Revista Exame

O Boticário é a empresa certa no país certo

O mercado de beleza brasileiro é o que mais cresce no mundo. E, com uma receita única, nenhuma empresa do setor cresce tanto quanto o Boticário

Grynbaum e Krigsner, na sede do Boticário, em São José dos Pinhais: além de sócios, eles são cunhados (Germano Lüders/EXAME.com)

Grynbaum e Krigsner, na sede do Boticário, em São José dos Pinhais: além de sócios, eles são cunhados (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 15 de fevereiro de 2013 às 11h13.

São Paulo - O negócio do bilionário americano William Conway é comprar e vender empresas. Chefe do fundo americano Carlyle, ele tem 157 bilhões de dólares investidos em mais de 200 empresas. Conway não chegou tão longe deixando oportunidades passar diante de seu nariz. No início de 2011, ele foi informado de que seus executivos do escritório de São Paulo estavam negociando uma parceria com uma companhia de cosméticos brasileira, o Boticário.

A ideia era que as duas empresas se tornassem sócias em um terceiro negócio, a fabricante de meias Scalina. Mas as conversas poderiam abrir as portas para uma eventual aquisição do Boticário. Para seduzir seus donos, Conway entrou em seu jatinho em Washington e desembarcou em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, onde fica a sede da empresa. Passou mais de 2 horas por lá.

Ao final da visita, com as portas de seu carro já abertas, puxou pelo braço Artur Grynbaum, presidente e sócio do Boticário. Parecia, para quem estava por perto, que era chegada a tão aguardada hora em que Conway faria uma oferta bilionária pela empresa paranaense. Mas ele disse: “Nunca venda essa empresa. Nem para nós, nem para ninguém”. 

Conway viaja o mundo à caça de oportunidades, mas é um homem de negócios pragmático. Seus investimentos valem a pena quando a empresa adquirida tem uma estratégia tímida de crescimento, ou quando está enfrentando alguma dificuldade. Quando nada disso acontece, os executivos do Carlyle costumam dizer que estão diante de uma joia. Para Conway, é esse o caso do Boticário. Fundada em 1977 em Curitiba pelo boliviano Miguel Krigsner, a empresa é líder mundial em franquias de cosméticos.

Tem mais de 3 600 lojas espalhadas pelo Brasil, e essa rede faturou 6,6 bilhões de reais em 2012 — 20% mais que no ano anterior. Mas o que deixa observadores como Conway embasbacados é a trajetória dos últimos anos. Desde 2000, o faturamento do Boticário foi multiplicado por 8. E seus donos não estão parando para celebrar.

No ano passado, colocaram em prática seu mais ambicioso plano de expansão, com a criação de três marcas e o lançamento de 1 500 produtos — um recorde em 35 anos. Como tem capital fechado, o Boticário não divulga seu lucro. Segundo franqueados ouvidos por EXAME, a margem de lucro da empresa é de pelo menos 10% das vendas da rede. Cerca de 600 milhões de reais por ano, portanto.

Crescimento 

O que faz o Boticário crescer tanto é uma combinação única de fatores. A empresa está na hora certa, no país certo, com a estratégia certa. Nos últimos 15 anos, o setor de higiene pessoal,­ perfumaria e cosméticos cresceu seis vezes no Brasil e chegou a um faturamento de 34 bilhões de reais. Globalmente, estamos atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão, dois países onde as vendas avançam menos.


A previsão é que, em até dois anos, o Brasil passe o Japão como segundo maior mercado do mundo. “Temos 3% da população, mas representamos 11% do mercado mundial. Talvez nenhum outro povo gaste tanto em perfumaria e cosméticos quanto o brasileiro”, diz João Carlos Basilio, presidente da Abihpec, associação que representa as empresas do setor. O maior impulsionador desse mercado é a expansão da classe média.

Depois de conseguir comprar os itens básicos para o dia a dia, os brasileiros vêm gastando cada vez mais com cremes, batons, perfumes. O aumento da idade média da população e a maior participação da mulher no mercado de trabalho também impulsionam os cosméticos. 

Poucas empresas estavam tão preparadas para aproveitar esse fenômeno social como o Boticário. Para começar, nenhuma outra rede tem tantos pontos de venda no país. Ao se espalhar por 1 700 cidades, algumas com apenas  20 000 habitantes, o Boticário se transformou na primeira opção de compra de milhares de consumidores que não tinham acesso a outras redes de perfumaria. Esse é um modelo de negócios único.

Nos principais mercados de cosméticos do mundo, os produtos são vendidos principalmente em lojas multimarcas, o que não acontece no Brasil. Por aqui, os principais concorrentes do Boticário são a Avon, que tem no Brasil seu maior mercado, e a Natura. Ambas vendem porta a porta com um exército de revendedoras. Mas nenhuma das duas tem crescido tanto quanto o Boticário. Uma das explicações está no preço.

Para atrair a classe C, nos últimos anos o Boticário lançou produtos que custavam até 50% menos do que as linhas de entrada dos concorrentes. “O Boticário criou sua estrutura nos tempos de mercado fraco”, diz Fernando Fernandes, sócio da consultoria Booz & Company e especialista no mercado de cosméticos. “Quando a euforia atual começou, eles estavam prontos.”

Em 2012, após mais de uma década de crescimento fulminante, o Boticário deu um salto para a segunda fase de sua história. Durante mais de 30 anos, a empresa teve apenas uma marca, e um único canal de vendas. Em 2011, lançou sua segunda marca, a Eudora, que, além de 14 lojas, tem vendedoras que oferecem seus produtos de porta em porta. Mas as maiores novidades vieram em 2012.

Foram criadas três novas unidades: a Skingen, que faz cosméticos antienvelhecimento que custam até 500 reais; a rede Quem Disse, Berenice?, que tem dez lojas em São Paulo e vende maquiagem com cores mais vibrantes; e a The Beauty Box, uma rede de varejo multimarcas, que vende perfumes e cosméticos de grifes como Calvin Klein e Lancôme. Para tirar as novas marcas do papel, o Boticário investiu em inovação como nunca em sua história.


Apenas em 2012, lançou 1 500 novos produtos — o triplo de sua média histórica. Nos últimos anos, a empresa já havia criado produtos inovadores, como um perfume feito de vinho que é armazenado em barris de carvalho dentro da fábrica (o perfume é hoje o produto mais vendido pela empresa). Agora, lançou cremes e sabonetes mais inusitados, com cheiro de bebidas como mojito e piña colada. Em 2012, o Boticário começou a construir seu primeiro centro de pesquisa e desenvolvimento — antes, as equipes de inovação ficavam espalhadas pela empresa.

O novo prédio custou 30 milhões de reais e é moderno e envidraçado, com jeitão de empresa de tecnologia. Fica ao lado da fábrica, em São José dos Pinhais, e vai abrigar 200 pesquisadores. Em outra frente, a empresa investiu 380 milhões de reais em uma nova fábrica, em Camaçari, e outros 155 milhões de reais em um novo centro de distribuição, em São Gonçalo dos Campos, ambos na Bahia. No total, 650 milhões de reais­ foram investidos em 2012.

A concorrência aumenta

Há dois motivos que estão levando o Boticário a investir tanto. O primeiro é de natureza interna. Com 3 600 lojas, a empresa já não tem mais facilidade para encontrar novos terrenos. Até dois anos atrás, uma cidade com menos de 30 000 habitantes raramente entrava no radar. Agora, a linha de corte já caiu para 20 000. Enquanto isso, outras redes de franquia, como o McDonald’s, só agora chegam a cidades com 100 000 moradores.

Na outra ponta, o Boticário se mexe para antecipar um forte aumento da concorrência na próxima década. Grandes fabricantes e varejistas globais estão de olho no Brasil. Em 2012, a francesa Sephora, uma das maiores varejistas de cosméticos do mundo, inaugurou sua primeira loja no país, no shopping JK, em São Paulo. A Mary Kay, fabricante americana de cosméticos para as classes A e B, viu seus negócios crescer 83% no Brasil em cinco anos.

O número de revendedoras saltou de 24 000, em 2007, para 143 000, em 2012. A meta para 2013 é chegar a 200 000. Novas marcas também estão chegando. A japonesa Shiseido, uma das grifes mundiais de cosméticos, lançou neste ano no Brasil a marca Bare Minerals, de olho no emergente mercado premium. “Os produtos de grife respondem por apenas 2% do consumo de cosméticos no Brasil, ante 20% em alguns países. Há muito espaço para crescer”, diz Jochen Miel­ke, presidente da Shiseido no Brasil.


Se tudo der certo, as novas marcas devem virar negócios relevantes para o Boticário somente no fim da década.  Parece muito tempo — é provável que, numa empresa de capital aberto, os projetos fossem considerados de maturação lenta demais. Mas o movimento segue à risca a fórmula que deu certo para o Boticário nas últimas décadas. Os resultados atuais são fruto de uma estratégia desenhada há três décadas e que custou a dar certo.

O Boticário nasceu em 1977, como uma farmácia de manipulação em Curitiba. Recém-formado em bioquímica, Krigs­ner abriu o negócio com uma colega de faculdade e com dois dermatologistas. A ideia era vender cremes artesanais, que o próprio Krigsner criava usando uma batedeira caseira. Em 1979, a empresa emplacou seu primeiro sucesso, a colônia Acqua Fresca. Mesmo sem saber se o produto seria bem aceito, Krigsner comprou 70 000 frascos de uma só vez.

Os vasilhames precisaram ser estocados na casa de amigos e parentes. Em 1979, a empresa abriu também sua primeira loja, no aeroporto Afonso Pena, em Curitiba. A localização serviu para que viajantes comprassem os produtos e fizessem propaganda boca a boca em sua cidade de origem. Para acelerar o crescimento, Krigsner escolheu um modelo de negócios então incipiente no Brasil: as franquias. Sua vantagem era dispensar grandes investimentos. Quem bancava as lojas eram os franqueados. Em 1980, o Boticário abriu sua primeira franquia, em Brasília. 

Junto com a expansão, a companhia forjou uma cultura de gestão que foge a muitas das regras tidas na última década como as mais modernas — mas que, com sua capacidade de pensar no longo prazo, é um modelo cada vez mais invejado (veja reportagem seguinte). Nos últimos anos, seus controladores receberam 20 propostas para se tornar sócios de grandes investidores ou abrir o capital da empresa na Bovespa.

Executivos de todos os bancos de investimento em operação no país foram até São José dos Pinhais para tentar convencê-los. Segundo estimativas de investidores ouvidos por EXAME, o Boticário poderia valer em bolsa de 10 bilhões a 12 bilhões de reais. Nada emplacou. A empresa se manteve sem sócios, tomando decisões à sua maneira. Suas dívidas representam atualmente apenas 13% do patrimônio — ante 46% da Natura. (O fato de os franqueados fazerem boa parte dos investimentos ajuda.)

Todos os oito diretores estão no Boticário há pelo menos oito anos. Na hora da sucessão, o fundador optou por alguém da família. Artur Grynbaum, presidente e cunhado de Krigsner, entrou na empresa em 1986, e de 2002 a 2008 foi preparado para sucedê-lo. No caminho, tornou-se sócio, com 20% das ações. Em sua gestão, a empresa manteve a política de não cortar investimentos por causa de conjunturas externas.


Em 2009, por exemplo, enquanto milhares de companhias cortavam custos, o Boticário fez o maior investimento em marketing de sua história ao pagar 50 milhões de reais por um pacote de campanhas no programa Fantástico, da Rede Globo. “Não nos incomoda sacrificar algumas coisas no curto prazo por um projeto de quatro, cinco anos”, diz Krigs­ner.

Essa lógica é usada também  para calcular os bônus dos funcionários. Eles não levam em conta apenas o lucro e as vendas mas também dados mais subjetivos, como a satisfação de clientes, franqueados e fornecedores. “Gerar resultados no curto prazo é fácil. Basta cortar investimentos. Não é isso que queremos estimular”, diz Grynbaum. 

Essa cultura funcionou muito bem nos primeiros 35 anos do Boticário. Mas, a partir de 2013, as coisas ficam mais complexas. A começar pela própria relação com os franqueados, que sempre foi crucial para o sucesso da companhia. No total, a empresa tem mais de 1 000 franqueados em todo o país. Alguns chegam a comandar 105 lojas e faturar mais de 200 milhões de reais. Evidentemente, eles vão querer levar seu quinhão nos novos projetos. Mas nem todos poderão ser contemplados.

Em outra frente, se a marca Eudora ganhar corpo conforme o planejado, suas vendedoras vão virar concorrentes dos franqueados — que já estão preocupados com o rumo adotado pela companhia. Esse equilíbrio terá de ser alcançado em meio ao brutal aumento da concorrência previsto para os próximos anos. O Brasil ainda é o país certo para uma empresa de cosméticos que quer crescer. Talvez para azar do Boticário, hoje isso não é segredo para ninguém.

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