50,45% é a parte que pertencia à ala da família representada por Adriano Schincariol que foi vendida por 4 bilhões de reais para a Kirin (Alexandre Battibulgi/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 6 de outubro de 2011 às 19h54.
São Paulo - Há décadas o mercado brasileiro de cervejas vive em clima de guerra, como se as disputas e as provocações fossem parte indispensável do negócio. Brahma e Antarctica juraram ódio eterno por anos, até se unirem para formar a Ambev, no fim dos anos 90. A Ambev, então, passou a enfrentar a Kaiser, contrária à fusão.
Nos anos seguintes, a disputa ganhou novos protagonistas, com a criação de cervejarias como a Petrópolis, o crescimento da Schincariol e a chegada de multinacionais como a Molson e a Femsa.
Por pontos a mais de participação de mercado, os executivos dessas companhias se acusaram, vendedores chegaram a trocar socos e pontapés e publicitários investiram fortunas para criar a campanha de maior impacto ou contratar a musa mais desejada do Carnaval. Até agora, a guerra se deu dentro dos limites da concorrência entre empresas.
A recente venda do controle da Schincariol para a Kirin, segunda maior cervejaria do Japão, porém, abre um novo capítulo no setor. Nele, a disputa não é entre rivais. Acontece no seio de uma mesma família, entre as quatro paredes de uma mesma companhia.
De um lado, está a ala comandada por Adriano Schincariol, o vendedor de 50,45% de participação na cervejaria que ele preside e que leva seu sobrenome. Do outro, o vice-presidente Gilberto Schincariol, seu primo, que, juntamente com os irmãos, José Augusto e Daniela, detém 49,55% da empresa e reivindica na Justiça o direito de preferência na compra do controle.
A oposição entre Adriano e Gilberto — e o desenrolar da história — revela que a convivência entre as duas alas da família dona da segunda maior cervejaria do país não era tão amigável quanto seus membros fizeram parecer durante anos.
Aos 28 anos de idade, Gilberto diz querer manter a Schincariol nas mãos do clã. Ele também alega ter o direito de compra da empresa pela melhor proposta de preço oferecida por qualquer outro interessado. Poderia, assim, levar a Schincariol pelos mesmos 4 bilhões de reais oferecidos pela Kirin.
Até o fechamento desta edição, Gilberto tinha em mãos uma liminar da Justiça que suspendia a venda para os japoneses. Adriano, de 35 anos, argumenta, auxiliado por advogados e banqueiros, que o direito de preferência do primo não é aplicável e que Gilberto e seus irmãos não têm como levantar os recursos necessários à aquisição.
Segundo especialistas em fusões e aquisições consultados por EXAME, o desfecho da situação seria mais simples e rápido caso Adriano oferecesse sua parte ao primo.
Bastaria Gilberto não igualar a proposta da Kirin em 30 dias, e Adriano e seu irmão Alexandre, donos da holding Aleadri, que detém os 50,45% da Schincariol, estariam liberados para vender sua parte aos japoneses.
Na Justiça, os 30 dias podem se transformar em uma década, segundo o advogado Eduardo Munhoz, do escritório Mattos Filho, que defende os interesses de Adriano e Alexandre.
Preferência pelos japoneses
Por que, então, a opção pelo confronto direto? As razões, segundo EXAME apurou, vão muito além de interesses comerciais. Como em vários outros casos envolvendo negócios e família, há sentimentos como mágoa, ressentimento e desconfiança no caminho dos Schincariol.
De acordo com familiares e executivos próximos aos primos, Adriano não estaria disposto a vender a parte que lhe cabe a Gilberto e seus irmãos por pura insegurança em relação a fatos do passado.
Em 2005, ele e os sócios foram presos em uma operação da Polícia Federal que investigava um suposto esquema de sonegação de impostos.
Desde aquela época, a empresa discute com a Receita Federal débitos de 1,9 bilhão de reais. A pessoas próximas, Adriano diz temer que Gilberto não resolva essas pendências caso a Schincariol seja realmente considerada devedora.
“O Adriano ficou traumatizado com a prisão e quer garantias de que os problemas do passado serão resolvidos”, diz um amigo. Os assessores da Aleadri confirmam o temor de Adriano.
“Uma grande empresa como a Kirin nos dá mais segurança em relação à solução das contingências”, diz Marcos Gonçalves, do banco BTG Pactual, que assessorou a Aleadri na venda. “Para conseguir um financiamento, Gilberto teria de dar a empresa como garantia e a deixaria muito alavancada e com riscos de insolvência.”
De acordo com Gonçalves, ainda assim a empresa foi oferecida a Gilberto, mas por um valor 25% maior do que o pago pelos japoneses: 5 bilhões de reais. Procurado, Gilberto Schincariol não deu entrevista.
O outro motivo para Adriano não vender sua parte para os primos seria puramente emocional. A questão remontaria a 1980, quando José Nelson, pai de Adriano, assassinado em 2003, aumentou sua participação e assumiu o controle da Schincariol com uma subscrição de ações que, na época, valiam 2,1 milhões de cruzeiros.
Atualizado pelo IPCA, o valor hoje não chegaria a 180 000 reais. Os advogados da ala comandada por Gilberto dizem que seu pai, também chamado Gilberto, teria sido enganado pelo irmão por ser uma pessoa simples, sem instrução. Já os advogados de Adriano afirmam que tudo foi feito às claras.
Desde então, o ramo do clã comandado por Gilberto Schincariol passou a ter uma relação marcada pela tensão com a parte liderada por Adriano. As famílias pouco se frequentam e, de acordo com pessoas que trabalharam com ambos, a disputa era permanente.
“Um estava sempre querendo mostrar que era melhor que o outro”, diz um executivo da empresa. Mesmo assim, os dois compartilharam a gestão e consolidaram a Schincariol como a segunda cervejaria do país.
Nesse período houve divergências sérias, que colaboraram para piorar o clima. Uma delas aconteceu quando Adriano insistiu em profissionalizar a empresa e contrariou o primo. Contratou o executivo Fernando Terni, em 2007, com o objetivo de preparar a companhia para a venda.
Boa parte do caixa foi utilizada para comprar cervejarias como Baden Baden, Devassa e Eisenbahn e, assim, tornar a Schincariol mais atraente.
No ano seguinte, com a crise mundial, o interesse dos compradores diminuiu e Gilberto culpou Adriano pelo fracasso da estratégia. Em meio a uma nova troca de farpas, ambos demitiram os executivos e reassumiram a empresa.
Agora, Gilberto encontra-se diante de possibilidades extremas. Se tudo correr como ele pretende e a Justiça reconhecer seu direito de preferência de compra, precisará captar 4 bilhões de reais para adquirir a parte do primo. Realizaria assim o desejo duplo de assumir a Schincariol e derrotar o primo.
Se a Justiça mantiver a venda para a Kirin, é muito provável que Gilberto fique em situação difícil. Ele recusou o convite para assumir a presidência da Schincariol e se recusou a dialogar, o que teria irritado os executivos da Kirin.
Além disso, a Schincariol não tem acordo de acionistas, o que dá ao controlador o direito de demitir qualquer executivo, inclusive o sócio minoritário.
O controlador também pode suspender a distribuição de dividendos, principal fonte de renda de Gilberto e seus irmãos, para que tudo seja reinvestido. Pode ainda propor um aumento de capital, o que diluiria ainda mais a participação da família. Gilberto foi para o tudo ou nada. E agora corre o risco de ficar nas mãos do inimigo.