Revista Exame

'Efeito iPhone': para James Gifford, o ESG veio para ficar

Um dos criadores da sigla ESG, o economista James Gifford vê a preocupação socioambiental como um caminho sem volta no mercado financeiro — e com impactos duradouros feito os dos apps do smartphone da Apple no dia a dia das pessoas

O economista James Gifford vê a preocupação socioambiental como um caminho sem volta no mercado financeiro (Leandro Fonseca/Exame)

O economista James Gifford vê a preocupação socioambiental como um caminho sem volta no mercado financeiro (Leandro Fonseca/Exame)

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Rodrigo Caetano

Publicado em 20 de janeiro de 2022 às 05h22.

Última atualização em 20 de janeiro de 2022 às 06h49.

O termo ESG, sigla em inglês para meio ambiente, social e governança, já está incorporado ao vocabulário do mercado financeiro. Pergunte de onde ele surgiu, no entanto, e se ouvirá o som constrangido de coletes de náilon, copos Stanley e jipes Renegade na Faria Lima. No imaginário coletivo, o ESG é quase um meme, que surge de algum canto da internet, marca presença em grupos de WhatsApp e desaparece da forma que chegou, sem aviso. Mas, para o economista James Gifford, um dos criadores da sigla, o ESG é um caminho sem volta. 

Gifford, atual líder consultivo de sustentabilidade e impacto do banco Credit Suisse, fundou e dirigiu por dez anos o Principles for Responsible Investment (PRI), rede ligada à ONU com o ojetivo de convencer investidores sobre investimentos sustentáveis. Em 2004, um ano depois da criação do PRI, um grupo de trabalho do qual ele fazia parte cunhou o termo ESG. A ideia, diz ele, era inverter a lógica dos chamados “investimentos éticos” para incutir uma visão mais financista às questões socioambientais. 

Em 18 anos, o mundo passou pela Grande Recessão de 2008 e, agora, pela pandemia. A consciência ambiental e a desigualdade aumentaram muito. De lá para cá, o ESG resistiu ao tempo, diz Gif—ford, e deve ficar por aí por muitos anos. Para o economista, Ph.D. pela Universidade de Sydney e professor na Universidade de Zurique, investimentos responsáveis são como o iPhone: antes de seu lançamento, em 2007, ninguém sabia que não poderia viver sem ele. Ele recebeu a EXAME na sede do Credit Suisse, em São Paulo, para a entrevista a seguir.

O senhor cunhou o termo ESG há 17 anos. De lá para cá, a sigla mudou de sentido?

Não acredito que o significado tenha mudado desde 2004. O ESG é apenas um subgrupo inserido no contexto maior do investimento sustentável. O termo foi criado, especificamente, para focar em questões materiais. A ideia foi inverter a lógica do que, na época, era chamado de investimento ético, para se concentrar em fatores relevantes para os investidores. Se você tem uma responsabilidade fiduciária, como no caso de um fundo de pensão, não deveria estar pensando num horizonte de nove meses, mas sim de nove anos, ou de 20 anos. E quando se considera esse horizonte, temas como mudanças climáticas, riscos sociopolíticos etc., se tornam relevantes. Algumas pessoas usam o termo de maneira mais ampla, mas o ponto central é a incorporação de fatores socioambientais nos investimentos para gerenciar riscos. Não é mais sobre ética.

De 2004 para cá, o mundo viveu a Grande Recessão e, agora, a pandemia. O ESG precisa de nova abordagem?

Acredito que o ESG tenha resistido ao tempo. Em 2004, pouquíssimas instituições estavam realmente fazendo alguma coisa. A questão é que os aspectos sociais, ambientais e de governança são distintos entre si, e quando colocados juntos representam uma dimensão do negócio que sempre foi ignorada pelas finanças tradicionais. Talvez a crise de 2008 fosse menos severa se todos estivessem adotando o ESG, mas é difícil dizer. O que não podemos fazer é esperar que as boas práticas corporativas nos salvem de todas as crises. São eventos complexos. 

Negligenciar as questões socioambientais por tantos anos foi um erro de cálculo do setor financeiro?

É um erro quando se ignora questões materiais. Nos anos 1980 e 1990, talvez os riscos socioambientais não fossem tão relevantes porque as externalidades não são precificadas nos custos das empresas. De uma perspectiva financeira, ignorá-los era a coisa certa. A partir da virada do século, a sustentabilidade passou a ser cada vez mais relevante para o retorno financeiro. A pergunta é se os analistas financeiros tradicionais estão adotando o ESG rápido o suficiente. 

Em 20 anos, a defesa do meio ambiente ficou mais forte, mas a das questões sociais não. Por que o descompasso?

A pergunta a ser feita é se reduzimos a pobreza. Sim, é o caso. Globalmente, a pobreza extrema diminuiu drasticamente em todos os países, exceto em algumas zonas de guerra. O Brasil, por exemplo, reduziu. 

Falência do banco Lehman Brothers, em 2008, um dos marcos da Grande Recessão: talvez, a crise poderia ter sido menos severa se todos estivessem adotando o ESG (Chris Hondros/Getty Images)

O sistema financeiro por trás da crise de 2008 é quase igual ao de hoje. Para o ESG avançar, ele precisa mudar?

Temos de reconhecer os pontos positivos de um sistema que tirou mais pessoas da pobreza do que qualquer outro. Temos o menor índice de miséria na história, com uma população maior. Qual é a alternativa? Não há. É melhor consertar o que está errado no sistema do que jogá-lo fora, e é importante continuar trabalhando para incluir os mais pobres. A China tirou meio bilhão de pessoas da pobreza em 30 anos. O que não queremos é repetir as mesmas externalidades, como a poluição e a exploração de trabalhadores em outros países. Podemos criar um capitalismo que tira o melhor do que fizemos em 200 anos, e mitiga o que fizemos de pior. O investimento sustentável é sobre isso. 

Esperam-se investimentos de trilhões de dólares na transição energética. Onde aportar esses recursos?

A idade da pedra não terminou por falta de pedra. Tampouco a era do combustível fóssil vai acabar pelo esgotamento. Só há uma maneira de fazer a transição energética, que é desenvolver tecnologias mais eficientes e baratas. É preciso investir em inovações em estágio inicial, como armazenamento em baterias e fissão nuclear. 

A transição energética será financiada com capital público ou privado? 

Majoritariamente privado. As estimativas mais recentes apontam para uma necessidade de investimento de 3,5 trilhões de dólares por ano. A ajuda que será dada aos países em desenvolvimento pelos desenvolvidos está na casa dos 200 bilhões de dólares atualmente. Não será suficiente. O capital privado é fundamental para preencher essa lacuna, e a chave para isso é o desenvolvimento econômico. Os países de menor renda precisam crescer para obterem uma base fiscal que os permita investir em suas escolas e que a população tenha recursos para consumir. O investimento responsável ainda é muito associado a empresas e projetos verdes. Na realidade, ele é sobre desenvolvimento econômico, que gera bem-estar social em todos os setores.

Uma reclamação frequente do terceiro setor no Brasil é de serem pouco ouvidos na decisão de investimentos sociais das empresas. Como ampliar o diálogo?

Apenas para deixar claro, quando falamos de ESG, estamos falando de empresas adotando boas práticas. Essa questão da inclusão diz respeito aos investimentos de impacto. Uma parte essencial desse tipo de investimento é conhecer as pessoas que irão recebê-lo. Sem dúvida, não dá para descarregar projetos pensados para outras realidades ou contextos só porque o dinheiro está disponível. Mas, tenho visto na comunidade de investimentos de impacto uma consciência muito grande sobre essa questão, e soluções interessantes, como um sistema de pesquisa por SMS que permite, de maneira muito barata, consultar a opinião de milhões de pessoas. 

O ESG e os investimentos de impacto não acabam sendo uma visão financeira de problemas que demandariam uma visão mais humanista? Há risco em incorporar uma lógica de mercado a questões sociais?

Se você perguntar a uma comunidade com poucos recursos se ela deseja o crescimento de sua economia e ter a liberdade de investir em escolas e hospitais, essa comunidade pensará que se trata apenas de uma questão financeira? As finanças são apenas uma ferramenta. É papel da comunidade decidir se constrói um parque no lugar de um estacionamento, se investe em saúde e no bem-estar dos cidadãos. Recursos são fundamentais para isso. O que não podemos fazer é dizer às pessoas como elas devem investir seus recursos. A decisão deve ser comunitária. 

Como os clientes do Credit Suisse estão se engajando em investimentos responsáveis?

É uma espécie de “efeito iPhone”. As pessoas estavam satisfeitas com os botões de seus Blackberries, mas quando o iPhone chegou, de repente, ninguém mais podia viver sem ele. Muitos clientes não sabem, ainda, que precisam de investimentos sustentáveis. Mas, quando adotam essa estratégia, a reação é “por que eu não pensei nisso antes?”. Eu posso investir em tecnologias disruptivas com potencial de resolver os problemas do mundo, sem comprometer o retorno financeiro. É um caminho sem volta.  

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