Hamad Al Marar, CEO da Edge Group, do gigante de produtos de defesa dos Emirados Árabes Unidos (Edge Group/Divulgação)
Editor de Macroeconomia
Publicado em 23 de maio de 2024 às 06h00.
Última atualização em 27 de maio de 2024 às 14h41.
No fim de abril, o Edge Group, conglomerado de tecnologia de defesa dos Emirados Árabes Unidos (EAU) com um portfólio de mais de 5 bilhões de dólares em negócios pelo mundo, ampliou sua relação com o Brasil ao comprar 51% da Condor, empresa brasileira que lidera globalmente o mercado de armas não letais. Trata-se do segundo negócio do grupo no país, depois de adquirir em 2023 metade da Siatt, companhia de São José dos Campos especializada em armamentos inteligentes com contratos com a Marinha e o Exército. As aquisições se somam a mais de uma dezena de operações pelo mundo, da Itália à Polônia. “Estamos aqui para construir de onde as empresas pararam e ver como podemos beneficiar ambos os países. Essa fórmula é mágica”, afirma Hamad Al Marar, CEO do Edge Group em entrevista à EXAME.
Como o Edge Group virou um gigante de tecnologia de defesa num país com pouca tradição nessa frente?
Somos um grupo de tecnologia muito além da defesa. Por causa da demografia do país, nunca tivemos a infraestrutura para fábricas. Se quisermos expandir, importaremos mão de obra. Portanto, precisamos ter parcerias além de nossas fronteiras. Somos um dos grupos mais diversos em tecnologia do mundo em termos de nacionalidades que trabalham para nós, o que é inédito nessa indústria. Em segundo lugar, as 13 aquisições que fizemos pelo mundo desempenharão um grande papel em nossa capacidade. Projetamos os produtos. Quando se trata de produção, você quer um ecossistema que funcione. E acreditamos no crescimento dos países. Sabemos o que podemos adicionar às nossas forças para complementá-las. E é por isso que você vê parcerias como as do Brasil. Não estamos aqui para competir com ninguém. Estamos aqui para pegar de onde as pessoas pararam e ver como podemos beneficiar ambos os países. Essa fórmula é mágica. Não há nação rica o suficiente para tomar essa iniciativa sozinha.
Qual é a lógica para as operações no Brasil, onde a empresa abriu o primeiro escritório internacional?
Em primeiro lugar está o alinhamento político que temos entre o nosso país e o seu país. Isso desempenha um grande papel. A troca de tratados entre os dois países é grande o suficiente para sermos recebidos de braços abertos. Número dois: viemos da mesma fundação de engenharia. Então falamos as mesmas equações e trabalhamos nos mesmos padrões. Além disso, a tomada de decisões é surpreendentemente rápida no Brasil. Além disso, o Brasil tem sua cultura. Está em um fuso horário diferente. Então, se quisermos ser mais atentos, precisamos estar presentes, ter pessoas mais próximas da cultura e trabalhar juntos. Por último, precisamos de pessoas do Brasil para nos dizer o que é o Brasil. O Brasil sempre se mostrou mais rápido para concluir, mais competitivo e mais construtivo em sua abordagem.
Quais projetos são prioridade no país?
Acho que a iniciativa Siatt é um testemunho de nossa relação país a país. Para começar, a Edge queria desenvolver um produto, um míssil antinavio de longo alcance. Faríamos sozinhos. Então decidimos ver se poderíamos fazer parceria com alguém. Quando a Siatt começou, foi para a Marinha Brasileira. Quando entramos, imediatamente garantimos o contrato com a Marinha Brasileira e a Marinha dos Emirados Árabes Unidos. Estamos garantindo contratos de exportação para a Siatt hoje: 1 bilhão de dólares para os Emirados Árabes Unidos. O benefício para o Brasil é a economia de escala, influência política e proteção de seus próprios navios. O Brasil poderia ter feito isso, mas não seria tão rápido. A Siatt deve comprar um grande terreno, construir sua fábrica e ter planos para expandir sua força de trabalho. Com isso, toda a economia se beneficiará, a cadeia de suprimentos funcionará, o ecossistema crescerá.
E no caso da Condor, qual é a estratégia para essa mais recente aquisição?
A Condor é o player global. Ninguém pode contestar isso, mesmo com todas as desvantagens geográficas que existem. Agora, nós, com os produtos da Condor, estamos expandindo nas Américas. E eles conosco estão expandindo no Oriente Médio, na África e na Ásia. A empresa tem mais de 160 produtos. Podemos realmente ajudar a explorá-los mais rapidamente. Quando um cliente compra dos EAU, nunca irrita o Oriente ou o Ocidente. Eu sempre digo que alguns desses negócios de defesa às vezes estão além da capacidade técnica. Talvez 90% sejam posição política. Não para nós, mas para o país de origem.
O que podemos esperar de novas aquisições?
Nenhuma de nossas aquisições foi impulsionada por um racional “essa empresa parece ótima, eles têm boas perspectivas financeiras”. Simplesmente temos uma visão de longo prazo sobre o que queremos alcançar. Cada solução que temos em nosso catálogo vem de um problema que tendemos a resolver. Então começamos a mapear nossas dependências e as tecnologias que pretendemos desenvolver. Aí olhamos para o mercado.
Podemos ver que nossas exportações estão aumentando. Em 2019, vendemos 60 milhões de dólares. No ano passado, 2 bilhões de dólares. Algo está funcionando, e também é um testemunho de qualidade e produto. Então é muito fácil comprar, eu acho, dos Emirados Árabes Unidos. Primeiro, podemos ter as aprovações rapidamente e, segundo, não há o questionamento de “por que você escolheu os Emirados Árabes Unidos?”. E isso ajuda.
Qual é o futuro para a indústria de defesa e aplicação da lei?
Toda a indústria de defesa foi voltada para, se o conflito ocorrer, termos uma aplicação para eliminá-lo. Viemos com uma abordagem para dizer como evitar que esse conflito aconteça. Há muitos meios inteligentes hoje para entender que um conflito está sendo construído ou sendo planejado. Como você pode eliminar proativamente essa ameaça? Crime é uma ameaça. Confrontação é outra. Como podemos evitar que isso aconteça? É nisso que a tecnologia ou as pessoas inteligentes precisam trabalhar.
Qual é a solução que vocês planejam ter daqui a dez anos?
Não temos tanto tempo. Acho que, se nossos testes forem bem-sucedidos, os Emirados Árabes Unidos serão um dos poucos players de defesa aérea do mundo. E acho que nosso sistema de defesa é uma solução inovadora, porque é realmente feita para proteger você e sua infraestrutura.
Pode explicar o tamanho dessa ambição em defesa aérea?
Você quer proteger seu país na ponta suave e na ponta dura. O suave é evitar que um conflito aconteça. Mas, quando não funciona, isso se torna uma ameaça sólida. Você pode ser atacado. E você não quer estar à mercê de algum país. É sua casa. Os atores de ameaças estão se tornando criativos em suas buscas. Você quer algo que saia da convenção e da maneira de fazer. Os Emirados Árabes Unidos querem prosperar em soluções de defesa, seja em cyber, seja em sistemas de defesa mais sofisticados.
O senhor disse que não tem tanto tempo, dez anos. Essa fragmentação em que vivemos torna o mundo mais perigoso?
Para ser honesto, acho que não. Gosto de usar este exemplo: quando você vai a qualquer tribunal, em qualquer país, eu diria que uma alta porcentagem dos casos são casos familiares. Conflitos sempre existiram, e vão continuar existindo. Estamos mais conscientes do que está acontecendo no mundo do que antes e achamos que não é seguro. Mas o que estamos fazendo a respeito? Como estamos reagindo a isso? Nossas alianças com o Brasil e outras nações são também estratégicas. Os EAU ao longo da história foram construídos sobre essas parcerias e o equilíbrio entre as partes. Estamos nos beneficiando disso. Procuramos onde podemos agregar valor, onde podemos ser genuínos. Todas as nossas relações foram de longo prazo. Em termos de conflito, quando as coisas acontecem, é provável que ainda estejamos em bons termos com todos.