Votação da reforma trabalhista: negociar com o Congresso é parte do desafio do próximo governo | Pedro Ladeira/Folhapress /
André Jankavski
Publicado em 27 de setembro de 2018 às 05h53.
Última atualização em 29 de setembro de 2018 às 08h44.
Esta é uma cena recorrente em debates eleitorais: quando um candidato quer evitar perguntas comprometedoras sobre seu passado ou escapar de algum ataque adversário, costuma dizer que está ali para “discutir propostas para melhorar o país”. Ou algo do gênero. Mas uma avaliação mais detalhada das tais propostas mostra que os candidatos mais bem cotados nas pesquisas de intenção de voto estão vulneráveis também nesse aspecto. Com a ajuda de alguns dos principais economistas e especialistas em gestão pública do país, EXAME analisou os planos de Ciro Gomes, Fernando Haddad, Geraldo Alckmin, Jair Bolsonaro e Marina Silva para resolver oito graves problemas nacionais — entre eles o rombo fiscal, o déficit da Previdência e a baixíssima qualidade do ensino.
Muitas promessas não passam disso, de promessas, e apenas repetem o que todo mundo já sabe: que é preciso fazer o país voltar a crescer, gerar empregos, atrair investimentos. Como? Com que dinheiro? Não se sabe. Outro capítulo é o das soluções mágicas — saídas simples para problemas complexos. Por fim, seria preciso aval do Congresso para tirar do papel muitas das promessas dos candidatos, como as de privatização e as de reformas estruturais. Tudo considerado, há, sim, projetos que parecem factíveis. Procurados pela reportagem, apenas Alckmin, Haddad e Marina enviaram respostas por e-mail sobre os principais pontos de seus programas de governo. O restante da apuração foi feito com base na leitura dos programas e em entrevistas com especialistas. Veja abaixo o que pode virar realidade e o que é só propaganda.
COMO RESOLVER A CRISE FISCAL
Se existe algo que deixa os investidores nervosos, e faz a bolsa e o real cair, é o que os candidatos dizem que vão fazer com a bomba fiscal. O país está no quinto ano de contas públicas no negativo e 2019 deve ser o sexto, com 139 bilhões de déficit previstos. Os cinco candidatos mais bem colocados nas pesquisas prometem atacar o problema, mas as propostas — e os prazos — são bem diferentes. Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga” de Jair Bolsonaro para assuntos econômicos, como definiu o próprio candidato, garante que o sinal do resultado das contas do governo será milagrosamente trocado em um ano.
O caminho anunciado é a privatização de todas as 146 estatais federais, a redução do número de ministérios e a adoção do orçamento base-zero, uma métrica usada no mundo corporativo que prevê a revisão das despesas a cada ano. Para a meta ser atingida, Guedes estima arrecadar 1 trilhão de reais com as privatizações, diminuindo a dívida pública em 20%. Analistas consideram a medida irreal. Juntos, Banco do Brasil, Eletrobras e Petrobras, os maiores ativos do governo, valem 400 bilhões de reais na bolsa — e, mesmo que vendesse as três num estalo, eliminando todo tipo de oposição política que isso suscitaria, o governo embolsaria menos do que isso, já que não tem 100% do capital dessas empresas.
No lado oposto, está o candidato Fernando Haddad. O discurso — o oficial, pelo menos — começa por não reconhecer que há uma crise fiscal, mas um problema pontual que será resolvido quando o país voltar a crescer. A solução, portanto, seria elevar — sim, elevar — os gastos públicos no curto prazo. Isso aqueceria a economia e aumentaria a arrecadação, reduzindo o déficit no futuro. Com o Estado quebrado, os recursos para investimentos viriam do uso de parte das reservas internacionais e do aumento ou da criação de impostos, como o que seria cobrado da alta renda. O risco é que o efeito seja exatamente o oposto.
Para a consultoria Tendências, elevar os gastos reduziria a confiança dos investidores, deprimindo ainda mais a economia. “É preocupante que alguns candidatos estejam com propostas que já fracassaram na história: o país chegou à crise atual porque tentou aumentar a taxa de crescimento pelos gastos do governo”, diz o economista carioca José Alexandre Scheinkman, professor na Universidade Colúmbia, em Nova York. Diante da reação negativa de investidores e empresários, Haddad vem tentando incluir algumas medidas pró-mercado no programa. Passou a defender as parcerias público-privadas para fazer investimentos e a necessidade de reformas, como a da Previdência.
No meio do caminho estão Ciro Gomes e Geraldo Alckmin, que dizem ter como meta zerar o déficit público em dois anos, algo que parece mais razoável. O plano de Ciro é chegar a esse resultado eliminando desperdícios e privilégios — por exemplo, taxando dividendos. Uma promessa é substituir a medida que impõe um teto para os gastos públicos, aprovada no governo atual, por mecanismos de controle de despesas (não foram divulgados detalhes). Os assessores de Alckmin afirmam que ele manterá o teto de gastos e, além disso, irá racionalizar as despesas, eliminar subsídios, reduzir a dez o número de ministérios (hoje são 29) e privatizar. A meta é chegar ao último ano de mandato com um superávit nas contas federais de 2% a 2,5% do PIB. Marina Silva defende reduzir o déficit combatendo a sonegação e a corrupção. É favorável a um limite de gastos, mas diferente do atual: para ela, o crescimento das despesas deveria ser limitado à metade da expansão do PIB do ano anterior.
A maioria dos analistas econômicos acredita que um ajuste rápido teria efeitos positivos na economia — desde que não fosse a qualquer preço. Nos cálculos do banco Safra, mesmo considerando uma reforma previdenciária consistente e mais medidas de controle de salário dos servidores e receitas extraordinárias do governo, o déficit fiscal só seria zerado em 2022 — a mesma estimativa das consultorias LCA e Tendências. “É possível zerar o déficit antes disso, mas elevando os impostos”, diz Carlos Kawall, economista-chefe do Safra. “A elevação da carga tributária para sustentar a ineficiência do Estado não é a melhor alternativa para um país ser produtivo e ter crescimento sustentado.”
COMO EQUILIBRAR A PREVIDÊNCIA
É considerada impossível a obtenção do equilíbrio das contas públicas sem a interrupção da trajetória explosiva de gastos com o pagamento de pensões. Hoje, essas despesas respondem por 55% do orçamento da União, e estimativas indicam que o número poderá chegar a 75% em 2026, com o envelhecimento da população, se mantidas as regras -atuais. Como proporção do PIB, os gastos poderiam dobrar até 2060. Um modo de reduzir o fardo da Previdência é estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria. O Brasil está num grupo de apenas 13 países que ainda não fixaram um piso, ao lado de grandes produtores de petróleo, como a Arábia Saudita. Para ter uma ideia da diferença que isso faz, a proposta de reforma da Previdência enviada pelo governo ao Congresso, e que estipula uma idade mínima de 65 anos, entre outras medidas, conseguiria diminuir em 300 bilhões de reais a conta total da Previdência de 2019 a 2026. Com exceção de Fernando Haddad, os demais candidatos mais bem posicionados nas pesquisas afirmam que farão essa mudança — sem dar detalhes de qual seria a idade.
A equipe de Haddad acredita que o déficit da Previdência pode ser reduzido meramente com combate à sonegação, crescimento econômico e incentivo à formalização. Para o candidato do PT, o sistema atual da Previdência Social não deve ser alterado. A justificativa é que ele atende melhor a população de baixa renda, que começa a trabalhar mais cedo. Reservadamente, Haddad admite fazer algum tipo de reforma da Previdência, mas ainda não informou como seria. O candidato também defende a aproximação das regras de aposentadoria dos servidores privados e públicos — estes últimos recebem, em média, uma pensão que é seis vezes a dos primeiros.
Além da idade mínima, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Jair Bolsonaro e Marina Silva defendem que o país comece a estudar a adoção da capitalização individual, um regime que prevê que cada trabalhador tenha uma conta na qual seriam depositados recursos que ele só poderia resgatar quando se aposentasse. O problema desse sistema é que tem um custo de transição: à medida que passam a ter sua conta, os trabalhadores param de contribuir para a Previdência atual, elevando o déficit. O governo teria de aportar recursos para equilibrar as contas, algo difícil, dada a pindaíba fiscal.
Paulo Guedes, no entanto, acredita ter encontrado uma solução nas propriedades da União. Em uma entrevista, ele calculou que 700.000 propriedades poderiam ser vendidas. Ninguém sabe quanto vale esse patrimônio. Mas, nas contas de Guedes, seria possível arrecadar 700 bilhões de reais com a venda dos imóveis federais. Economistas, no entanto, não enxergam essa opção como viável, ainda mais na velocidade prometida por Guedes: em apenas um ano. “O governo Temer mostrou que é impossível sair vendendo o que bem entender. Isso é algo que tem de ser feito de forma gradual”, afirma -Juan Jensen, sócio da consultoria 4E.
Já Ciro propõe uma previdência híbrida, que mescle o sistema atual com o de capitalização. Ele diz que pretende manter o regime compulsoriamente, com uma idade mínima e um teto para o valor das aposentadorias menor do que o vigente, de 5.646 reais. Pela proposta, quem quiser ganhar mais quando parar de trabalhar terá a opção de contribuir também para uma conta individual (a tal capitalização). “Estamos estudando que o governo também contribua para a conta do trabalhador até determinado valor”, diz Flávio Ataliba, diretor-geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará, que ajudou a elaborar a ideia. Tudo isso tem gerado ceticismo. “Os países que migraram para o regime de capitalização determinaram que as novas regras só valem para quem está entrando no mercado de trabalho, uma forma de atenuar seus impactos”, diz Fábio Giambiagi, chefe do Departamento de Pesquisas Econômicas do BNDES. “Outra norma tem sido fazer a mudança quando as contas públicas estão equilibradas.” O que, está claro, não é o caso brasileiro.
COMO GERAR EMPREGO E RENDA
Com 28 milhões de brasileiros sem emprego ou sub-ocupados, os candidatos têm abusado da imaginação para mostrar que, se eleitos, conseguiriam gerar vagas e melhorar a renda da população no curto prazo — mesmo com a economia cambaleando. Ciro Gomes lançou uma proposta chamada Nome Limpo, cujo objetivo é tirar parte dos 63 milhões de brasileiros dos cadastros de inadimplentes. Em resumo, pressupõe que o devedor negocie com o credor um desconto e pegue um empréstimo no Banco do Brasil ou na Caixa para pagar esse novo valor à vista.
Nos bancos públicos, que virariam os novos credores, seriam formados grupos de devedores: se um atrasasse, os demais cobririam sua parcela. É assim que funciona no microcrédito, um tipo de empréstimo dado a pequenos empreendedores (e que não decolou no Brasil). O argumento de Ciro e seus assessores econômicos é que empresas renegociam as dívidas com frequência, inclusive com o governo, por meio de programas públicos de refinanciamento. É verdade, mas assim também fazem os consumidores em feirões ou individualmente. O grande problema, na visão dos especialistas, é que, se o modelo der errado, o prejuízo será dos bancos públicos e, em última instância, do Tesouro Nacional. Hoje, as dívidas estão divididas entre empresas e bancos públicos e privados.
Em relação à geração de empregos, Ciro Gomes e Fernando Haddad decidiram culpar a reforma trabalhista do governo Michel Temer pela falta de vagas — e, por isso, prometem revogá-la. Na visão deles, ao permitir o trabalho temporário, a reforma tornou as condições de trabalho precárias e não incentivou a criação de postos permanentes. Quem estuda o assunto diz que não é bem assim. Um efeito das novas regras foi reduzir o número de processos na Justiça trabalhista (a reforma prevê que o trabalhador que sair derrotado precisará pagar os custos do processo).
Os dados do Tribunal Superior do Trabalho mostram uma queda de 41% em seis meses de reforma, até maio de 2018. “Na prática, isso diminui o custo do trabalhador, porque a empresa gasta menos com a estrutura para se defender das ações que, em alguns casos, não tinham fundamento”, diz Bruno Ottoni, pesquisador da área de mercado de trabalho da Fundação Getulio Vargas. Olhando por esse ângulo, a reforma trabalhista ajuda a estimular o emprego. Segundo Pérsio Arida, assessor econômico de Geraldo Alckmin, o desemprego cairá quando os empresários voltarem a se sentir confortáveis para investir. Isso ocorrerá, segundo ele, quando o governo mostrar que retomou o controle das finanças públicas. Ou seja, o emprego farto é uma miragem.
COMO MODERNIZAR O AMBIENTE DE NEGÓCIOS
Uma parcela dos eleitores que declaram o voto em Jair Bolsonarotem fechado os olhos para o passado e as declarações lamentáveis do candidato e se concentrado no projeto liberal de Paulo Guedes, seu assessor econômico, para melhorar a economia. A dúvida é qual será a autonomia de Guedes para colocar suas ideias em prática. Essa dúvida ganhou força em meados de setembro, quando Guedes falou sobre algumas propostas na área tributária num encontro com executivos do mercado financeiro — entre elas a recriação de uma espécie de CPMF, o “imposto do cheque” — e foi desautorizado por Bolsonaro.
A reforma do sistema tributário é considerada essencial para melhorar o ambiente de negócios no país, tido como um dos mais hostis do mundo. No estágio em que estão as contas públicas, é difícil cortar impostos, mas simplificar o modelo atual já ajudaria bastante. A Endeavor, ONG especializada em empreendedorismo, listou quatro mudanças que avalia como as mais necessárias e urgentes para modernizar o ambiente de negócios brasileiro, e a reforma tributária é uma delas. As outras são facilitar a abertura e o fechamento de empresas, abreviar o registro de patentes e agilizar os processos de tomada de crédito.
Os candidatos concordam que é preciso pelo menos simplificar o pagamento dos tributos. Os cinco à frente nas pesquisas de intenção de voto são favoráveis à criação de um imposto único englobando diferentes taxas que incidem sobre a produção, como PIS, Cofins e ICMS, uma mudança que reduziria o tempo gasto para calcular e pagar uma infinidade de tributos (existem quase 100 no Brasil, entre taxas, contribuições e impostos). Ainda que faça sentido, a proposta esbarra na resistência de governadores e prefeitos, que têm conseguido convencer suas bases no Congresso a vetar a mudança. Isso porque a medida tiraria a autonomia de estados e municípios para fixar seus próprios tributos, como o ICMS e o ISS.
Outras propostas no campo tributário incluem uma redução dos impostos que incidem sobre a produção e a criação de outros tributos, como os que incidiriam sobre os dividendos e os ganhos da população de renda mais alta. É o que defendem Geraldo Alckmin e Marina Silva, com o compromisso de não aumentar a carga tributária total. Já Ciro Gomes e Fernando Haddad dizem que poderão elevar a carga. Ciro defende a taxação de lucros e dividendos e também a cobrança de uma taxa em todas as transações financeiras acima de 5 000 reais (como uma CPMF). A arrecadação extra, ele alega, iria para o pagamento da dívida pública. Haddad também pretende aumentar impostos dos mais ricos, além de criar um imposto regulatório sobre a exportação com o objetivo de formar um fundo que seria usado para dar estabilidade à taxa de câmbio. Se o caminho for esse de mais tributação, esqueça o cenário de melhoria do ambiente de negócios no país.
COMO LIDAR COM AS EMPRESAS ESTATAIS
Com 426 empresas controladas pelas três esferas de governo, o Brasil é o segundo país em número de estatais, atrás apenas da China, de acordo com um levantamento feito pelo Observatório das Estatais, da Fundação Getulio Vargas. Apenas sob o comando da União existem 146 companhias. Especialistas em gestão pública, como Marcio Holland, professor na FGV e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, defendem que o governo só deve manter empresas que atuem em segmentos não atendidos por companhias privadas. Por essa lógica, bancos comerciais, seguradoras e agências de turismo (como a BB Turismo, do Banco do Brasil), por exemplo, deveriam ter controle privado. Nas contas de Holland, 70 empresas do governo federal e cinco bancos estaduais poderiam ser vendidos.
Geraldo Alckmin, Jair Bolsonaro e Marina Silva dizem que farão privatizações. A proposta mais radical é de Bolsonaro: seu assessor Paulo Guedes afirma que venderá todas as estatais — e que com elas obteria o idílico 1 trilhão de reais. É uma proposta com baixa chance de sair do papel, dada a dificuldade de aprovação de processos com os parlamentares em Brasília. O projeto para a venda da estatal de energia elétrica Eletrobras tramita há mais um ano no Congresso e não tem prazo para ser analisado. Marina já declarou que poderá fazer privatizações, mas deixando de fora Banco do Brasil, Caixa e Petrobras. Alckmin não deu detalhes do que pretende vender, mas também diz que pouparia esse trio. Ciro Gomes não cita o tema em seu programa e Fernando Haddad diz que manterá as estatais, mas tentará melhorar sua gestão.
Além de ajudar a aliviar as contas públicas, a privatização poderia refinar a gestão das empresas hoje controladas pelo Estado. Um problema das estatais é o fato de muitas serem usadas como instrumentos políticos, com cargos loteados entre aliados do governo. A aprovação da Lei das Estatais, em 2016, começou a coibir a prática ao criar critérios mais rígidos para a nomeação de diretores e conselheiros. Para ocupar um cargo executivo, por exemplo, o profissional precisa ter pelo menos dez anos de experiência na área de atua-ção da empresa. Já nos conselhos de administração 25% dos representantes precisam ser independentes, ou seja, não podem ter vínculos com a estatal nem com partidos políticos. Mas poucas estatais se enquadraram, apesar de o prazo ter terminado em julho. “O debate está muito polarizado. É preciso haver uma discussão sobre o papel das estatais e os benefícios que geram para a sociedade”, diz o economista Marcos Lisboa, presidente da escola de negócios Insper.
COMO ELEVAR A QUALIDADE DE ENSINO
Os dados escancaram a crise de aprendizagem na qual o país está imerso: 55% dos alunos de 8 e 9 anos de idade são analfabetos funcionais, isto é, incapazes de compreender frases elementares e realizar somas simples. Pelo menos no discurso, os candidatos parecem convencidos de que o problema é grave. Segundo o movimento Todos pela Educação, organização não governamental que apoia iniciativas de melhoria do ensino, esta é a eleição em que o tema tem sido mais debatido. O movimento elaborou um documento que destrincha estratégias de cumprimento de sete metas prioritárias para o avanço da educação no país — que passam por ensino integral, investimento na educação de crianças mais pobres, definição da base nacional curricular e melhoria da formação de professores —, as quais são apoiadas por quatro dos cinco presidenciáveis mais bem cotados nas pesquisas. A exceção é Jair Bolsonaro.
E são as propostas de Bolsonaro que mais preocupam os especialistas em educação. O candidato promete a abertura de um colégio militar em cada capital. Dá para fazer, mas não geraria impacto significativo na qualidade do ensino, principalmente para a população de baixa renda. Especialistas afirmam que as notas dos alunos dos colégios militares que já funcionam no país são maiores porque existe um processo de seleção, em que são escolhidos estudantes com o melhor nível educacional, raramente oriundos de escolas públicas. É também do candidato do PSL a proposta de fazer crescer o ensino a distância. Embora seu programa não detalhe a promessa, Bolsonaro fala em aplicar a estratégia ao ensino fundamental para reduzir os custos com educação — política sem precedente em nenhum país do mundo e tida como uma temeridade pelos especialistas em educação.
O novo presidente também precisará lidar com a polêmica em torno da reforma do ensino médio — etapa que quase metade dos jovens não conclui até os 19 anos. Aprovada por medida provisória no governo de Michel Temer, ela flexibiliza a grade curricular dos alunos e dá mais peso ao ensino técnico. Haddad promete revogar a reforma por considerar que não houve discussão suficiente sobre ela com educadores. Seria colocada por terra, assim, uma medida tomada para tentar ampliar o ensino profissionalizante e dar opções aos jovens.
COMO MELHORAR O SISTEMA DE SAÚDE
Numa comparação mundial, o brasil gasta pouco com a saúde pública: 7% do PIB, enquanto a média global é de 12%. Diferentes pesquisas mostram que o setor também sofre com desperdícios, má gestão e desvios. O resultado é que a saúde pública é avaliada como ruim ou péssima por 55% da população, segundo uma pesquisa do instituto Datafolha. A proposta mais detalhada para resolver os problemas dessa área, na avaliação de Ligia Bahia, médica sanitarista e professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro, é a de Marina Silva. Ela promete criar 400 regiões de saúde, para avaliar a oferta e a demanda por médicos, instalações e remédios em cada uma delas. O objetivo, segundo seu programa de governo, é direcionar melhor os gastos. A candidata acha que é preciso aumentar os investimentos na área, mas não diz de onde virão os recursos.
Geraldo Alckmin promete reativar cerca de 24.000 leitos de internação de estados e municípios que estão paralisados e ampliar a rede de ambulatórios de especialidades. Segundo ele, o ganho de eficiência no sistema tornaria viáveis os investimentos. “Só o desperdício passivo representa 22 bilhões de reais de perdas. Somando os números e melhorando a gestão e a fiscalização, haverá mais dinheiro para o SUS”, afirmou Alckmin, por e-mail. Para o candidato Jair Bolsonaro, não é preciso aumentar os investimentos em saúde. Ele defende que seja criado um cadastro universalizado, que permita que qualquer médico atenda pelo SUS e seja pago, por serviço, pelo governo. A projeção é que, até 2020, o Brasil tenha 500.000 médicos (hoje são cerca de 450.000). Como seria criado esse cadastro não se sabe. Ciro Gomes e Fernando Haddad prometem aumentar os gastos com a saúde, mas não detalham de onde viriam os recursos — nem quais seriam as prioridades no recebimento das verbas. “De forma geral, a maioria das propostas é fragmentada e genérica. Trata de demandas óbvias, mas não apresenta estratégias para resolvê-las”, diz Ligia Bahia.
COMO TORNAR O PAÍS MAIS SEGURO
Poucos temas deixam os ânimos tão acirrados quanto o fiasco da segurança pública no Brasil. Em 2017, foram registradas 63 000 mortes violentas no país — 30 vezes o número apurado na Europa. Nas estatísticas deste ano entrará o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, crime cometido em março e ainda sem solução. O tema, que está entre os mais debatidos desde o início da campanha eleitoral, ganhou ainda mais espaço após o atentado contra Jair Bolsonaro no começo de setembro.
Um compromisso que reúne os cinco candidatos líderes nas pesquisas é a implementação do Sistema Único de Segurança Pública, que foi aprovado pelo governo em maio e prevê a atuação combinada e o compartilhamento de informações entre as instituições envolvidas na área — das guardas municipais à Polícia Federal, passando pelo sistema penitenciário e por institutos de criminalística. É um consenso bem-vindo. O objetivo é melhorar a inteligência envolvida no combate e na prevenção de crimes, algo que nitidamente faz falta no Brasil. Hoje, o índice de resolução de homicídios dolosos (aqueles praticados com a intenção de matar) não passa de 6%, e apenas seis dos 27 estados brasileiros dispõem de dados sobre quantos assassinos foram levados a julgamento.
Conhecido por ter a segurança como bandeira principal, Bolsonaro tem uma proposta controversa. Quer reformular o Estatuto do Desarmamento — que desde 2003 restringe a venda de armas de fogo e munição em todo o país — e garantir um acesso mais amplo da população a elas. Segundo especialistas, a medida, se aplicada, poderia agravar um cenário já complexo de falta de controle. Isso porque não existe um sistema nacional e unificado sobre a origem e o perfil das armas, sejam elas de uso legal ou apreendidas. Resolver essa lacuna é um bom ponto, proposto pelos candidatos Alckmin, Ciro, Haddad e Marina, mas não por Bolsonaro.