Revista Exame

O Brasil e a disputa global por produtos culturais no cinema negro

Trabalhos recentes da cineasta Ava DuVernay e as produções financiadas por Oprah Winfrey provam que a diversidade no audiovisual pode ser rentável

Cinema: indústria do cinema no Brasil ainda não alcançou um patamar alto na circulação de capital (Getty Images)

Cinema: indústria do cinema no Brasil ainda não alcançou um patamar alto na circulação de capital (Getty Images)

A recente notícia de que o cineasta afro-americano Tyler Perry se tornou oficialmente bilionário surpreendeu muitas pessoas no Brasil. Afinal, aqui em nosso país, tanto a indústria do cinema ainda não alcançou um patamar alto na circulação de capital como são quase inexistentes histórias de pessoas negras milionárias, muito menos bilionárias.

Nos Estados Unidos essa história só é possível devido a uma próspera indústria audiovisual e também a um maior protagonismo negro no cinema, que se intensificou bastante nas últimas décadas depois de longos debates sobre o tema na mídia e nas redes sociais.

Do movimento Blaxploitation nos anos 1970, passando pela obra icônica de Spike Lee, o cinema negro vem se consolidando nos Estados Unidos a cada década. Os mais recentes sucessos, como Moonlight (ganhador do Oscar), Get Out/Corra (do diretor Jordan Peele), o trabalho magistral da cineasta Ava DuVernay, as séries da produtora Shonda Rhimes (Scandal/How to Get Away with Murder) e as produções financiadas pela empresária Oprah Winfrey (como Selma e Greenleaf) provam, de fato, que a diversidade no cinema é um sucesso econômico.

Claro que essa visibilidade mais recente aconteceu justamente por força do movimento das redes sociais com a hashtag #OscarSoWhite, por meio da qual artistas, diretores e celebridades afro-americanas foram a público questionar a falta de representatividade em Hollywood.

A triste e precoce morte do ator Chadwick Boseman, que interpretou o personagem Rei T’challa no filme Pantera Negra (Marvel/Disney), mostrou o poder das narrativas negras no cinema mundial. O tuíte sobre o assunto foi o mais curtido da história da rede social e aqui no Brasil a exibição do filme pela Rede Globo marcou recordes de audiência e repercussão. O longa trouxe o tema do afrofuturismo para o mainstream e tornou-se mais do que uma simples obra de cinema — o filme virou um fenômeno cultural.

Da mesma forma que nos Estados Unidos, o cinema africano tem ganhado muita relevância econômica nos últimos anos. A chamada Nollywood, indústria de cinema nigeriana, gera bilhões de dólares anualmente e é a segunda maior indústria empregadora do país.

Filmes como The Wedding Party, dirigido pela cineasta nigeriana Kemi Adetiba, chegaram com muito sucesso ao serviço de streaming Netflix. Na mesma linha, o mercado sul-africano está bastante aquecido. Séries como Queen Sono (do diretor executivo Kagiso Lediga), também na Netflix, mostram um continente africano moderno e dinâmico. Outros países buscam espaço nesse efervescente mercado do cinema negro global, como Etiópia, Costa do Marfim e Gana.

A guerra dos streamings deve tornar essa busca de narrativas afrocêntricas ainda mais demandada, seja para filmes, séries, seja para animações. Players como Amazon, Disney, Viacom, Paramount e Globoplay estão se movimentando nesse sentido. Não por acaso, a discussão sobre filmes negros tem tomado espaço dentro do debate cultural, como foi o caso de Black Is King, da cantora Beyoncé com a Disney.

A pergunta que fica é: como estará o Brasil nessa disputa global por produtos culturais de temática afro no audiovisual? Mais uma vez seremos coadjuvantes e perderemos uma oportunidade de injetar bilhões de reais em nossa economia ao não apostar na diversidade?

Temos historicamente em nosso país dado pouco (ou quase nenhum) espaço a centenas de profissionais negros(as) na indústria cinematográfica. Nomes como Zózimo Bulbul e Adélia Sampaio precisam ser mais lembrados por sua contribuição para o cinema nacional. Cineastas mais contemporâ­neos, como Joel Zito Araújo, Jeferson De e Viviane Ferreira, inspiram uma nova geração que está ganhando festivais mundo afora com suas produções.

Este é o momento, portanto, de impulsionar as carreiras e histórias afro-brasileiras. As narrativas negras possuem um maior potencial de alcance global se comparadas às que estamos acostumados a ver na TV, por causa da relevância cultural do tema étnico-racial em outros países com contextos similares. Quem sabe nosso sonhado Oscar não venha para o Brasil justamente por mãos negras, tão ignoradas na indústria audiovisual?

Temos todo o potencial para criar uma indústria cinematográfica forte no país ao incluir mais diversidade na frente e atrás das câmeras. Além disso, precisamos descentralizar a fonte das histórias que hoje se concentram no eixo Sul-Sudeste. Cidades como Salvador, Recife e Belém podem ser novos polos de produção para trazer narrativas afro-indígenas inéditas para o audiovisual.

Investir no cinema diverso é apostar em histórias que podem fazer nosso país mais próspero, além de ser o justo com o passado e o presente de um Brasil que ironicamente ainda não se reconhece em suas próprias telas.


(Divulgação)

Acompanhe tudo sobre:CinemaFilmesNegrosRacismo

Mais de Revista Exame

Cocriação: a conexão entre o humano e a IA

Passado o boom do ChatGPT, o que esperar agora da IA?

O carro pode se tornar o seu mais novo meio de entretenimento

Assistentes de IA personalizáveis ajudam a melhorar a experiência do cliente

Mais na Exame