O manifesto será levado também para as agremiações das Séries B, C e D, além do futebol feminino. (Paulo Whitaker/Reuters)
Denyse Godoy
Publicado em 21 de junho de 2018 às 05h00.
Última atualização em 10 de julho de 2018 às 16h39.
De todos os projetos executados pelas empreiteiras brasileiras envolvidas em escândalos, poucos são tão simbólicos quanto os estádios construídos para a Copa de 2014 e que, quatro anos depois, são enormes monumentos à corrupção e à falta de planejamento. Arenas esportivas são negócios difíceis mesmo quando erguidas com base em critérios econômicos. O London Stadium, construído na capital do Reino Unido para sediar os Jogos Olímpicos de 2012, dá prejuízo de 20 milhões de libras (perto de 100 milhões de reais pelo câmbio atual) ao ano.
Na construção das arenas no Brasil, interesses espúrios se sobrepuseram à racionalidade que deveria pautar as decisões sobre gastos públicos. Agora o país se vê com uma manada de elefantes brancos para administrar e nenhuma perspectiva de resolver o problema. Dos 12 estádios, os dez de cuja gestão o governo participa estão sob investigação por suspeita de irregularidades.
Em 2013, ano anterior à Copa, o público pagante médio dos jogos do Campeonato Amazonense de Futebol foi de 804 espectadores, indicando que não haveria ocupação suficiente no futuro para sustentar o estádio. “Uma conta simples antes de a competição começar já mostrava que a maioria das arenas não valia o gasto”, diz Thiago de Sousa Barros, professor de finanças na Universidade Federal de Ouro Preto, que desde 2014 estuda o assunto. Para justificar as despesas, os estados ressaltavam que a competição deixaria um legado em infraestrutura de transporte para a população. Essas obras custaram, no total, 17 bilhões de reais, mas cerca de 40 projetos ainda não foram finalizados.
Era um problema anunciado. Quando a Fifa, organização que comanda mundialmente os negócios do futebol, sugeriu, em 2007, que a Copa fosse realizada em oito capitais brasileiras, o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva incluiu quatro entre as que acolheriam o evento. Além das grandes capitais com times tradicionais, cidades de população menor e com clubes sem expressão, como Cuiabá, foram escolhidas como sede. Sorvendo 700.000 reais por mês dos cofres públicos só de administração, a Arena Pantanal foi transformada, no ano passado, em escola estadual para 300 alunos do ensino fundamental e médio. É a escola mais cara do país: custou 640 milhões de reais.
Os gastos com a construção de estádios no Brasil totalizaram 8,3 bilhões de reais, 57% mais do que o previsto em 2010. A Rússia, sede da competição neste ano, bateu todos os recordes, gastando 4,3 bilhões de dólares com seus estádios — mas o regime de Vladimir Putin está longe de ser exemplo de bom uso do dinheiro público. Os estouros de orçamento dos estádios brasileiros também se explicam pelo planejamento malfeito. A ex-presidente Dilma Rousseff instituiu um modelo de contratação dos projetos diferente do usual. Em vez de exigir das empreiteiras um projeto detalhado das arenas com estudo de viabilidade econômica antes de liberar os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o governo passou a aceitar um rascunho simplificado.
Esses desmandos começaram a aparecer com a Operação Lava-Jato, que envolveu dez das 11 maiores empreiteiras que participaram de obras relacionadas à Copa. Questionadas por suspeita de superfaturamento, várias construtoras acabaram não tendo remédio senão assumir o prejuízo. A Odebrecht, por exemplo, ainda tem 320 milhões de reais a receber do Corinthians pela construção de sua arena — um agrado da construtora ao ex-presidente Lula. No Rio de Janeiro, depois de cinco anos obrigada a cuidar do Maracanã, a Odebrecht acumula 150 milhões de reais em prejuízos. Em junho, a concessionária que administra o estádio, liderada pela empreiteira, assinou um acordo com o Flamengo para a realização de partidas do clube no Maracanã até o fim de dezembro de 2020.
No extremo oposto dos estádios deficitários estão a Nova Arena CAP, em Curitiba, também conhecida como Arena da Baixada, e o Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, que tiveram os custos da reforma para a Copa de 2014 assumidos por seus donos — respectivamente, o Clube Atlético Paranaense e o Sport Club Internacional. São os dois únicos cujas obras não estão sendo investigadas. Mas vem de outro clube o melhor exemplo de boa gestão de um estádio brasileiro: o Allianz Parque, casa do paulistano Palmeiras, que não foi usado na competição da Fifa. O time conta com o terceiro maior número de sócios-torcedores do país, 126.000, e é o campeão de faturamento com bilheteria: 74 milhões de reais em 2017.
O Allianz Parque é também o estádio que mais recebe shows no Brasil: foram 17 de grande porte no ano passado. “Só existe uma saída para recuperar o enorme capital investido num empreendimento como esse: gerar atividade 24 horas por dia, sete dias por semana”, afirma Rogério Dezembro, presidente do Allianz Parque. “O desafio agora é turbinar os shows de porte médio e as atividades diárias com novos restaurantes, lojas e eventos corporativos.”
O modelo do Allianz Parque é o que tenta seguir o Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão, em Belo Horizonte. Ele é o que mais recebe grandes shows internacionais fora do eixo Rio-São Paulo. A administração do estádio, tocada pelo consórcio que construiu a arena numa parceria público-privada com o governo de Minas Gerais, aluga seus espaços até para festa de casamento e também tem acolhido outros tipos de esporte, como o futebol americano. “A arena fica ocupada de segunda a segunda, e não só nos fins de semana”, diz Samuel Lloyd, diretor do Mineirão. Ainda assim, muitos dos clássicos de futebol da cidade, entre Cruzeiro e Atlético, acabam disputados em outro estádio, o Independência, menor e mais rentável para os clubes.
Os exemplos de sucesso devem continuar sendo exceções, na avaliação dos especialistas consultados por EXAME. “O caso das arenas é representativo da má administração do país e da falta de planejamento. Parece que nunca aprendemos a lição”, diz Gustavo Fernandes, professor dos programas de pós-gradução em gestão e políticas públicas na Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Já é hora de aprender — o custo é alto.