Revista Exame

O negócio da inveja

De Lord Byron a Lindsay Lohan, o culto às celebridades mantém uma característica imutável — nós as amamos odiando-as

Multidão de fotógrafos diante de Sandra Bullock na cerimônia de entrega do Oscar: obsessão por celebridades tem origens na Revolução Industrial (Kevork Djansezian /Getty Images)

Multidão de fotógrafos diante de Sandra Bullock na cerimônia de entrega do Oscar: obsessão por celebridades tem origens na Revolução Industrial (Kevork Djansezian /Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h39.

Lindsay Lohan está presa ou solta? O ex-BBB Marcelo Dourado continua não gostando de ser chamado de ex-BBB? Quem é o favorito à vitória suprema no reality show A Fazenda 3: Sergio Mallandro? Em pelo menos uma dimensão o noticiário atual sobre celebridades se assemelha àquele sobre o mercado financeiro: quem passa um mês desligado corre o sério risco de perder o pé dos acontecimentos. Para quem investe, a falta de informação pode turvar a tomada de decisões e resultar em prejuízo. Já um mês sem acesso ao vaivém das celebridades pode originar um estado de perplexidade — por que, diabos, tantas pessoas estão interessadas pelo último revés amoroso da celebridade profi ssional da vez? É ao estudo de mistérios dessa natureza que se dedica o intelectual britânico Fred Inglis em A Short History of Celebrity (“Uma breve história da celebridade”), ainda sem previsão de lançamento no Brasil.

O surgimento de celebridades célebres por ser famosas é um fenômeno recente, estimulado pela explosão de reality shows da última década. Mas Inglis mostra em seu livro que a história da indústria da celebridade começa no mesmo berço e no mesmo século da Revolução Industrial: a Inglaterra do século 18. Foi em Londres que se estabeleceu o que se poderia chamar de primeira sociedade de consumo, na qual a paixão por comprar e vender começava a se somar à necessidade como um motor econômico. Naquela cidade de 750 000 habitantes, já um centro de importância global, comerciantes, homens de indústria e aristocratas mais ou menos endinheirados patrocinavam artistas de olho num lustro em sua própria fortuna ou posição. Com uma economia aquecida e diante da necessidade de um público em formação organizar seu tempo livre, esses artistas, os de teatro à frente, ganhavam cada vez mais notoriedade. Entre os famosos, uma elite mais destacada passou a ser tema de fofoca, especulação, admiração, inveja e desprezo — tornaram-se, pelo amor e pelo ódio, as primeiras celebridades modernas.

Desde os primórdios da indústria da celebridade, o escândalo é matéria de primeira necessidade. O caso de Lord Byron, poeta inglês do início do século 19, antecipou muito da mistura de repulsa e encantamento que uma indiscrição privada pode provocar no público. Sua persona pública de mulherengo, bravateiro e de homem dado ao excesso ajudou a divulgar seu nome tanto quanto a qualidade da sua própria obra, fundamental na literatura inglesa. Inglis lembra que, após Byron, começou a se esperar que as celebridades passassem por um teste do escândalo, príncipe Charles incluído: quem não atende à expectativa de recair em alguma infâmia passa, com algumas exceções notáveis, à condição de “tediosa decepção”.

A fortaleza moral de um Cary Grant ou um Paul Newman é notável pela raridade. No geral, a indústria e seus clientes à cata de novidades esperam o desvio. E, quanto maior o talento, maior a expectativa de tropeço ou excesso, conforme o padrão estabelecido por gênios como a atriz Sarah Bernhardt, a primeira estrela de alcance mundial, ainda na passagem do século 19 para o 20. Sarah era obcecada pela morte, chegou a dormir num caixão durante certo período, viveu romances clamorosos (um deles resultando num filho fora do casamento) e reinventava detalhes de sua biografia de acordo com a ocasião, numa encenação poética da própria vida. Nada disso foi suficiente para abalar sua imagem de virtuose, muito pelo contrário: numa herança do romantismo, permitia-se e ainda permite-se ao gênio movido por ideais o excesso em nome da autenticidade. Numa forma extrema e mais contemporânea, esse excesso chega a ser cobrado de astros de rock que, após anos de carreira, tornaram-se respeitáveis demais, a ponto de terem de destoar, mesmo que apenas na roupa. Pense em Mick Jagger, de 67 anos, dançando de calça apertada.


A licença conquistada é para poucos, entretanto. Numa tendência que se acirrou à medida que se ampliou o acesso à informação corrente, do jornal de circulação em massa à internet, as celebridades passaram a ser encaradas mais e mais como uma mistura de algo a exaltar e desprezar. Para Inglis, essa tensão se explica pela combinação de dois efeitos, um de familiaridade e outro de distância. Ao mesmo tempo que as celebridades passaram a habitar um círculo cada vez mais visível, esse mesmo círculo se tornou mais “vip”, mais inacessível. Em outro plano, técnicas de publicidade difundidas após a Primeira Guerra Mundial tornaram essas celebridades mais reconhecíveis, mas esse reconhecimento passou a se dar cada vez mais em ambientes de contemplação, como o auditório escuro do cinema, a sala de TV ou a mesa do computador. Distantes, mas familiares, as celebridades se tornaram intangíveis a ponto de ser adoradas e tangíveis a ponto de ser xingadas (as torcidas de futebol parecem saber disso há muito tempo).

Humilhação

A essa receita sagrada-profana, Inglis acrescenta um ingrediente crucial, o da inveja. De acordo com ele, a indústria das celebridades se firma em parte até hoje por meio do que ele chama de “institucionalização da inveja”. Quando estão no controle da situação, as celebridades aparecem aos olhos do público em situações que demonstrem seus atributos — talento, poder, riqueza, caráter, beleza. Todos, claro, passíveis da inveja alheia. Se a performance falhar em algum aspecto crucial, entretanto, entra em cena a contrapartida do glamour, a satisfação do público em ver os invejáveis humilhados. E aqui Inglis cita desde a submissão de atores que se ajoelhavam diante da plateia furiosa nos teatros londrinos na década de 1760 até a contrição pública do golfista Tiger Woods após a revelação de suas aventuras sexuais, em 2010. A maior força do livro de Inglis, mais que desfilar casos, é descrever a evolução, ao longo dos séculos, das causas de nossa obsessão por celebridades.

Quem, por exemplo, buscar no livro um relato pormenorizado sobre as etapas da carreira de Marilyn Monroe, da ascensão ao ocaso, vai encontrar uma descrição da inadequação entre o tipo de sensualidade que exibia em público e a identidade que buscava no privado. Isso não diminui a obra, mas pode torná-la literária demais para alguns. O grande mérito de Inglis é escapar da tentação esnobe de condenar o discurso sobre as celebridades como vulgar. Em vez disso, o autor afirma que as histórias das celebridades têm algo a dizer sobre nossa própria vida. Isso não impede, entretanto, que o desprezo nutrido por ele por fenômenos como os reality shows limite sua análise. Ele perde, assim, a trilha que leva da entrevista de uma princesa Diana traída ao confessionário do BBB. Para o leitor brasileiro, talvez reste também a impressão de que, por estas bandas, Inglis teria de rever algumas de suas conclusões. Como o livro é composto, em sua maior parte, de histórias americanas ou britânicas (o único brasileiro mencionado é Robinho, e de passagem), ele chega a afirmar que a travessia do show biz para a política demanda uma espécie de estágio probatório. O professor não conhece Sua Excelência, o Tiririca.

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