Revista Exame

Chances de apagão são de 50% até dezembro, diz estudo

Não faltam razões técnicas para um racionamento já. Mas o governo, às voltas com a eleição, prefere ignorar o alerta e adiar as medidas mais duras


	Perto do fundo: com a falta de chuvas, mesmo represas como a de Furnas, em Minas Gerais, estão no limite 
 (Reuters/Paulo Whitaker)

Perto do fundo: com a falta de chuvas, mesmo represas como a de Furnas, em Minas Gerais, estão no limite  (Reuters/Paulo Whitaker)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de junho de 2014 às 19h49.

Rio de Janeiro - O risco de ter de impor um racionamento de energia ao país antes das eleições é provavelmente o fantasma que mais assombra a presidente Dilma Rousseff. E deverá continuar assombrando até o fechamento das urnas.

Um diagnóstico elaborado pela PSR, uma das consultorias mais respeitadas no setor elétrico, a ser divulgado nos próximos dias, mostra que chegaram a 46% as chances de que o estoque de água dos reservatórios brasileiros caia abaixo de um décimo de sua capacidade até o fim do ano.

Se isso ocorrer, não haverá outra saída: o país terá de iniciar um racionamento às pressas. O limite de 10% de estoque de água é considerado o mínimo para que as hidrelétricas operem com segurança.

“Pelos nossos cálculos, deveríamos iniciar já um programa para cortar 6% o consumo de energia”, afirma Mário Veiga, fundador da PSR. Essa seria a maneira mais prudente de tratar a questão. Assim, seria possível afastar o risco de apagões, e os reservatórios seriam poupados para 2015.

Dilma sabe que a situação é grave. Mesmo assim, tem emitido sinais de que deve ir para o tudo ou nada. Um deles foi a recente recondução de Hermes Chipp ao cargo de diretor-geral do Operador Nacional do Sistema, órgão que administra o abastecimento de energia em todo o país. Pela regra, ­Chipp teria de sair em maio, depois de ter passado oito anos no posto, em dois mandatos.

No fim de abril, Dilma editou uma Medida Provisória, instrumento incomum para esse tipo de caso, que estende a permanência do fiel escudeiro por mais dois anos. O governo precisa de alguém que acate a presidente, mesmo contra os pareceres dos técnicos, já histéricos com o aumento dos riscos.

Se não acontecer o pior — e o estoque de água ficar acima de 10% —, será possível evitar o racionamento em 2014. Mesmo assim, os reservatórios vão virar o ano pedindo água. Mas, aí, a eleição já terá passado. Um racionamento sairia caro demais para Dilma, que, quando candidata em 2010, prometeu que não faltaria energia elétrica em seu governo.

Numa área de infraestrutura, como é a de energia, decisões tomadas hoje continuam repercutindo por anos ou décadas à frente — para o bem e para o mal. A atual crise de abastecimento que o país enfrenta é fruto de uma escolha feita nos últimos 20 anos. Apesar de mais de 70% da energia brasileira ser gerada graças aos rios, deixamos de construir hidrelétricas com bons reservatórios de água.

A função das represas é armazenar água no período de chuva para garantir a produção de eletricidade quando chegam as estações secas. Nos anos 70, as hidrelétricas brasileiras eram capazes de trabalhar 20 meses sem que caísse uma gota de chuva. Hoje, aguentam apenas quatro meses e meio.

O jeito foi apelar para usinas térmicas, que funcionam com gás, carvão ou óleo. São elas que estão segurando as pontas desde o fim de 2012, diante da estiagem persistente, que tem secado até as represas profundas, como a de Furnas, em Minas Gerais.

O problema é que abandonamos os grandes reservatórios, mas não montamos um parque térmico adequado para funcionar por longos períodos. Resultado: o sistema elétrico perdeu confiabilidade, porque ficou mais dependente de São Pedro a cada ano — o racionamento de 2001 foi adotado após dois anos consecutivos de secura.

Além do risco de uma falta prolongada de água, outro problema que mina a confiabilidade é a sequência de apagões de variados portes com que o ­país vem convivendo por problemas nas linhas de transmissão e distribuição.

De janeiro de 2011 a fevereiro deste ano, foram registradas 181 falhas no fornecimento de energia, segundo um levantamento feito pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura. Listando apenas os de grande impacto, houve dez apagões no governo Dilma.

A rejeição às represas vem dos anos 80, quando as hidrelétricas passaram a ser consideradas vilãs ambientais. Embora gere energia com um recurso renovável (a água) e não emita carbono (como as térmicas movidas a óleo), esse tipo de usina provoca outros impactos ambientais.

Seus lagos inundam áreas relativamente extensas e chegam a alterar a vazão de alguns rios, o que põe em risco a reprodução da fauna e da flora. No Brasil, onde o maior potencial hidrelétrico está na Amazônia, tornou-se muito difícil construir qualquer hidrelétrica e praticamente impossível erguer uma que tenha reservatório de grande capacidade.

O movimento anti-hidrelétricas ganhou dimensão internacional. Em 1989, o cantor inglês Sting foi ao Pará protestar, com o índio Raoni, contra a construção de usinas no Rio Xingu. Belo Monte, hoje em obras no Xingu, teve o projeto original todo alterado para reduzir o impacto.

Para desviar de terras indígenas, está sendo rasgado um canal maior do que o do Panamá. Mais de 60% da área ocupada pela usina era de pastagem. Mesmo assim, em 2010, o cineasta americano James Cameron e dezenas de artistas brasileiros se mobilizaram contra a obra, que virou um tabu.

Subutilização

Atualmente, o governo se prepara para licenciar a primeira usina que será construída no Rio Tapajós, considerado a próxima fronteira hidrelétrica do ­país. Dos 13 cenários de exploração do rio estudados pela Empresa de Pesquisas Energéticas, nenhum considera a formação de um grande reservatório.

Pressionado para aumentar o suprimento de energia, o governo vem escolhendo planos que reduzem os problemas para licenciar as usinas, mas que desperdiçam o potencial energético dos rios. “Vamos subutilizar o potencial hidrelétrico de mais um rio brasileiro, sem quantificar os custos e os benefícios dessa escolha de forma transparente”, afirma Rafael Kelman, sócio da PSR.

A pedido de EXAME, a consultoria analisou os estudos do governo e fez um plano alternativo. Trata-se de uma opção com um reservatório para acumular até 20 bilhões de metros cúbicos de água na época de chuva. A usina geraria energia adicional suficiente para abastecer uma cidade com 3 milhões de residências.

O benefício econômico somaria 5 bilhões de reais. E o reservatório seria capaz de evitar a emissão de 3 milhões de toneladas de carbono por ano de usinas térmicas.

Não é fácil chegar à conta certa do que é mais ou menos danoso ao meio ambiente. O mundo inteiro ainda está aprendendo a fazer esse cálculo. Mas não há dúvida de que o melhor caminho é a informação. Sabe-se hoje que, se todas as hidrelétricas construídas e a construir na Amazônia tivessem reservatórios de grande capacidade, juntas ocupariam uma área de 10 500 quilômetros quadrados.

É muita terra, mas equivale a apenas 0,16% do território amazônico. Mais impressionante é saber que, desde o ano 2000, a Amazônia perdeu para o desmatamento quase 20 vezes mais território.

“Quando escolhemos não construir um reservatório, temos de fazer outra usina, normalmente mais cara e mais poluente”, diz Erton Carvalho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e presidente do Comitê Brasileiro de Barragens. “Afinal, na hora de tomar banho ou andar de elevador, ninguém quer saber como a eletricidade chegou lá.”

De fato, as termelétricas passaram de 12% para 27% da geração no Brasil de 1998 a 2012. No mesmo período, sua participação nas emissões de carbono foi de 8% para 30% do total do país.

A aversão às hidrelétricas e aos reservatórios não nasceu à toa. Houve muito abuso na construção de usinas no passado. Em certos casos, como o de Balbina, no Amazonas, o alagamento ocorreu sem a retirada da vegetação, que apodreceu debaixo d’água e passou a emitir metano, gás causador do efeito estufa.

Em alguns locais, a população que vivia na área do empreendimento foi simplesmente expulsa. Hoje não há mais espaço para esse tipo de conduta. O problema é que o pêndulo migrou para o outro lado, e qualquer hidrelétrica se tornou indesejada. O Brasil ainda tem quase dois terços do potencial hidrelétrico por explorar.

A tecnologia atual é capaz de equilibrar bem melhor o aproveitamento energético dos rios e o respeito à natureza. O fato é que a gestão do setor elétrico precisa se voltar para medidas estruturais que dêm segurança ao abastecimento de energia. Só assim poderá afastar os fantasmas de racionamento que andam rondando o país.

Acompanhe tudo sobre:ApagãoEdição 1065Energia elétricaGovernoHidrelétricasMeio ambienteSustentabilidade

Mais de Revista Exame

Melhores do ESG: os destaques do ano em energia

ESG na essência

Melhores do ESG: os destaques do ano em telecomunicações, tecnologia e mídia

O "zap" mundo afora: empresa que automatiza mensagens em apps avança com aquisições fora do Brasil

Mais na Exame