300 membros. Se o saldo inicial fosse mantido, cada um deles ficaria com 6,6 milhões de dólares de hoje. Bastante dinheiro, sem dúvida -- mas nada que chegue perto do que foi a opulência do ancestral milionário. Infelizmente, a companhia foi se endividando, perdendo dinheiro, até praticamente desaparecer.

O Brasil (principalmente o dos últimos 30 anos) é um ambiente hostil para os que querem fazer negócios. Um recente estudo do Banco Mundial mostrou que apenas países como o inexpressivo Chade têm condições piores do que as brasileiras. Os empreendedores de hoje sofrem para abrir uma empresa, fechá-la, tomar empréstimo, pagar impostos, contratar funcionários e uma lista interminável de problemas. Quem gere uma empresa sabe o quanto a conjuntura econômica pode ser decisiva para o sucesso ou fracasso do empreendimento. O Brasil mudou muito desde os tempos dos magnatas da indústria paulista até hoje. Eles também foram atingidos por algumas intempéries (como dez padrões monetários, duas ditaduras, crises internacionais e até uma guerra mundial). Plácido Meirelles, por exemplo, viu sua próspera companhia de tecidos sofrer um baque terrível com a queda da Bolsa de Nova York apenas um ano depois da foto. Isoladamente, porém, a conjuntura não explica o fracasso desses empresários. Meirelles teve problemas com a Depressão americana e foi obrigado a fechar. Mas o que dizer dos milhares de empresas dos Estados Unidos que continuam firmes até hoje?

A resposta para o sucesso delas passa pelas mesmas razões que fizeram o sucesso do um terço dos fundadores bem-sucedidos. Os descendentes do trio José Ermírio de Moraes, da Votorantim, Horácio Lafer, da Klabin, e Alfried Weiszflog, da Melhoramentos, têm negócios tão ou mais fortes hoje que no dia em que seus ancestrais posaram para a foto. Em comum, pode-se dizer que essas três firmas investiram fortemente na preparação dos membros da família e adotaram mais cedo a profissionalização da empresa. Na Melhoramentos, havia uma filosofia clara com relação a parentes. Só poderiam trabalhar na empresa os familiares que tivessem feito dois cursos de graduação e galgado uma posição de destaque em outro lugar. Os Ermírio de Moraes também investiram na formação do clã e expandiram os negócios, originalmente de indústrias têxteis, para áreas como cimento e alumínio. Os Lafer profissionalizaram a gestão da Klabin e também expandiram os negócios para outros ramos. "Foram grupos que estavam atentos a oportunidades de novos negócios e levaram a sério os processos de organização interna", diz Renato Bernhoeft, especialista em empresas familiares.

O objetivo de toda empresa é sobreviver mesmo diante das maiores adversidades. A questão que se coloca é se isso é possível. Quando os fundadores da Fiesp se reuniram para tirar a foto, pareciam comandar grupos imortais. Só que dois terços naufragaram. Hoje, claro, existe um número maior de ferramentas para que as empresas prosperem através das gerações (veja reportagem na pág. 31). Mas o risco de uma empresa fechar as portas, apesar de todos os cuidados adicionais e aconselhamentos, é elevadíssimo. De acordo com um estudo realizado por John Ward, especialista americano em empresas familiares, apenas 34% das empresas familiares conseguem sobreviver quando o bastão passa da primeira para a segunda geração. Desse grupo, apenas a metade (portanto 17% do montante inicial) consegue passar o comando para a terceira geração. Outro estudo, também feito nos Estados Unidos, mostra que apenas 10% das empresas conseguem chegar aos 75 anos e que apenas 4% completam o primeiro centenário.

Menos negócios
EXAME fez um levantamento sobre o perfil empresarial dos 526 descendentes(1)
dos nove patriarcas fundadores da Fiesp. Veja o percentual de empresários
em cada clã
Lafer 71,4
Ermirio de Moraes 28,7
Simonsen 28,5
Meirelles 22,2
Von Bülow 19
Matarazzo 15
Weiszflog 13,6
Street 1,6
Devisate 0
(1)Para este cálculo só foram contabilizados os descendentes com idade
acima de 24 anos
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