Niall Ferguson: "No Brasil, a expectativa crescente da população tem gerado insatisfação" (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 25 de outubro de 2013 às 13h01.
São Paulo - O britânico Niall Ferguson está naquela liga dos professores universitários em que a medida do sucesso não é mais o número de citações em artigos acadêmicos. Professor de história na Universidade Harvard e palestrante requisitado tanto na Europa como nos Estados Unidos, tornou-se uma celebridade — na medida em que um professor de história pode ser uma celebridade.
Já esteve na lista das 100 pessoas mais influentes da revista americana Time, foi consultor do senador John McCain, que disputou a Presidência dos Estados Unidos em 2008 com Barack Obama, e viu seu livro A Ascensão do Dinheiro ser transformado em uma série de televisão.
Teve detalhes de sua vida privada publicados em jornais quando se separou, há poucos anos, e, recentemente, voltou a ter destaque, mas desta vez pelo lançamento do livro A Grande Degeneração — A Decadência do Mundo Ocidental, que saiu em maio no Brasil pela Editora Planeta.
Na obra, defende que democracia, capitalismo, respeito às leis e sociedade civil — em suma, as maiores instituições ocidentais — estão em crise e que as políticas adotadas pelos governos dos Estados Unidos e da Europa só fazem piorar a situação. É por isso, diz Ferguson, que o Ocidente apresenta menor crescimento e maior desigualdade do que no passado. Leia a seguir trechos da entrevista concedida a EXAME.
EXAME - O senhor diz que a democracia está em crise. Quais são as evidências?
Niall Ferguson - Há várias. Nos países ricos, o crescimento econômico se mantém terrivelmente baixo desde 2008. A desigualdade social hoje é tão acentuada quanto era durante a década de 20. Isso sem falar que a política está cada vez mais polarizada.
Além disso, há uma desilusão generalizada, especialmente entre os mais jovens, cujas perspectivas para o futuro são piores do que as que qualquer geração enfrentou desde a Grande Depressão.
EXAME - O fraco desempenho econômico é suficiente para concluir que as instituições estão em crise?
Niall Ferguson - Sim, principalmente na Europa. As instituições do bloco têm se revelado altamente ineficazes. Mas o mesmo vale para os Estados Unidos, que têm perdido competitividade. Hoje, é muito mais fácil abrir uma empresa em partes da Ásia do que, digamos, em Boston.
Como disse o ex-premiê inglês Winston Churchill, a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que experimentamos de tempos em tempos. É por isso que as economias bem-sucedidas da Ásia, como Taiwan e Coreia do Sul, fizeram a transição para a democracia. Mas a questão é: que tipo de democracia funciona melhor? Hoje parece altamente discutível que os Estados Unidos tenham o melhor sistema.
EXAME - Por quê?
Niall Ferguson - O sistema americano é baseado na ideia de separação entre Executivo, Legislativo e Judiciário, no qual um fiscaliza o outro. Mas isso não impediu que o governo americano adotasse uma política fiscal desastrosa. Ao permitir o aumento da dívida para tentar melhorar a situação econômica atual, estamos tirando recursos das gerações futuras.
As crianças que estão nascendo hoje pagarão mais impostos lá na frente para tapar esse buraco e, provavelmente, terão menos benefícios. O contrato entre as gerações, um dos pilares da democracia, está sendo rasgado.
EXAME - Quais são os sinais de que também há um processo de degeneração em democracias emergentes, como o Brasil?
Niall Ferguson - Estava em São Paulo um pouco antes de as manifestações começarem, em junho, e pude ver que a infraestrutura de transportes é realmente terrível. O Brasil acaba de passar por um período prolongado de crescimento, mas o setor público ainda é altamente ineficiente. A expectativa crescente da população tem gerado essa insatisfação.
EXAME - Se é verdade que as instituições ocidentais estão se degenerando, qual é a alternativa?
Niall Ferguson - A melhor alternativa é o modelo ocidental de antigamente, em que o papel do governo central era mais limitado e o mercado era muito menos penalizado pela regulação, que ficou mais complicada nos últimos anos.
EXAME - Mas não foi justamente a falta de regulação que provocou a crise mundial há cinco anos?
Niall Ferguson - Isso é um mito. O mercado estava mais regulado em 2007 do que em 1990, depois do relaxamento das regras nos anos 80. Instituições que perderam dinheiro, como a companhia hipotecária Fannie Mae, estavam sob a supervisão do Congresso. O problema é que a regulamentação era complexa e as instituições não a cumpriam. Por isso, insisto em dizer: mais regulação não resolverá nossos problemas.