Obama em discurso ao congresso: uma defesa das ações do Estado (Paul J. Richards/AFP)
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.
São Paulo - Algumas frases costumam ser um resumo perfeito do pensamento econômico de uma administração. “O governo não é a solução para os nossos problemas. O governo é o problema”, disse o presidente americano Ronald Reagan em sua posse em 1981. O pronunciamento de Bill Clinton que entraria para a história foi feito apenas no final do segundo mandato, em 1996: “Vamos enfrentar esses desafios não com um governo grande. A era do governo grande acabou”.
No caso de Barack Obama, ainda é cedo para saber quais das suas frases entrarão para a história. Mas, depois de seu discurso anual no Congresso, feito em fevereiro, não restou dúvidas de que ele pretende, em seu segundo mandato, continuar num caminho diferente do trilhado por Reagan e Clinton. Nos seus primeiros quatro anos, Obama salvou bancos, criou regras para restringir o funcionamento do mercado financeiro, ampliou o programa de seguro-saúde e ganhou dos inimigos políticos o apelido de “socialista”.
Em seu último discurso, fez questão de reforçar sua crença nas virtudes da intervenção estatal, seja como indutor de investimentos em áreas como pesquisa e educação, seja como defensor do aumento do salário mínimo. “Esta noite, eu declaro que, na nação mais rica do mundo, ninguém que trabalha em horário integral deve viver abaixo da linha da pobreza.” Ao falar em subsídios para energias limpas e em polos avançados para a indústria, Obama reacendeu o debate sobre o papel do Estado na economia e trouxe de volta a pergunta: seria o presidente americano contra o mercado?
A ideia de que os mercados nos levam à eficiência é central para a ciência econômica. Adam Smith deixou claro que a “mão invisível” do mercado resulta numa alocação mais eficiente de recursos. Friedrich Hayek, ganhador do Nobel de Economia em 1974, mostrou que os preços dos produtos se regulam automaticamente e transmitem informações eficientes para a economia de uma maneira muito mais poderosa do que qualquer sistema baseado no planejamento centralizado.
Essas descobertas deram sustentação a políticas de liberalização dos mercados e desregulamentação. Em comum, essa abordagem prega que as atividades econômicas podem ser mais eficientes se os empreendedores operarem com menor interferência do Estado. E, quanto mais eficientes os mercados, melhores os resultados. A desigualdade social, um efeito colateral do capitalismo, era vista como um mal menor. Veio a crise de 2008, e essas certezas foram colocadas em xeque.
Nos primeiros anos após a quebra do banco Lehman Brothers, governos gastaram mais de 2 trilhões de dólares para salvar seu sistema bancário e dar estímulos aos setores mais afetados. Como esse movimento aconteceu ao mesmo tempo que o PIB mundial dava um mergulho, o peso dos governos na economia registrou um salto. Nos Estados Unidos, a fatia do governo no PIB saiu de 36,5%, em 2007, para 44%, em 2009.
No Reino Unido, outro país de longa tradição liberal, o aumento foi de 40% para 47%. No mesmo período na França, o percentual pulou de 52% para 56%. O curioso agora é que os piores momentos da crise passaram, mas os gastos dos governos em relação ao PIB, mesmo tendo registrado uma leve queda, continuam altos. Em várias partes do mundo, aumenta a crença nos poderes estatais. “É normal que o papel do Estado mude de acordo com as circunstâncias”, diz Michael Spence, ganhador do Nobel de Economia em 2001.
A imagem que melhor descreve esse movimento é a de um pêndulo. Em certas épocas, uma determinada sociedade se mostra mais preocupada com a busca pela eficiência. Em outras, com os efeitos da desigualdade social. Essa transição fica clara no discurso dos políticos. Obama ganhou um segundo mandato falando em apoiar a classe média. Na Itália, a sensação da eleição foi o ex-comediante Beppe Grillo com seu discurso populista contra o arrocho.
Tudo pelo social?
Num ambiente polarizado, os economistas se digladiam no debate sobre os papéis do mercado e do governo — uma questão que não se restringe à questão dos estímulos para reavivar economias anêmicas. Em 2010, os britânicos Richard Wilkinson e Kate Pickett publicaram o livro O Espírito da Igualdade: Por Que Razão Sociedades Mais Igualitárias Funcionam Quase Sempre Melhor. Usando variáveis como expectativa de vida, obesidade e crime, Wilkinson e Kate tentam demonstrar as consequências negativas da desigualdade social.
Logo após o lançamento, os dois economistas sentiram na pele o clima quente reinante na academia — a obra chegou a ser chamada de panfleto socialista por seus críticos. No recém-lançado Economics After the Crisis: Objectives and Means (“A economia depois da crise: objetivos e meios”, numa tradução livre), o economista Adair Turner, que também é presidente da Financial Services Authority, o órgão regulador do mercado financeiro britânico, analisa a polêmica de forma menos acalorada.
Turner coloca em dúvida as correlações apresentadas em O Espírito da Igualdade para justificar a tese de que a desigualdade deve ser combatida. “As escolas no sul dos Estados Unidos registram alto grau de evasão porque há muita desigualdade social, ou esses estados têm alta desigualdade por causa da evasão gigante? Quando examinamos esse tema, temos sempre de ser cautelosos antes de dizer que achamos a variável determinante.”
Ao final, Turner concorda com a premissa de que a desigualdade não é desejável nem nos países ricos, onde os mais pobres têm aumento de renda absoluto, mas não relativo. “O descontentamento causado em uma parcela considerável da população pelos desníveis sociais deve fazer parte das preocupações dos economistas”, escreve em seu livro.
À medida que ganha força o discurso pró-Estado, vem a indagação: os defensores do livre mercado ainda têm o que dizer? No que diz respeito ao crescimento econômico, sim. Economias planejadas mostraram-se um fracasso — ineficientes e corruptas. Da Coreia à China, o mercado ajudou a encurtar a distância em relação aos países mais avançados. Livre mercado e inovação também costumam andar de mãos dadas.
“Não há evidência de que países com setores públicos vultosos sejam bons na geração de crescimento. Se você exclui os países escandinavos, a magia do Estado grande desaparece”, diz Edmund Phelps, ganhador do Nobel de Economia em 2006. O Brasil é um bom exemplo dos problemas do Estado gigante. “O governo é bom em cobrar impostos e péssimo na prestação de serviços”, diz Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC.
No livro Desenvolvimento como Liberdade, Amartya Sen, Nobel de Economia em 1998, convida o leitor a imaginar um mundo no qual a economia centralizada fosse tão eficaz quanto a de mercado. Isso faria dessa opção algo desejável? Não, diz Sen. O fato de as pessoas poderem decidir onde trabalhar, o que produzir e o que consumir é um importante fator de liberdade.
O mérito do mercado não está somente na capacidade de gerar eficiência, mas em criar o processo que nos permite alcançar esses resultados. Que os políticos com ímpetos estatais sempre se lembrem desse ensinamento. Com o pêndulo mais voltado para as questões sociais, é hora de evitar excessos.